Atores Alexandre Willaume e José Pimentão estão sentados conversando em cena da série Dark

Criado pela equipe da badalada "Dark", o seriado "1899" foi ceifado pela Netflix no in�cio de janeiro, um m�s depois de estrear

Netflix/divulga��o

 
� dif�cil n�o sentir um misto de frustra��o, raiva e descren�a ao descobrir que a s�rie de que voc� gosta foi cancelada. Produ��es como “1899”, “Anne with an E”, “Sense8”, “The OA”, “Raised by wolves”, “Gossip girl” e “Julie and the phantoms” s�o algumas das dezenas que n�o sobreviveram � foice das plataformas de streaming nos �ltimos tempos.
 
Pelo menos 20 s�ries foram canceladas pela Netflix desde o ano passado. Em janeiro, os criadores da cabe�uda “Dark” anunciaram que “1899”, sua nova aposta, havia sido interrompida pela plataforma pouco mais de um m�s ap�s a estreia. “Fate: A saga Winx” e a brasileira “Maldivas” tamb�m n�o foram renovadas, segundo pessoas envolvidas nas produ��es.

Nem t�tulos 'de grife' escapam

No mesmo per�odo, a HBO Max deu fim a “Minx” e “Westworld”, um de seus t�tulos de grife. O Amazon Prime Video, por sua vez, n�o deve renovar “Panic” e “Eu sei o que voc�s fizeram no ver�o passado”. A s�rie “A misteriosa Sociedade Benedict”, do Disney+, foi descontinuada ap�s duas temporadas. O Hulu cancelou “Reboot”, exibida no Brasil pelo Star . Os f�s ficaram a ver navios.
 
Mas por que tantas s�ries s�o canceladas pelas plataformas de streaming hoje em dia?
 
V�rias m�tricas s�o observadas antes de a decis�o ser tomada, diz Paulo Ratz, que foi gerente financeiro de produ��o na Netflix Brasil entre 2018 e 2021.
 
A Netflix mede, por exemplo, quantas pessoas assistiram ao t�tulo e quantas foram at� o final, quem assistiu a mais de um epis�dio e por quanto tempo os espectadores ficaram sintonizados.
 
“Tudo � analisado at� que se chega num �ndice final. Esse n�mero � comparado ao obtido por conte�dos similares. Se a s�rie bate a meta, � prov�vel que seja renovada”, afirma Ratz.
 
Atores de A misteriosa Sociedade Benedict olham para a câmera através de uma lupa

Disney cancelou 'A misteriosa Sociedade Benedict' ap�s a exibi��o de duas temporadas

Disney+/divulga��o
 
 
Al�m dos cancelamentos, h� t�tulos que passam anos engavetados pelas plataformas. As produ��es caem num limbo, fadadas ao esquecimento. � o caso das s�ries brasileiras “Super drags” e “O mecanismo” e da com�dia americana “The politician”.
 
A maioria dos seriados descontinuados nem sequer ganham um final. Quem gastou quase oito horas assistindo aos epis�dios de “1899”, por exemplo, jamais vai descobrir a solu��o dos enigmas deixados em aberto.

Plataformas fazem sil�ncio sobre cancelamentos

A not�cia de que uma s�rie foi cancelada costuma ser dada por roteiristas, produtores, atores ou pela imprensa especializada, como ocorreu com a maioria dos casos citados neste texto. Plataformas raramente se pronunciam, porque a decis�o gera repercuss�o negativa e imediata para a marca, diz Ratz.
 
A Netflix parece mesmo desgostar da palavra cancelamento, afirma o cineasta Esmir Filho. O criador do seriado “Boca a boca”, lan�ado pela plataforma em 2020, conta que a produ��o n�o deve ganhar novas temporadas, apesar de a plataforma nunca ter decretado o fim do t�tulo.
 
“Tamb�m n�o gosto do termo. D� a ideia de que a s�rie fracassou, e n�o vejo 'Boca a boca' como cancelada. � uma s�rie que est� l� para ser vista”, diz o diretor.

A Netflix diz n�o ter porta-voz para comentar o assunto. As plataformas HBO Max, Amazon Prime Video, Disney , Star , Paramount e Globoplay tamb�m n�o quiseram falar com a reportagem.
 
Em janeiro, o americano Ted Sarandos, um dos diretores-executivos da Netflix, quebrou o sil�ncio da empresa em entrevista ao portal Bloomberg. O empres�rio afirmou que a plataforma nunca cancelou s�rie de sucesso.
 
“Muitos desses t�tulos eram bem-intencionados, mas foram vistos por uma pequena audi�ncia e tiveram alto or�amento. O segredo � conseguir falar para pequenas audi�ncias com baixos or�amentos. Se voc� faz isso bem, pode fazer para sempre”, disse.
 
Três jovens atores, com roupa rosa, conversam em cena da série Boca a boca

Produ��o brasileira da Netflix, 'Boca a boca' caiu no limbo: n�o foi encerrada oficialmente, mas n�o ter� novos epis�dios

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Decis�o irrita consumidores

O tema inflama o p�blico. “Ficar mantendo streaming que s� cancela s�ries novas � perda de tempo”, publicou um espectador no Twitter. “A real � que a Netflix decaiu muito, cancela tudo que presta, s� renova s�rie bosta de adolescente”, escreveu outro.
 
Os envolvidos em produ��es descontinuadas tampouco ficam contentes. Jantje Friese e Baran bo Odar, os nomes por tr�s de “1899”, disseram sentir peso no cora��o ao anunciarem o fim da s�rie.
 
“Gentefield”, seriado da Netflix que acompanha latinos vivendo em Los Angeles, foi cancelado em janeiro do ano passado, segundo o portal Deadline. A cocriadora Linda Yvette Chavez publicou carta aberta no Instagram, na qual afirma que vivemos num mundo em que “arte revolucion�ria � mercantilizada”. E completou: “M�tricas e algoritmos nunca v�o medir o verdadeiro impacto do que fizemos na s�rie.”
 

"Muitos desses t�tulos eram bem-intencionados, mas foram vistos por uma pequena audi�ncia e tiveram alto or�amento. O segredo � conseguir falar para pequenas audi�ncias com baixos or�amentos. Se voc� faz isso bem, pode fazer para sempre"

Ted Sarandos, diretor da Netflix

 
 
Esmir Filho, diretor de “Boca a boca”, faz coro � opini�o de Chavez. “� delicado tomar decis�es baseadas s� no algoritmo. A gente perde a vontade de ousar e a� tudo fica chato, mon�tono e igual. � importante apostar nos t�tulos que atingem s� alguns nichos porque o p�blico pode crescer depois”, diz.

Paulo Ratz, ex-gerente da Netflix, explica que “Boca a boca” surgiu num per�odo em que fic��o cient�fica virou a principal aposta da plataforma por causa do sucesso da dist�pica “3%”. Depois que a onda passou, a plataforma quis replicar o sucesso de “Sintonia”, que virou um fen�meno de audi�ncia.
 
O cineasta Esmir Filho confirma que h� mesmo obsess�es sazonais. “Satura porque fica todo mundo vendo as mesmas coisas. Talvez seja bom para os n�meros, mas n�o funciona para a qualidade do produto.”
 
Cerca de um m�s � o prazo que a s�rie tem para mostrar bons resultados e garantir sua renova��o, diz Ratz. Depois desse per�odo, o interesse pelo t�tulo pode cair vertiginosamente por causa do volume massivo de lan�amentos.
 

'� delicado tomar decis�es baseadas s� no algoritmo. A gente perde a vontade de ousar e a� tudo fica chato, mon�tono e igual. � importante apostar nos t�tulos que atingem s� alguns nichos porque o p�blico pode crescer depois'

Esmir Filho, diretor da s�rie 'Boca a boca'

 

Abaixo-assinado defende 'Julie and the phantoms'

“Julie and the phantoms”, por exemplo, n�o chegou nem perto do resultado esperado, de acordo com o ex-gerente da Netflix. O cancelamento da s�rie foi anunciado por seu criador em dezembro de 2021, mais de um ano ap�s o lan�amento. Abaixo-assinado que pede a segunda temporada acumula mais de 220 mil assinaturas.
 
Renova��es de seriados agora s�o tratadas como not�cias bomb�sticas pelas plataformas, pela imprensa e pelo p�blico. Qualquer rumor sobre cancelamento tamb�m vira motivo de burburinho nas redes sociais.
 
Garota segura microfone e olha para rapaz em cena da série Julie and the phantoms

Abaixo-assinado com 220 mil assinaturas exige a retomada de %u201CJulie and the phantoms%u201D, cancelada um ano ap�s a estreia

Netflix/divulga��o
 
 
O time das redes sociais da Netflix est� de olho nas movimenta��es de f�s na internet, diz Paulo Ratz, mas a empresa leva em conta fatores que v�o al�m da vontade de uma parte dos espectadores.
 
“A empresa nunca foi focada em dinheiro, mas em criar estrat�gias para conseguir agradar a fam�lia, do av� � crian�a”, diz. “A gente se apega emocionalmente porque quer ver um final para a hist�ria, mas � preciso entender que estamos falando de empresa. N�o d� para fazer s�rie cara s� porque um vig�simo do p�blico se agradou”, acrescenta.
 
Gilberto Gil canta em “Rep” que o povo sabe o que quer, mas o povo tamb�m quer o que n�o sabe. Para Esmir Filho, essa m�xima deveria ser adotada pelo mercado audiovisual. “�s vezes o importante n�o � o n�mero de pessoas que a s�rie alcan�a, mas o qu�o profundo as atinge”, conclui o diretor.