poeta Waly Salomão

Waly Salom�o (1943-2003) ganha antologia com 36 poemas de sua autoria e que fazem o leitor embarcar numa viagem com o poeta

Marcia Ramalho/DIVULGA��O

Waly Salom�o era um leitor compulsivo. Havia, contudo, uma peculiaridade na sua maneira de ler. “Era como se estivesse conversando com a obra que tinha em m�os”, lembra o filho Omar. Essa particularidade foi t�o marcante que, ao organizar a antologia de poemas do pai, Omar se empenhou em fazer um livro que pudesse, de alguma forma, conversar com o leitor.

“Jet lag – Poemas para viagem”, lan�ado nesta segunda-feira (6/2) pela Companhia das Letras, coloca, de fato, o leitor em uma posi��o como se estivesse conversando com o poeta. O livro disp�e os 36 poemas em uma tessitura constru�da com maestria, dando o espa�o necess�rio entre as tem�ticas para que o leitor reflita, compreenda e at� discorde do autor. � como se Waly estivesse presente, soprando seus versos e suas ideias enquanto aguarda uma rea��o do interlocutor.

A antologia come�a com o extenso “Poema jet-lagged”, que Waly Salom�o escreveu em 1993 para o artista catal�o Anton� Llena. “Viajar, para qu� e para onde, se a gente se torna mais infeliz quando retorna?”, inicia o poeta.

O que parece ser um tributo a uma esp�cie de ina��o vai se revelando justamente o contr�rio. Depois de despejar mem�rias de viagens e situa��es corriqueiras a quem visita novos destinos, Waly conclui: “Mas ficar, para qu� e para onde, (...) se viajar � a �nica forma de ser feliz e pleno?”.

Evolu��o

 “Poema jet-lagged” n�o est� na abertura da antologia gratuitamente. � ele que d� a t�nica do livro e adianta que a viagem, em suas m�ltiplas interpreta��es, n�o deixa de ser um fio condutor da obra. “Meu pai trazia muito em seus textos essa quest�o da viagem como forma de se modificar, evoluir. O ato de viajar, de perambular est� diretamente ligado ao de alterar, de se alterar”, observa Omar.

A mudan�a, no entanto, � um processo �rduo e, muitas vezes, dolorido. “Para que abandonar seu albergue, largar sua carapa�a de c�gado e ser impelido corredeira rio abaixo?”, questiona o poeta em “Antiviagem”. Sair da zona de conforto � como se deparar com o “vazio, situa��es e lugares desaparecidos no ralo, ruas e rios confundidos”, conforme escreveu no poema de abertura.

Foram muitas as “viagens” de Waly. Natural de Jequi�, na Bahia, mudou-se cedo para Salvador, onde fez parte do movimento tropicalista, na d�cada de 1960, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa (1945-2022), Maria Beth�nia e Tom Z�. Posteriormente, integrou a chamada ‘gera��o mime�grafo’, em 1970. Junto de Paulo Leminski (1944-1989), Ana Cristina Cesar (1952-1983), Torquato Neto (1944-1972) e Chacal, entre outros, Waly escrevia seus poemas, imprimia no mime�grafo e sa�a distribuindo ou vendendo.

VIDA CIGANA Em sua vida cigana, levantou tendas em S�o Paulo, Niter�i e Rio de Janeiro. Foi secret�rio nacional do livro e leitura durante o primeiro governo Lula e teve como principal proposta incluir na cesta b�sica do brasileiro um livro a cada m�s.

Al�m disso, Waly foi um dos poucos brasileiros que souberam incorporar a figura do fl�neur, conceito do franc�s Charles Baudelaire (1821-1867) para descrever as pessoas que andam pela cidade a fim de experiment�-la.

Constantemente, era visto no Jardim Bot�nico, no Rio de Janeiro, quase sempre “sentado em algum banco ou em p�, conversando com algu�m, ou parando para conversar”, conforme lembra Omar.

Uma das coisas que me fascinam em todo escritor, e meu pai conseguia fazer isso de forma muito particular, � fazer um texto com diversas camadas. Voc� faz uma primeira leitura e tem uma percep��o. Quando l� pela segunda vez, tem outra interpreta��o. E isso vai acontecendo � medida que voc� vai voltando no texto

Omar Salom�o, organizador de "Jet lag - Poemas para viagem"


Cantareira

Expansivo e bem-humorado, Waly costumava dizer que o inferno � um lugar destitu�do de alegria, amor e humor. Na �poca em que morou em Niter�i, costumava fazer todos que estivessem na barca que atravessa a Ba�a de Guanabara cantar "Mambo da Cantareira", can��o de Eloide Warthon e Barbosa da Silva que ficou famosa nas vozes de Jackson do Pandeiro (1919-1982) e Gordurinha (1922-1969).

"S� vendo mesmo como � que d�i / Trabalhar em Madureira, viajar na Cantareira / E morar em Niter�i", cantava o poeta, puxando o coro dentro da embarca��o.

Assim como os compositores da can��o, Waly costumava lidar com as adversidades da vida de maneira bem-humorada e transformar em arte os sofrimentos, vistos por ele como parte do aprendizado e desenvolvimento humano.

Conforme escreveu em "Sarga�os", "nascer n�o � antes, n�o � ficar a ver navios. Nascer � depois, � nadar ap�s se afundar e se afogar". E ainda estimula o leitor a n�o parar de nadar, "nem que se morra na praia antes de alcan�ar o mar". 

“Uma das coisas que me fascinam em todo escritor, e meu pai conseguia fazer isso de forma muito particular, � fazer um texto com diversas camadas. Voc� faz uma primeira leitura e tem uma percep��o. Quando l� pela segunda vez, tem outra interpreta��o. E isso vai acontecendo � medida que voc� vai voltando no texto”, ressalta Omar.

A densidade po�tica de Waly era fruto de suas refer�ncias. Nas in�meras entrevistas que concedeu ao longo da vida, costumava citar nomes como Manuel Bandeira (1886-1968), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Oswald de Andrade (1890-1954), Ezra Pound (1885-1972), Murilo Mendes (1901-1975) e St�phane Mal- larm� (1842-1898).

Drummond e Murilo at� entraram no poema “Orapronobis”, ambientado em Tiradentes. Na tranquilidade da cidade hist�rica, tendo como vista a Serra de S�o Jos�, que estampava “um desenho de Tarsila na paisagem”, o eu l�rico "cafunga" sua “dose di�ria de Murilo e Drummond”.

Rom�ntico

“Jet lag – Poemas para viagem” traz ainda textos rom�nticos (“seu corpo � gazeta ilustrada que folheio da primeira � �ltima p�gina e vice-versa”, em “C�ntico dos c�nticos de Salom�o”) e melanc�licos (“V� dizer aos camaradas que fui para o alto-mar e que minha barca naufraga”, em “Garrafa”). E ainda conta com letras de can��es que Waly escreveu, como "Revendo amigos" e "Vapor barato", ambas musicadas por Jards Macal�.

“N�o quis fazer a sele��o por temas, mas seguindo um ritmo que se assemelhasse a um roteiro de show”, revela Omar. Por isso, os textos seguem numa cad�ncia singular, come�ando de maneira mais agitada, seguindo por um ritmo mais tranquilo at� se encerrar v�vidamente.

Waly morreu em maio de 2003, poucos meses antes de completar 60 anos, em consequ�ncia de um c�ncer no f�gado. Contudo, ainda vive por meio de suas obras. “Esse livro, portanto, � a forma que eu tenho de conversar com ele”, finaliza Omar.

WALY EM VERSOS

Trechos de alguns dos 36 poemas que est�o em “Jet lag – Poemas para viagem”

“Viajar, para qu� e para onde, se a gente se torna mais infeliz quando retorna?” (“Poema jet-lagged”)
“Para que abandonar seu albergue, largar sua carapa�a de c�gado e ser impelido corredeira rio abaixo?” (“Antiviagem”)
"Nascer n�o � antes, n�o � ficar a ver navios. Nascer � depois, � nadar ap�s se afundar e se afogar" ("Sarga�os")
“Seu corpo � gazeta ilustrada que folheio da primeira � �ltima p�gina e vice-versa” (“C�ntico dos c�nticos de Salom�o”)
“V� dizer aos camaradas que fui para o alto-mar e que minha barca naufraga” (“Garrafa”)
capa do livro  Jet lag - Poemas para viagem, de waly salomão, organizado por seu filho, omar salomão

capa do livro Jet lag - Poemas para viagem, de waly salom�o, organizado por seu filho, omar salom�o

Companhia das Letras/DIVULGA��O

JET LAG – POEMAS PARA VIAGEM
• De Waly Salom�o
• Organiza��o: Omar Salom�o
• Companhia das Letras
• 128 p�ginas
• Pre�o: R$ 99,90