
"('O alienista') � muito contempor�neo, porque discute a experi�ncia de fazer pol�tica de sa�de baseada em uma experimenta��o com as pessoas como cobaias. � uma situa��o que envolve o m�dico, o prefeito e demais autoridades"
Jos� Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibli�filos do Brasil
A loucura da gest�o de sa�de dos governantes sobre a pandemia atualizou a obra de Machado de Assis. O conto “O alienista” promove a invers�o de todos os valores de sanidade e loucura. Ao fim, o m�dico Sim�o Bacamarte, instalado na cidadezinha de Itaja�, chega � conclus�o de que est� louco e se interna no hosp�cio.
Para celebrar seus 25 anos, a Confraria dos Bibli�filos do Brasil publica dois contos de Machado sobre o tema t�o presente da loucura que nos ronda, com ilustra��es da artista pl�stica brasiliense Naura Timm: “O alienista” e “O anjo Rafael”. As duas fic��es t�m pref�cios assinados por John Gledson, Maria Elisane, Aluisio Ferreira e Maria Vanesse.
Se “O alienista” explora o tema da loucura institucional, “O anjo Rafael” trata da insanidade individual, em trama extremamente engenhosa. Sob o trauma da suposta trai��o da mulher, o major Tom�s se insula em uma casa, se investe da identidade divina do anjo Rafael e envolve a bela filha Celestina no del�rio.
Tudo muda quando surge o doutor Antero. “Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das mulheres e aborrecido dos credores, o doutor Antero da Silva determinou um dia despedir-se do mundo”, conta Machado. Ele se salva ao se envolver em um enredo de perip�cias mirabolantes.
“O anjo Rafael” mereceria entrar nas melhores antologias de fic��o fant�stica. S� faltou para fechar a tr�ade machadiana da loucura incluir o romance “Quincas Borba”, que tematiza o desvario de um misterioso emplastro capaz, supostamente, de curar qualquer mazela, levando v�rios personagens rumo ao manic�mio. Basta substituir emplastro Br�s Cubas por cloroquina para termos um quadro completo dos desmandos das autoridades charlat�s sobre a sa�de p�blica durante a pandemia que nos assola.
“O alienista” � obra-prima da literatura brasileira e mundial, enquanto “O anjo Rafael” � um conto quase in�dito de Machado. Publicado apenas tr�s vezes, ficou esquecido nas edi��es das obras completas do Bruxo do Cosme Velho.
Para Jos� Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibli�filos, “O alienista” chega em hora muito oportuna da hist�ria brasileira: “'O alienista' mostra um quadro de loucura institucionalizada”, comenta Salles. “Ele tematiza a quest�o do charlatanismo da mesma maneira que 'Quincas Borba'. Machado critica e zomba do emplastro Br�s Cubas, o nosso cloroquinismo atual.”
MANIC�MIO

"'O alienista' mostra um quadro de loucura institucionalizada (%u2026) Ele tematiza a quest�o do charlatanismo da mesma maneira que 'Quincas Borba'. Machado critica e zomba do emplastro Br�s Cubas, o nosso cloroquinismo atual"
Jos� Salles Neto, presidente da Confraria dos Bibli�filos do Brasil
A atualidade de “O alienista” decorre do fato de que, no Brasil da pandemia, temos loucos cuidando da sa�de p�blica. “� muito contempor�neo, porque discute a experi�ncia de fazer pol�tica de sa�de baseada em uma experimenta��o com as pessoas como cobaias. � uma situa��o que envolve o m�dico, o prefeito e demais autoridades, que misturam sa�de com interesses pol�ticos. O protagonista prende todos e acaba trancafiando a si mesmo no manic�mio”, diz o presidente da Confraria dos Bibli�filos.
Machado de Assis foi acusado, durante muito tempo, de ser autor alienado, insens�vel aos grandes temas da sociedade brasileira. No entanto, para Jos� Salles Neto, “O alienista” � a prova mais cabal da sensibilidade social e da perspic�cia do escritor para captar os problemas do pa�s na fic��o.
“Isso mostra a agudeza da percep��o cr�tica de Machado”, sublinha. “Se voc� pega as cr�nicas dele, a vis�o cr�tica sobre os problemas sociais brasileiros est� presente o tempo todo. Se ele estivesse vivo, teria escrito mais uns 10 livros de cr�nicas nada alienadas, embora ele seja sutil e ir�nico.”
Esse � o segundo livro sobre a obra de Machado que a Confraria publica. O primeiro foi uma colet�nea de contos, com apresenta��o de Silviano Santiago e ilustra��es de Antonio Henrique Amaral. Sempre que a entidade promove elei��es para indicar livros a serem publicados, o nome de Machado figura no topo da lista. Desta vez, Salles n�o queria repetir uma antologia de contos. “Optei pelo tema da loucura. N�o queria fazer s� 'O alienista', ent�o encontrei 'O anjo Rafael' em uma tese sobre a loucura de Machado, elaborada pela professora Maria Elisane. � um conto estranh�ssimo e muito bom, s� publicado tr�s vezes.”
PUBLICA��ES
A Confraria dos Bibli�filos do Brasil foi criada em Bras�lia por Jos� Sales Neto, em 1996. A institui��o do g�nero mais famoso do Brasil, a Sociedade dos 100 Bibli�filos, fundada no Rio de Janeiro, existiu de 1949 a 1964 e publicou 25 livros. Em 25 anos, a confraria brasiliense publicou 65 obras de autores do pa�s ilustradas por grandes artistas gr�ficos. � a mais importante editora de livros artesanais do Brasil.
“Que eu tenha conhecimento, a nossa confraria � a �nica editora que publica livros artesanais com regularidade atualmente no mundo”, comenta Salles.
A ilustradora Naura Timm criou figuras abstratas para representar personagens, cenas e situa��es do livro com uma linguagem que envereda pela senda do fant�stico.
Com criaturas informes que parecem fios de arame retorcidos, ela ilustra trechos da narrativa com personagens masculinas e femininas, em alta voltagem dram�tica. � poss�vel perceber a sintonia fina das figuras e da trama de “O alienista” e de “O anjo Rafael”.
“Fico feliz quando o texto n�o � de um realismo tradicional, pois isso permite interpreta��o mais livre do ilustrador”, afirma Salles. “Foi uma experi�ncia apaixonante, tudo ocorreu na base do sentir”, comenta Naura. “� um livro maravilhoso, que desafia o artista”, conclui a ilustradora.
“O ALIENISTA” E “O ANJO rafael”

De Machado de Assis
Ilustra��es: Naura Timm
Confraria dos Bibli�filos do Brasil
92 p�ginas
E-mail: [email protected]