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Estado de Minas LITERATURA

Advogado analisa em livro a rela��o de Machado de Assis com o direito

F� do bruxo do Cosme Velho, Miguel Matos lan�a 'C�digo de Machado de Assis', no qual disseca influ�ncias jur�dicas na obra do escritor


29/09/2021 04:00 - atualizado 29/09/2021 07:33

O autor Miguel Matos analisa em seu livro a maneira como Machado de Assis retratou em sua obra advogados e diversos aspectos jurídicos
O autor Miguel Matos analisa em seu livro a maneira como Machado de Assis retratou em sua obra advogados e diversos aspectos jur�dicos (foto: Migalhas Editora/Divulga��o)

 
Um dos grandes mist�rios da literatura brasileira – teria Capitu tra�do ou n�o Bentinho, no romance “Dom Casmurro”? – acaba de receber um veredicto, a partir de uma an�lise pouco comum, feita pelo advogado e jornalista Miguel Matos . Ele � o autor de “ C�digo de Machado de Assis ” (Editora Migalhas), livro em que disseca a obra do Bruxo do Cosme Velho (1839-1908) sob o olhar jur�dico .

"Na minha opini�o, Machado sonhava em fazer direito. Ele era um admirador dos acad�micos. E n�o s� pelo curso de direito , que � a disciplina da conviv�ncia humana (objeto central de sua obra), como tamb�m pelo ambiente acad�mico", observa Matos. 
 
"Quando ele critica os advogados, e isso acontece v�rias vezes, me parece que est� demonstrando seu inconformismo com o fato de muitos terem tido (ao contr�rio dele) a oportunidade de estudar e n�o fazerem bom uso desse que era, na �poca, um privil�gio."
 
Matos � criador do site Migalhas, dedicado a assuntos jur�dicos, al�m de amante da prosa machadiana. O livro, portanto, � a convers�o de seus dois interesses. Com um cuidadoso projeto editorial, a obra analisa cronologicamente todos os escritos de Machado, filtrados pelo olhar de um advogado.
 

Quando ele critica os advogados, e isso acontece v�rias vezes, me parece que est� demonstrando seu inconformismo com o fato de muitos terem tido (ao contr�rio dele) a oportunidade de estudar e n�o fazerem bom uso desse que era, na �poca, um privil�gio"

Miguel Matos, advogado e escritor


 
N�o se trata do primeiro trabalho de Matos no g�nero – publicou outro livro em 2008 –, assim como o assunto j� foi esmiu�ado por outros autores (como Nilo Batista, em “Machado de Assis, criminalista”, de 2018). "O estilo de Machado, sem paralelo na nossa literatura, tem familiaridade com o direito porque o escritor mergulha na problem�tica humana, farejando os comportamentos sociais. E o que isso tem a ver com o direito? � que as normas jur�dicas tratam exatamente disso, das rela��es e comportamentos humanos", comenta Matos.

CONDUTAS "Quando uma lei diz que a pena � maior ou menor dependendo de quem � a v�tima, de sua idade ou de como o crime foi praticado, o que se est� fazendo � moldando as leis diante das condutas. E, para isso, � preciso fazer uma an�lise comportamental, coisa que Machado fazia com extrema habi- lidade. � certo que ele n�o investigava o ser humano para aplicar regras de direito. Ele o investigava para nos mostrar como, na verdade, somos."
 
N�o � de se estranhar, portanto, que os romances machadianos estejam repletos de advogados, al�m de ju�zes e outras figuras ligadas � Justi�a. E a grande maioria n�o ganha descri��o elogiosa.
Em “Ressurrei��o” (1872), por exemplo, surge o primeiro personagem jur�dico, Dr. Meneses, um frustrado no amor, pois n�o � correspondido no foro da paix�o. J� em “A m�o e a luva” (1874), os dois protagonistas, Lu�s Alves e Estev�o, transitam no mundo jur�dico. 
 
Na intrincada hist�ria vivida por ambos, Lu�s tem sucesso porque, segundo Matos, se vale exemplarmente de uma das caracter�sticas necess�rias para um bom advogado: a argumenta��o convincente. Machado, inclusive, chega a utilizar termos jur�dicos para nomear cap�tulos  – como "embargos de terceiro", que ser� usado novamente em “Dom Casmurro”, mas de forma mais reveladora, como se ver�.
 
J� o terceiro romance, “Helena” (1876), traz, segundo Matos, o grande nascimento do direito na obra machadiana. "O livro em si � um processo de direito de fam�lia", escreve. "Trata-se de um invent�rio, no qual o Conselheiro Vale reconhece a paternidade de uma filha, Helena."

CL�USULAS “Creio que Machado se valia dos institutos jur�dicos e da terminologia forense como uma alegoria na narrativa”, afirma  Matos. "Como exemplo disso est�o as esdr�xulas cl�usulas testament�rias. Em v�rios textos, ele inclui um testamento que possui uma condi��o curiosa, como em ‘Quincas Borba’, em que o personagem Rubi�o, para abocanhar a heran�a do fil�sofo Quincas Borba, precisa cuidar do cachorro como se gente fosse."
 
A famosa ironia machadiana, ali�s, pontua a maioria de seus textos, que trazem elegantes observa��es. Em “O alienista”, por exemplo, o vereador Galv�o � preso no hosp�cio da Casa Verde pelo m�dico Sim�o Bacamarte e, ao receber uma polpuda heran�a, "corrompeu os ju�zes e emba�ou os outros herdeiros", o que lhe garantiu a liberdade, em not�ria a��o de corrup��o praticada no Judici�rio.
 
Ao longo das observa��es apresentadas em “C�digo de Machado de Assis”, o leitor percebe a predile��o do escritor por maus advogados. "De fato, a grande maioria dos advogados machadianos n�o � exemplo de bons profissionais", diz Matos. 
 
"H� o que ignorou o direito at� a morte e outros que, embora graduados em ci�ncia jur�dica, n�o usavam o diploma para sobreviver. Bentinho � um dos raros casos de caus�dicos que escapam da ferina cr�tica do escritor, sendo que na obra podemos v�-lo at� mesmo estudando processos. E, sim, pode ser que Machado de Assis o tenha feito propositadamente advogado, qualificando assim suas opini�es. Mas se ele o presenteou como um bom advogado, � for�oso notar que o construiu cheio de ci�mes e cismas. Ou seja, salvou-o de um lado, mas o condenou de outro, na dualidade que � sua marca registrada."

D�VIDA Miguel Matos se refere a Bentinho, um dos tr�s principais personagens de “Dom Casmurro” (1899), obra marcada, entre v�rias qualidades, pela d�vida plantada na mente do leitor: teria Capitu tra�do seu marido, Bentinho, com o amigo dele, Escobar? E, desde ent�o, leitores de diversas gera��es se perguntam: o ci�me de Bentinho era mesmo justificado?. Ezequiel era de fato filho de Escobar, fruto de uma aventura extraconjugal de Capitu? A incerteza alimentou debates ao longo de d�cadas, alguns divertidos – como a varia��o de julgamentos que marcou o pensamento da escritora Lygia Fagundes Telles.
 
Segundo ela, depois de sua primeira leitura da obra, o que fez quando cursava direito nos anos 1940, acreditava que Capitu era uma santa, enquanto Bentinho era um neur�tico, hist�rico. A segunda leitura foi na maturidade, em 1967, quando Lygia estava casada com o cr�tico e escritor Paulo Em�lio Sales Gomes. Juntos, preparavam “Capitu”, roteiro filmado por Paulo C�sar Saraceni. Depois de reler o livro, a escritora disse ao marido: "Mudei completamente de ideia: a mulher traiu ele sim, o filho n�o era dele".
 
Nos �ltimos anos, por�m, Lygia confessou sua indecis�o. "Minha �ltima vers�o � esta: n�o sei", afirmou em entrevista, em 2008, entre risos. "Acho que, enfim, suspendi o ju�zo. No come�o, ela era uma santa; depois, um monstro. Agora, na minha velhice, eu n�o sei."

VEREDICTO Ao analisar a trama sob o ponto de vista jur�dico, Miguel Matos n�o apenas dissecou o caso como tamb�m apresentou um veredicto – assim, aten��o: a partir de agora, o texto estar� recheado de spoilers. Matos alega que hoje, pela �tica do direito penal, o caso inexistiria, pois o adult�rio deixou de ser considerado crime. E, sob as leis do direito de fam�lia, bastaria um teste de DNA para saber quem, de fato, � o pai de Ezequiel.
 
Mas, por sorte, a trama se passa na virada do s�culo 19 para o 20, quando a tecnologia quase inexistente da �poca n�o abrandava o mist�rio. E Bentinho, que � o narrador da hist�ria, � um raro exemplo de bom advogado, dentro da obra machadiana. "� claro que Bentinho toma as decis�es, mas Machado de Assis transferiu o caso para o tribunal popular, tanto que, passados mais de 100 anos da publica��o da obra, ainda estamos aqui a julg�-lo."
 
Matos come�a a embasar seu argumento a partir da cena em que Bentinho vai sozinho ao teatro – alegando dor de cabe�a, Capitu ficou em casa. Mas, ao retornar antes do final do espet�culo, ele encontra Escobar dentro de sua casa, � porta do corredor. O amigo justificou ter ido at� l� para tratar do "neg�cio dos embargos".
 
"Ao ouvirmos a narrativa de Escobar, sabemos que, juridicamente falando, n�o valia nada a circunst�ncia nova que ele relatava. O tal incidente era irrelevante", escreve Matos. "Como filho de advogado, ele deveria ter algum entendimento acerca da quest�o."

T�TULO Outro detalhe suspeito, ainda segundo Matos, � o fato de Escobar estar na casa do amigo em um hor�rio impr�prio e, principalmente, em um momento em que ele n�o estaria – fato que apenas Capitu saberia. Finalmente, o argumento decisivo est� no t�tulo dado por Machado ao cap�tulo: “Embargos de terceiro”.
 
Segundo Matos, no direito, embargos de terceiro diz respeito a uma a��o processual na qual um terceiro, que n�o � parte do processo, interfere na rela��o das partes alegando a leg�tima posse ou bem jur�dico discutido nos autos. "Em ‘A m�o e a luva’, Machado usou a mesma terminologia jur�dica, de maneira metaf�rica, para se referir � entrada de um terceiro num casal", escreve. "Dito isso, o veredicto sobre Capitu � inevit�vel: culpada!"


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