Os personagens centrais da trama s�o o casal de modelos Carl e Yaya, interpretados por Charlbi Dean (1990-2022) e Harris Dickinson, que partem numa viagem de navio
DIAMOND FILMS/DIVULGA��O
A ruga que formamos entre as sobrancelhas e a parte superior do nariz quando estamos tristes ou preocupados pode ser corrigida com uma simples sess�o de botox. Algumas picadinhas, e o “tri�ngulo da tristeza” vai embora.
Jovem e bonito, o modelo Carl (Harris Dickinson) precisa de algumas aplica��es, dizem os profissionais que o avaliam para um casting. Ele est� pronto para tudo: rir ou chorar, mesmo sabendo que em seu meio n�o � valorizado, como lhe diz um rep�rter de forma debochada: ganha tr�s vezes menos do que uma modelo e est� suscet�vel ao ass�dio dos homossexuais.
Com tr�s indica��es ao Oscar – melhor filme, dire��o e roteiro original, ambos para o cineasta sueco Ruben �stlund – “Tri�ngulo da tristeza” � uma s�tira sobre o desastre que � a humanidade. Os muito ricos, capitalismo versus socialismo, a pol�tica armamentista, as diferen�as de classe e de g�nero, a moda, as redes sociais, tudo est� no foco do diretor.
Nesta quarta (15/2), o longa tem duas pr�-estreias, no Ponteio e no UNA Cine Belas Artes. Amanh�, ele estreia nos dois cinemas.
“Sou meio cruel com todos os personagens. N�o sou mais legal com os pobres do que com os ricos, sou meio mau com todo mundo. Acho que a raz�o � porque estou interessado em saber quando estamos falhando. N�o estou t�o interessado em quando temos sucesso... Na verdade, estou apontando o dedo para o contexto, o cen�rio que pode criar nosso comportamento”, afirmou o cineasta ao Los Angeles Times.
Aos 48 anos, �stlund passou a integrar um seleto time de cineastas: ganhou, por duas vezes, a Palma de Ouro no Festival de Cannes, o mais prestigioso do mundo: em 2017, por “The square: A arte da disc�rdia”, e em 2022 por “Tri�ngulo da tristeza”.
O pequeno grupo de premiados mais de uma vez em Cannes com a Palma de Ouro inclui o americano Francis Ford Coppola, o austr�aco Michael Haneke, os belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, o b�snio Emir Kusturica, o japon�s Shohei Imamura, o dinamarqu�s Bille August, o sueco Alf Sj�berg e o brit�nico Ken Loach.
A ind�stria da moda representa no roteiro, que tamb�m �� assinado pelo diretor, o universo da ostenta��o do consumo, das apar�ncias e da falsidade
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Divis�o
E assim como “The square”, uma s�tira escandalosa sobre o universo da arte contempor�nea, “Tri�ngulo da tristeza” encontra tanto apaixonados quanto detratores.
“Ele faz voc� rir, mas tamb�m faz voc� pensar. N�o importa em que esfera ele caminhe, estamos fadados a ver o mundo de maneira diferente”, escreveu a Variety. “(‘Tri�ngulo da tristeza’) � um filme muito ruim, executado com bastante polimento visual e intelig�ncia superficial para enganar os jurados de Cannes, algo que �stlund fez duas vezes”, devolveu o The New York Times.
A narrativa de “Tri�ngulo da tristeza” � dividida em tr�s atos. No primeiro, somos apresentados ao casal de protagonistas, o j� citado Carl e sua namorada, Yaya (Charlbi Dean, atriz e modelo sul-africana morta de forma repentina em agosto de 2022).
Como j� ficamos sabendo, ela ganha bem mais do que ele. Os dois terminaram de jantar. No restaurante, ele se exaspera, enquanto ela n�o deixa o celular. A conta est� ali, esperando para ser paga. E nenhum dos dois toma nenhuma atitude. O malfadado jantar – e a conta al�m das posses – vai levar os dois para uma discuss�o cheia de rancores. Carl, um tanto enfadonho, quer igualdade entre eles; Yaya almeja se tornar uma “esposa-trof�u” em um futuro pr�ximo.
No ato seguinte, vemos os dois novamente vivendo al�m das posses. Est�o em um cruzeiro de luxo como convidados – Yaya � tamb�m influencer, e isso gera mais presentes do que dinheiro propriamente dito, explica Carl para o russo Dimitry (Zlatko Buric). Este � um bilion�rio que fez fortuna vendendo bosta (palavras dele, que ele repete, como uma piada, para cada nova pessoa que conhece).
O iate forma um microcosmo sobre as rela��es de poder – tal tema vem sendo tratado de forma sat�rica em produ��es recentes, como o filme “O menu” e a s�rie “The white lotus”. S� que “Tri�ngulo da tristeza” vai at� as �ltimas consequ�ncias. “Talvez eu devesse ter sido um pouco mais cauteloso”, �stlund chegou a afirmar.
Como um Titanic dos tempos atuais, o iate conta com tr�s classes. Os primeiros s�o os passageiros, que nunca devem ouvir sequer um n�o dos tripulantes. O segundo grupo, comandado pela estressada Paula (Vicki Berlin), � formado por jovens brancos e bonitos. Se tudo der certo, as gorjetas ser�o enormes ao fim da viagem.
“Grana, grana, grana!”, gritam e sapateiam os tripulantes ao final da apresenta��o de Paula. O terceiro grupo s� ouve, na parte baixa do iate, a catarse coletiva. Invis�vel aos rica�os, essas pessoas s�o filipinas que d�o conta da arruma��o do navio.
Carl e Yaya v�o conhecendo seus colegas de viagem. H� um simp�tico casal de idosos, cujos nomes fazem piada com o casal Churchill. Winston (Oliver Ford Davies) e Clementine (Amanda Walker) s�o, obviamente, muito ricos. “Nossos produtos t�m sido empregados na defesa da democracia em todo o mundo”, explica ele a Carl, que insiste em saber do que se trata. “Granadas”, acrescenta o simp�tico velhinho.
H� tamb�m um homem solit�rio, Jarmo (Henrik Dorsin), que n�o conseguiu levar a namorada na viagem. Acabou de ganhar milh�es, depois de vender sua empresa de tecnologia. Todos n�o veem a hora de conhecer o comandante. Passados j� alguns dias no mar, o capit�o (Woody Harrelson) ainda n�o deu as caras. Permanece b�bado em sua cabine.
Pois eis que chega a noite do jantar do comandante. Para n�o entregar o jogo, o regabofe termina com um embate de cita��es de Karl Marx e Ronald Reagan em meio a um mar de v�mito e excrementos. N�o h� nenhuma sutileza na forma como a sequ�ncia � filmada – � tudo literal, com vasos sanit�rios transbordando pela tela. � terrivelmente engra�ado – e n�o sinta nenhuma culpa se cair na gargalhada no cinema.
A partir deste cen�rio dantesco tem in�cio o terceiro e �ltimo ato. Um grupo agora menor de pessoas tenta sobreviver em uma ilha deserta e desconhecida. Nesta alegoria sobre o poder, as posi��es podem se inverter. A chegada de uma nova personagem � trama, Abigail (Dolly De Leon), vai mexer com as rela��es preestabelecidas.
At� seu derradeiro instante, “Tri�ngulo da tristeza” trafega no fio da navalha. � muito engra�ado, mas imensamente cruel.
“TRI�NGULO DA TRISTEZA”
(Su�cia, 2022, 147min, de Ruben �stlund, com Harris Dickinson, Charlbi Dean, Woody Harrelson e Zlatko Buric) – Nesta quarta (15/2), sess�o �s 20h20 no UNA Cine Belas Artes e �s 20h50 no Ponteio. Na quinta (16/2), o filme estreia nos cines Ponteio 4 (13h30, 16h20 e 21h10) e UNA Cine Belas Artes (15h30 e 20h20)
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