acrílica sobre eucatex mostra mulher e animal interagindo

"Ogum", de Mabel, integra a mostra "Entre o c�u e a terra", que ser� aberta hoje no Museu de Congonhas

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Tr�s cidades do interior de Minas Gerais – Ouro Preto, Conselheiro Lafaiete e Congonhas – foram escolhidas como palco para a inaugura��o do projeto Arte nas Esta��es, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald. 

 

A iniciativa consiste na montagem de tr�s exposi��es tem�ticas com obras da cole��o do Museu Internacional de Arte Na�f, que em 2016 teve suas atividades encerradas no Rio de Janeiro, por falta de financiamento.

 

As mostras “Sofr�ncia”, “A ferro e fogo” e “Entre o c�u e a terra” foram abertas ao p�blico, respectivamente, na �ltima quinta-feira (2/2), no Pa�o da Miseric�rdia (antiga Santa Casa), em Ouro Preto; na sexta (3/2), na esta��o ferrovi�ria de Conselheiro Lafaiete; e neste s�bado (4/2), no Museu de Congonhas. Elas permanecem nesses espa�os at� 9 de abril, quando haver� um rod�zio.

 

Com curadoria de Ulisses Carrilho, as exposi��es que comp�em o projeto Arte nas Esta��es cumprem o objetivo de dar visibilidade e problematizar a ideia corrente que se tem da chamada arte na�f, de forma a redimensionar o lugar que ela ocupa no cen�rio nacional e internacional.

 

 

Nada ing�nuo

“Esse termo franc�s, na�f, que significa ing�nuo, � um termo fracassado para as pessoas do meio. A minha ideia � que essa produ��o � tudo, menos ing�nua. Foi a partir desse mote curatorial, de uma tentativa de desmonte dessa ideia de ingenuidade, que as tr�s mostras foram concebidas”, diz Carrilho.

 

Ele sublinha o forte teor pol�tico e social das exposi��es, expresso tanto nas obras quanto na pr�pria representatividade dos artistas que as criaram. “� uma cole��o que tem diversidade, com uma presen�a muito significativa de mulheres, de pretos, de pessoas que vivem ou viveram em �reas rurais, fora do eixo Rio-S�o Paulo, fora do Sudeste. Existe um recorte de classe muito espec�fico nesse tipo de produ��o”, aponta.

 

Os artistas ditos populares ainda s�o relegados a uma esp�cie de subcategoria das artes por uma conjun��o de fatores, segundo o curador. Ele observa que, ao longo das �ltimas d�cadas, eles estiveram alijados dos movimentos art�sticos que marcaram momentos hist�ricos, porque nunca existiu – como ainda n�o existe – um manifesto que os organize.

 

Para Carrilho, o que os une � uma vontade de representa��o, de figura��o. “O que a gente tem � um maci�o de artistas que tinham outras profiss�es, porque n�o podiam viver s� de sua arte. Num espectro ampliado da cultura brasileira, entendo que sempre consideramos valoroso e sempre fomos muito centrados na branquitude e em ideias normativas”, diz.

 

As tr�s exposi��es t�m origem em um acervo de arte na�f que � o maior do mundo, com cerca de 6 mil obras criadas por artistas de 120 pa�ses, que ficaram desabrigadas a partir do fechamento do museu, em 2016. O embri�o do projeto Arte nas Esta��es, que visa tamb�m criar espa�os para mostrar a cole��o e chamar a aten��o para a sua relev�ncia, remonta a 2019.

 

Naquele ano, foi realizada a exposi��o “Arte Na�f – Nenhum museu a menos”, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, da qual Szwarcwald era diretor, contando j� com a curadoria de Carrilho. Para a mostra, foi feito um recorte do acervo, que compreende obras produzidas entre os anos 1950 e 2000, com predomin�ncia de uma produ��o que vai das d�cadas de 1970 a 1990, e com 80% delas assinadas por artistas brasileiros.


óleo sobre eucatex mostra pessoas dançando em pista

"O clube das mulheres", de Dalvan, faz parte da mostra "Sofr�ncia", que ocupa o Pa�o da Miseric�rdia, em Ouro Preto

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Valoriza��o

“O projeto surgiu depois desse movimento, em 2019, no Parque Lage. A cole��o estava dentro do Museu Internacional de Arte Na�f, inativo havia tr�s anos, e eu queria dar visibilidade para esses artistas, que s�o pouco valorizados. A mostra tinha esse nome, ‘Nenhum museu a menos’, porque o espa�o que abrigava as obras estava fechado e por causa do inc�ndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro um ano antes”, situa Szwarcwald.

 

Ele conta que, a partir daquela exposi��o, brotou o desejo de circular com recortes do acervo. “Conversando com uma amiga que estava �s voltas com o restauro de esta��es ferrovi�rias, pela MRS, me veio a ideia de levar essa cole��o para o interior do Brasil, levar os artistas dessas regi�es para serem mostrados da forma como devem, com o valor que eles t�m”, ressalta.

 

A escolha de tr�s cidades mineiras para o lan�amento do Arte nas Esta��es se relaciona diretamente com esse prop�sito, segundo o idealizador do projeto. Ele aponta que um dos principais artistas, que assina quase metade das obras que estar�o em exposi��o, � Odoteres Ricardo de Ozias (1940-2011), natural de Eugen�polis, no interior do estado.

 

“Al�m dessa quest�o, Minas Gerais tem uma pluralidade cultural que � incr�vel, que nos interessa muito. Foi estrat�gico come�ar em cidades hist�ricas do estado, que falam do nosso barroco. Outra quest�o � que Minas � um pouco do Brasil, s�o v�rias culturas num s� estado, e nos interessa fundamentalmente falar dessas culturas, com diferentes vis�es de mundo”, diz.

 

Ele enfatiza que “o primeiro ponto a ser considerado � que a arte popular � contempor�nea”. Ao todo, 270 obras, assinadas por 120 diferentes artistas, comp�em as tr�s exposi��es. Carrilho sublinha o fato de que � Ozias quem “dita a narrativa” de cada uma delas, e por isso Minas � o primeiro estado a receber o projeto.

 

O artista se mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou na rede ferrovi�ria, teve uma les�o por esfor�o repetitivo e come�ou a pintar com eucatex, segundo o curador. “Ele chegou a fazer uma exposi��o na Funarte, nos anos 1980. Era um cara preto, que reproduzia imagens de terreiros, algo que trazia de sua inf�ncia em Eugen�polis, e era pastor evang�lico no Rio. Ele sintetiza muito do Brasil, pois elaborava o presente sem precisar jogar fora o passado”, diz.

 

 

Primeira vez

O interesse por Ozias surgiu t�o logo tomou contato com sua arte, conforme aponta. “At� onde a gente sabe, ele nunca exp�s em Minas Gerais. Fiquei feliz de ter a possibilidade de trazer para um contexto mineiro obras que falam sobre o estado, muito embora ele tamb�m tenha pintado os Alpes su��os e a floresta amaz�nica, mesmo sem conhecer presencialmente”, destaca.

 

Ele observa que a presen�a de Ozias e o car�ter itinerante representam uma “mec�nica comum entre tr�s mostras distintas, que ocupam temporariamente um espa�o e seguem para a pr�xima esta��o”. Para o curador, “faz todo sentido falar de arte popular atrav�s dessa estrutura que monta e desmonta, como os grupos de teatro ambulante e de circo”.

Carrilho detalha que “Sofr�ncia” fala, basicamente, de amor, suas dores e del�cias, por meio de uma narrativa com in�cio, meio e fim. Inspirada nas novelas, essa hist�ria apresenta ao p�blico cenas de conv�vio social, flerte, festas e jogos de sedu��o. “Olhar para essas obras faz lembrar como � pol�tico voc� dizer que ama algu�m e manifestar o seu desejo”, refor�a o curador.


quadro mostra homem pastoreando gado em fazenda

"No campo", �leo sobre eucatex de Odoteres Ricardo Ozias, artista mineiro que se radicou no Rio de Janeiro e tem o maior n�mero de obras expostas pelo projeto, que abrange tamb�m Conselheiro Lafaiete

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Tem�ticas das mostras

Em “A ferro e fogo”, os artistas populares abordam uma rela��o integrada entre as quest�es naturais e pol�ticas. Manifesta��es e rebeli�es s�o representadas nas obras, que trazem cenas de luta pela preserva��o das esp�cies e, num espectro mais amplo, da pr�pria sobreviv�ncia: uma mata exuberante ou uma terra f�rtil figuram lado a lado com conflitos sociais.

 

J� “Entre o c�u e a terra” aborda as f�s – assim, no plural, segundo o curador. Manifesta��es religiosas e crendices populares aparecem em cenas noturnas, c�us estrelados, gra�as alcan�adas, s�plicas fervorosas e seres fant�sticos do folclore brasileiro. A exposi��o conta, ainda, com um n�cleo em que pol�ticos s�o retratados, como Jos� Sarney e Get�lio Vargas, trazendo para a discuss�o a cren�a numa ideia de Brasil tamb�m atrav�s da pol�tica.

 

“Uma exposi��o focaliza a quest�o do corpo, do g�nero e do feminino; outra � centrada na desobedi�ncia e na insubordina��o; e a terceira trata da f�, da cren�a, com a gente podendo ir da religi�o � fic��o cient�fica”, explica Carrilho. Ele chama a aten��o para o fato de que duas delas – “Sofr�ncia” e “A ferro e fogo” – s�o balizadas por m�sicas sertanejas: “Troca de cal�ada”, de Mar�lia Mendon�a, e “A ferro e fogo”, de Zez� Di Camargo e Luciano.

 

 

Encontro potente

“A gente passa anos ignorando uma s�rie de coisas por serem consideradas menores e, com isso, repercutem preconceitos. Eu quis trazer o g�nero mais popular do Brasil, o mais ouvido no pa�s h� 20 anos, para esse �mbito das artes visuais. � uma forma de politizar o debate por meio de artistas que n�o tiveram acesso ao ensino formal. Me parece um encontro muito potente”, afirma.

 

Ele diz que nunca foi um amante de m�sica sertaneja e que chegou a ela por um interesse na pot�ncia que essa express�o pode ter no sentido de informar sobre o conte�do de uma exposi��o de artes visuais. Carrilho afirma, ainda, que se valer do sertanejo � uma estrat�gia que abre a possibilidade de n�o se esquecer que pessoas que sofreram preconceito t�m o direito de falar sobre seus prazeres e suas mazelas, “o que tamb�m � pol�tico e importante”.

 

“Espero, com essa curadoria, colaborar para que nossas exposi��es e nossas artes possam se remodelar, que possam ir ao encontro das pessoas e se fazerem sedutoras para aqueles que n�o tiveram acesso aos grandes alfarr�bios das artes, aos grandes museus. Se o pa�s fosse menos desigual, ter�amos muitos artistas produzindo obras fant�sticas por a� afora. Tem um trabalho educativo dentro dessa proposta”, salienta.

 

ARTE NAS ESTA��ES

“Sofr�ncia” – Pa�o da Miseric�rdia (antiga Santa Casa), em Ouro Preto (Rua Padre Rolim, 344), de quinta a domingo, das 9h �s 17h.“A ferro e fogo” – Esta��o ferrovi�ria de Conselheiro Lafaiete (Rua Coronel Bento, 75), de ter�a a domingo, das 9h �s 17h. “Entre o c�u e a terra” – Museu de Congonhas (Alameda Cidade Matozinhos de Portugal, 77), inaugura��o neste s�bado (4/2), �s 11h. Visita��o: de ter�a a domingo, das 9h �s 17h. 

Entrada franca