Personagens de "Infiel" surgiram em 2009, quando os EUA se autoelogiavam por eleger o negro Barack Obama, mas a islamofobia se disseminava
Pipoca & Nanquim/reprodu��o
Como representar a xenofobia e o racismo? Em “Infiel”, HQ lan�ada pela editora Pipoca & Nanquim no Brasil, esses preconceitos encaram corpos fl�cidos e disformes com garras, dentes e palavras que dilaceram. O odor � de carne estragada j� acinzentada, que atrai todo tipo de insetos e larvas.
Pornsak Pichetshote e Aaron Campbell, dois nomes de relevo do quadrinho americano, se juntaram para reimaginar o terror de casa assombrada em uma vers�o contempor�nea do g�nero cl�ssico.
A HQ conta a hist�ria de Aisha, jovem americana mu�ulmana de origem paquistanesa. Ap�s o pr�dio em que sua sogra, que � branca, sofrer um ataque terrorista, ela se muda para l� com o marido e a filha. Com o tempo, Aisha e seu grupo de amigos de diferentes etnias descobrem que o edif�cio est� assombrado por entidades que se alimentam de xenofobia – abundante por l�.
O quadrinho n�o � a �nica obra que revisita o g�nero. “A maldi��o da Resid�ncia Hill”, s�rie de Mike Flanagan inspirada em livro de Shirley Jackson lan�ado em 1959, � um exemplo de hist�ria de casa assombrada que ganhou bastante popularidade nos �ltimos anos.
O diferencial de “Infiel”, al�m da arte aterrorizante de Campbell, est� em discutir um tema urgente, sobretudo nos Estados Unidos.
“Foi uma maneira de usar o terror e os quadrinhos para participar da conversa sobre ra�a que, em 2018, eu sentia que n�o estava ocorrendo de verdade”, diz Pichetshote. Ele come�ou a carreira como editor da Vertigo, selo de gibis adultos, e hoje escreve para a TV e para as HQs, al�m de fazer parte da produ��o de filmes da DC.
''Fui criado sob a falha do sonho americano. Experimentei em primeira m�o como ele n�o funciona para todo mundo''
Pornsak Pichetshote, quadrinista
Absurdo, realista e grotesco
Aaron Campbell se juntou depois ao projeto e deu forma �s ideias de Pichetshote. O ilustrador abusa do preto em p�ginas inteiras para detalhar os monstros, tra�o que fica entre o absurdo e o realista, � moda do japon�s Junji Ito. A paleta do colorista Jos� Villarrubia refina o grotesco ao adicionar camadas vermelhas de podrid�o.
“Muitas vezes, (a ideia) parte de pegar duas coisas que colidem e geram alguma fric��o que me faz pensar: 'ei, aqui tem uma hist�ria que n�o foi contada antes'”, diz Pichetshote sobre seu processo criativo. “Acho interessante abordar coisas que n�o estamos discutindo.”
Ao buscar trazer novos assuntos para a pauta, o escritor conta que busca garantir que isso se d� de forma mais informativa, respons�vel e emp�tica poss�vel. Para isso, Pichetshote gosta de mergulhar na pesquisa antes de escrever hist�rias em quadrinho.
Personagens de 'Infiel' vivem sob o p�nico e o terror
Pipoca & Nanquim/reprodu��o
A op��o pela tem�tica de “Infiel” remete � vida do autor, filho de imigrantes. Os pais do quadrinista foram da Tail�ndia para os Estados Unidos antes de ele nascer, em busca de melhores oportunidades.
Quando o autor tinha 12 anos, eles voltaram para a Tail�ndia, convencidos de que, a partir dos acessos que tiveram nos EUA, poderiam ter uma vida melhor l�, o que se mostrou verdadeiro. “Fui criado sob a falha do sonho americano. Experimentei em primeira m�o como ele n�o funciona para todo mundo”, diz.
Pornsak conta que a ideia do quadrinho surgiu ainda em 2009, quando Barack Obama foi eleito pela primeira vez. Ele via o pa�s se parabenizando por ter lidado com o racismo e, ao mesmo tempo, a islamofobia se mostrava crescente, sem que ningu�m enxergasse a incoer�ncia entre essas duas coisas.
Ao longo da d�cada seguinte – que caminhava para a primeira elei��o de Donald Trump em 2017, um ano antes da publica��o original do quadrinho –, o escritor observou avan�os no debate sobre racismo e quis fazer parte desta discuss�o por meio de sua obra.
Pichetshote v� os quadrinhos como uma forma de deflagrar discuss�es. Acredita que o terror tem uma capacidade especial para isso. “� preciso tomar cuidado para que n�o vire algo explorat�rio, mas o pr�prio objetivo do terror � incomodar”, explica.
“Podemos falar sobre quest�es sociais que n�o nos deixam confort�veis no terror, se for feito corretamente, porque o g�nero nos d� permiss�o para perturbar”, conclui.
Capa da HQ Infiel traz mulher mu�ulmana usando v�u e m�o negra de monstro sobre a cabe�a dela
Reprodu��o
"INFIEL"
. De Pornsak Pichetshote, Jos� Villarrubia e Aaron Campbell
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