
Com nova edi��o, ap�s anos fora de cat�logo, a colet�nea “Amor cruel, amor vingador” (Caravana Grupo Editorial) se abre com um brev�ssimo pref�cio muito s�bio e esclarecedor sobre o amor e os amantes, escrito como um recado ao leitor, � maneira de Machado de Assis.
Nele, a autora, Maria Jos� de Queiroz, da Academia Mineira de Letras, alerta: “N�o h� negar: os tr�gicos gregos diagnosticaram todos os males da alma”. Aos expoentes da literatura e das ci�ncias que vieram depois, nos s�culos seguintes, ela destaca, citando Shakespeare, Dostoievski, Flaubert, Zola e Freud, apenas caberia atualizar os sintomas, porque j� estava feita, desde a Antiguidade Cl�ssica, a primeira anamnese, o primeiro diagn�stico de nossas paix�es e nossos v�cios.
O que n�o h� aqui, nas hist�rias de “Amor cruel, amor vingador” s�o os opostos manique�stas que o leitor se acostumou a encontrar nos notici�rios: do primeiro ao �ltimo relato, ningu�m � completamente bom ou mau.
Compreender as varia��es dos tons de cinza e as motiva��es do her�i ou do vil�o, dos culpados e dos inocentes torna-se, ent�o, um desafio saboroso diante de cada um dos enigmas que a autora apresenta. Na primeira hist�ria do card�pio, “O juramento”, a mais extensa, feita de frases curtas, breves di�logos e revela��es que imprimem f�lego e ritmo r�pido � leitura, a trama avan�a pelas varia��es de car�ter e das motiva��es ocultas nos bastidores de uma investiga��o policial.
ASSASSINATO
H� um crime: o assassinato de uma vi�va endinheirada; e h� Pedroso, o detetive que investiga o caso, confiante no princ�pio de que entre a pobreza e a criminalidade n�o existe rela��o de causa e efeito. Assim como acontece nos cl�ssicos da literatura policial, o investigador carrega seus dramas do passado, enquanto descobre as pistas e os percal�os dos envolvidos. E n�o faltam surpresas. No desfecho, nem tudo o que reluz � ouro, mas ainda restar� a sombra de uma d�vida sobre quem seria o verdadeiro culpado – d�vida que o leitor compartilha e confirma.
Em “Velho com mo�a nova”, a trama tem toques de humor picaresco para contar o caso de Ant�nio, envolvido a contragosto em um enredo de trai��o e morte. O caso come�a com o protagonista a lembrar os conselhos do pai, que soavam como sina anunciada ou confiss�o de culpa: “Nunca pare nem aceite pousada em casa de velho com mulher mo�a”. Na aventura do matuto, desrespeitar o conselho foi como cair no redemoinho – ou como desafiar por acidente o anjo Gabriel com a balan�a do Ju�zo Final.
CARTA
A terceira hist�ria ganha pontos j� a partir do t�tulo: “Inicia��o ao tratado do desespero”. Entra em cena um tri�ngulo amoroso – uma mulher e dois homens, os tr�s jovens universit�rios – com uma voz feminina narrando a trama entre aventuras ing�nuas, algumas refer�ncias de filosofia e o tempo que passou r�pido e dissolveu em definitivo a aproxima��o entre eles. O desfecho tr�gico vem por interm�dio de uma carta de uma desconhecida, revelando uma estranha coincid�ncia e a oportunidade para um pequeno e passageiro desespero.
O tom tr�gico surge novamente com toques involunt�rios de humor em “Ritinha Chiqu� ou A hora do carvoeiro”, com o caso amargo da beata que acaba seduzindo um trabalhador bra�al e, em seguida, mergulha nas �guas turvas e movedi�as da crueldade e da vingan�a. Na �ltima hist�ria, “A morte ao p� da letra”, o desfecho tr�gico � precedido pela calmaria e por promessas de felicidade em 1970, na Sorbonne, mas algo de patol�gico dos males da alma se instala na trama a partir da recria��o de uma figura da mitologia grega, Ant�gona, de S�focles, e retornamos aos rompantes do amor e seus avessos.
Esta nova edi��o de “Amor cruel, amor vingador” vem suprir uma lacuna na extensa obra te�rica, po�tica e ficcional publicada por Maria Jos� de Queiroz, mineira de Belo Horizonte que completou recentemente cinco d�cadas na Academia Mineira de Letras. O livro teve uma primeira publica��o pela Record na d�cada de 1990, mas estava, h� anos, fora de cat�logo e inacess�vel, retornando agora pela Caravana Grupo Editorial.
A prosa sofisticada que volta nesta nova edi��o tem ainda o m�rito de contrariar aquele lugar-comum de que n�o se deve julgar um livro pela capa. O detalhe de “Ghismunda”, pintura do s�culo 17, de Bernardino Mei, que ilustra a nova capa, traduz � perfei��o as tramas do amor cruel e vingador que, nas mais variadas e corriqueiras situa��es, transforma em v�timas os amantes.
*Jos� Ant�nio Orlando � jornalista, doutorando e mestre em letras pela Fale/UFMG

“Amor cruel, amor vingador”
. Maria Jos� de Queiroz
. Caravana Grupo Editorial (122 p�gs.)
. R$ 34,90