Em "Enrolados", membro de um bando de ladr�es usa gancho de metal no lugar da m�o para denotar vilania
Disney/reprodu��o
Anima��es da Disney ainda recorrem a estere�tipos para retratar pessoas com defici�ncia. Uma pesquisa americana mostra que a maioria dos desenhos produzidos no per�odo de 2008 a 2018 representou o grupo em contextos envolvendo pena, maldade e piada.
As soci�logas Jeanne Holcomb, da Universidade de Dayton, em Ohio, e Kenzie Latham-Mintus, da Universidade de Indiana, ambas nos Estados Unidos, analisaram 20 filmes da empresa. A pesquisa foi publicada em agosto do ano passado no peri�dico internacional Disability Studies Quarterly, pioneiro em pesquisas multidisciplinares sobre defici�ncia.
A partir de tra�os vis�veis, como uso de cadeiras de rodas, ou reconhec�veis nos di�logos, como dificuldade em guardar mem�rias recentes, as pesquisadoras identificaram personagens com defici�ncia nas anima��es. Depois, classificaram suas representa��es em cinco categorias: contexto de maldade ou velhice, pena, supera��o, piada e positivo.
Todos os 20 filmes apresentaram algum personagem com defici�ncia. A representa��o mais recorrente, com 12 apari��es, utilizava sinais de alguma defici�ncia como indicador de maldade ou velhice. Em "Toy Story 3", que estreou em 2010, o vil�o Lotso passa a usar uma bengala ap�s se tornar malvado.
Outro exemplo aparece no filme "Enrolados", de 2010. Membro de um bando de ladr�es, um personagem secund�rio usa gancho de metal no lugar da m�o para denotar vilania.
Em "Toy Story 3", o vil�o Lotso passa a usar bengala ap�s se tornar malvado
Pixar/divulga��o
Todos t�m pena de Dory
As pesquisadoras encontraram 11 exemplos de personagens com defici�ncia retratados em situa��es ligadas a sentimentos de pena e supera��o. Na anima��o "Procurando Dory", lan�ada em 2016, quando a protagonista repete falas sem perceber – ela tem perda de mem�ria de curto prazo –, outros peixes lamentam entre si a "horr�vel" condi��o de Dory.
Outras nove anima��es apresentam diversidade intelectual e f�sica como se fossem c�micas. Geraldo, um dos le�es-marinhos de "Procurando Dory", tem apar�ncia descuidada, com olhos arregalados sem foco e sobrancelhas grossas. Ele anda e ri de um jeito diferente dos outros personagens, que o tratam com desd�m.
"� f�cil dizer que 'foi s� uma piada', quando se esquece dos padr�es mais amplos de desigualdade", diz Holcomb ao se referir � discrimina��o de pessoas com defici�ncia, em entrevista por e-mail.
A pesquisadora afirma que estere�tipos negativos usados nos filmes se entranharam tanto na cultura que � dif�cil perceb�-los. Por isso, estudos para entender como diferentes minorias s�o representadas em anima��es importam, em especial por terem crian�as como p�blico.
"A m�dia infantil tem o potencial de moldar positivamente as percep��es e atitudes das crian�as sobre pessoas com defici�ncia", afirma a soci�loga americana.
Apenas tr�s personagens das 20 anima��es foram representadas de forma positiva, como o rei Fergus, em "Valente", lan�ado em 2012. Ele � retratado como poderoso e independente, e o fato de n�o ter uma perna � apenas uma caracter�stica.
Apesar de de errar muito, Disney acerta com o Rei Fergus, de 'Valente', que perdeu a perna e n�o se envergonha disso
Disney/divulga��o
Defici�ncia associada a anomalia e fei�ra
Ana Clara Moniz, de 22 anos, influencer com atrofia muscular espinhal, se incomoda quando defici�ncias s�o usadas para retratar vil�es. "A falta de bra�os e pernas � vista como anomalia ou atributo que deixa pessoas feias, o que justificaria torn�-las vil�s. Por isso, � muito f�cil que crian�as associem defici�ncia a algo negativo."
Hist�rias de supera��o tamb�m s�o problem�ticas, afirma Moniz, e respingam no cotidiano. Ela conta que j� recebeu parab�ns apenas por tomar cerveja em um bar – o que n�o acontece com algu�m sem defici�ncia.
"Representa��es sem estere�tipos mostram que n�o � errado que eu exista", diz a influencer. "Se eu tivesse visto anima��es da Disney com algum cadeirante quando era crian�a, as coisas poderiam ter sido menos dif�ceis para mim. N�o resolveria todos os problemas, mas ajudaria no processo de autoaceita��o."
Para S�nia Caldas Pessoa, coordenadora do grupo Afetos: Pesquisa em Comunica��o, Acessibilidade e Vulnerabilidades, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalhar com pessoas com defici�ncia na concep��o de anima��es deve fazer parte da governan�a dos est�dios.
S� assim, diz S�nia, s�o poss�veis propostas efetivas que respeitem peculiaridades humanas, sem supervalorizar ou subvalorizar a defici�ncia. "N�o d� para falar de inclus�o apenas para garantir um selo de diversidade.
Ideias pejorativas sobre defici�ncia espelham o preconceito estrutural da sociedade, afirma a pesquisadora brasileira. "O capacitismo e seu imagin�rio perduram por anos e at� hoje ele precisa ser reconfigurado e contestado", diz, em men��o ao termo utilizado para descrever comportamentos que refor�am estigmas sobre pessoas com defici�ncia.
� f�cil dizer que 'foi s� uma piada', quando se esquece dos padr�es mais amplos de desigualdade
Jeanne Holcomb, soci�loga
Avan�os
Os avan�os em diversidade da Disney s�o vistos em produ��es como o live-action "A pequena sereia", cujo papel da protagonista foi desempenhado pela atriz negra Halle Bailey, previsto para ser lan�ado neste ano.
O est�dio tamb�m estreou em 2021 a anima��o "Luca", que representa com naturalidade Massimo Marcovaldo, um personagem secund�rio que n�o tem um bra�o. O filme ficou fora do per�odo de an�lise de Holcomb e Latham-Mintus.
O desenho retrata visualmente a defici�ncia do personagem – uma das mangas da camiseta dobrada e vazia – e contextualiza a caracter�stica em di�logos. Massimo brinca sobre um monstro marinho ter comido seu bra�o, mas depois explica que nasceu assim.
Um dos respons�veis por desenvolver o personagem foi James LeBrecht, cineasta com defici�ncia que dirigiu o document�rio indicado ao Oscar de 2020 "Crip camp: Revolu��o pela inclus�o".
Questionada sobre quais atitudes v�m tomando para retratar pessoas com defici�ncia em anima��es de forma equilibrada, a Disney afirmou que n�o iria se manifestar.
Outros est�dios repetem padr�es
Anima��es de outros est�dios tamb�m derrapam nesse tipo de representa��o. Usando os crit�rios das soci�logas americanas (estere�tipos de pena, piada, maldade e supera��o), a reportagem analisou as anima��es lan�adas do in�cio de 2021 at� outubro de 2022 pelos est�dios Dreamworks e Illumination.
Das cinco anima��es analisadas, quatro tinham personagens com algum tipo de defici�ncia – a exce��o foi "Spirit: O Indom�vel", da Dreamworks.
O �nico momento em que pessoas com defici�ncia aparecem em "Os caras malvados", tamb�m da Dreamworks, � na frente de um hospital, em contexto de pena. Na cena, figurantes com cadeiras de rodas esperam uma doa��o em dinheiro.
J� em "O poderoso chefinho 2: Neg�cios da fam�lia", do mesmo est�dio, o mago, que � um brinquedo falante, perdeu um dos bra�os. Depois do epis�dio, ele cai da cama e diz, de forma c�mica, "ai, meu bra�o bom". No final da anima��o, o mago recebe um novo membro superior, agora mais musculoso, dando a entender que superou a defici�ncia.
A Senhorita Crawly, de "Sing 2", lan�ado pela Illumination, � uma iguana idosa sem um olho, que teve a defici�ncia usada como piada. Ao perder o olho posti�o em uma cena, a personagem coloca uma ma�� no vazio do globo ocular.
Vil�o usa garra no lugar do bra�o
No lan�amento mais recente do est�dio, "Minions 2: A origem de Gru", h� tanto representa��o de defici�ncia como indicador de maldade quanto motivo de piada. Jean-Garra, um dos vil�es da trama, tem uma garra mec�nica no lugar do bra�o, caracter�stica acionada para refor�ar a vilania do personagem.
A reportagem procurou, no Brasil, a assessoria de imprensa da Universal Studios, dona da Illumination e Dreamworks, que afirmou responder apenas pela exibi��o em cinema, n�o pelo conte�do das produ��es. A assessoria tamb�m afirmou n�o mediar o contato com a equipe americana. Os representantes do est�dio nos Estados Unidos n�o responderam ao pedido de entrevista.
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