Cartas de Andr� Rebou�as jogam luz sobre a vida do engenheiro abolicionista
Correspond�ncia contradiz a tese de que o engenheiro negro abra�ou a causa abolicionista s� depois de enfrentar o racismo nos EUA e destaca sua jornada africana
Andr� Rebou�as se descrevia como "africano" e "Negro Andr�", o que contraria teses de que ele s� assumiu sua negritude ap�s sofrer racismo nos EUA
Reprodu��o
Em 13 de maio, a princesa Isabel (1846-1921) assinou a Lei �urea e fez do Brasil o �ltimo pa�s do Ocidente a abolir a escravid�o. Havia muita press�o – interna e externa – para que o dispositivo legal fosse efetivado.
Entre as na��es estrangeiras, o Reino Unido foi a que mais pressionou o Brasil a acabar com a escravatura. Internamente, as vozes mais incisivas contra o tr�fico humano vieram dos abolicionistas, com destaque para Andr� Rebou�as (1838-1898).
Nascido na atual cidade de Cachoeira (BA), o engenheiro negro foi fundamental para a implanta��o de infraestrutura moderna no pa�s, a vit�ria do Brasil na Guerra do Paraguai (1864-1870) e, principalmente, para a consolida��o da aboli��o.
Melancolia, autoex�lio e morte
Por�m, passados 10 anos da Lei �urea, Rebou�as encontrava-se em uma pequena casa em Funchal, cidade da Ilha da Madeira, em Portugal, extremamente decepcionado com os rumos que o Brasil tomou. Tal melancolia o levou � morte, considerada por muitos historiadores como suic�dio.
“Ele pensava que a aboli��o tinha de ser complementada com alguma medida de democratiza��o fundi�ria e viu a Rep�blica como a��o dos escravistas derrotados”, afirma a historiadora Hebe Mattos, professora titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Historiadora Hebe Mattos destaca que a jornada africana de Rebou�as foi minimizada por bi�grafos
Acervo pessoal
'Ele pensava que a aboli��o tinha de ser complementada com alguma medida de democratiza��o fundi�ria e viu a Rep�blica como a��o dos escravistas derrotados'
Hebe Mattos, historiadora
H� mais uma d�cada, Hebe estuda a vida do abolicionista baiano. Analisou di�rios, artigos e correspond�ncias de Rebou�as com diferentes personagens da hist�ria brasileira, como Visconde de Taunay (1843-1899), Joaquim Nabuco (1849-1910) e o pr�prio imperador D. Pedro II (1825-1891).
Desse trabalho de pesquisa nasceu o livro “Cartas da �frica – Registro de correspond�ncia 1891-1893” (Ch�o Editora).
Ao longo de 464 p�ginas, o leitor encontra cartas que Rebou�as escreveu durante seu autoex�lio em diferentes pa�ses da �frica, per�odo pouco explorado por historiadores. Em quase dois anos, ele morou em Luanda, Mo�ambique e Transvaal, regi�o que hoje pertence � �frica do Sul.
Para compreender o degredo volunt�rio de Rebou�as, � preciso voltar um pouco na hist�ria. Filho de negra forra com um advogado autodidata que se tornou conselheiro de D. Pedro I (1798-1834), Andr� cresceu em ambiente privilegiado em rela��o a companheiros abolicionistas como Lu�s Gama (1830-1882).
Junto do irm�o Ant�nio, Andr� ingressou na Escola Militar e se graduou em engenharia. Em 1863, devido ao prest�gio de sua fam�lia e ao talento como engenheiro, foi encarregado pelo pr�prio D. Pedro II de supervisionar todas as fortalezas do Brasil. Durante essa expedi��o, ele conheceu e se identificou com o Sul do pa�s, para onde retornou e desenvolveu o projeto da Estrada de Ferro Curitiba-Paranagu�, at� hoje considerada prod�gio da engenharia.
Torpedo criado no front
Quando estourou a Guerra do Paraguai, em outubro de 1864, Rebou�as se alistou como Volunt�rio da P�tria. Lutou em importantes conflitos, como o Cerco de Uruguaiana, onde conheceu pessoalmente o Conde d'Eu (1842-1922), marido da princesa Isabel, e a Batalha do Tuiuti, a mais sangrenta de todas.
No front da Guerra do Paraguai, o engenheiro desenvolveu um tipo de torpedo que foi muito �til para a vit�ria da Tr�plice Alian�a, composta por Brasil, Argentina e Uruguai.
Com o final do conflito, ele se filiou ao movimento abolicionista, integrando a Sociedade Brasileira Contra a Escravid�o e a Confedera��o Abolicionista, al�m de criar os estatutos da Associa��o Central de Emancipa��o dos Escravos.
Nessa �poca, viajou para os Estados Unidos a fim de conhecer a cultura norte-americana. Foi alvo de racismo, sobretudo no Sul do pa�s. Aqueles epis�dios fizeram Rebou�as se dedicar com maior afinco � causa abolicionista no Brasil.
Assinada a Lei �urea, veio o golpe militar que implantou a Rep�blica e a fam�lia real foi mandada para o ex�lio. Em solidariedade ao imperador, Rebou�as decidiu deixar o Brasil. Partiu para Lisboa na mesma embarca��o onde viajou Dom Pedro II.
Andr� Rebou�as em Paris
Instituto Moreira Salles/reprodu��o
Da capital portuguesa, o engenheiro seguiu para Cannes, na Fran�a, at� chegar a Luanda, em Angola, e iniciar sua jornada na �frica.
“Em todas as biografias dele, a viagem � �frica � tratada somente em um livro, e, mesmo assim, de maneira muito r�pida, deixando a entender que foi um per�odo de depress�o pelo qual Rebou�as passou”, lembra Hebe.
No livro da historiadora, h� correspond�ncias do abolicionista com D. Pedro II e com o colega Joaquim Nabuco. Nas cartas, Rebou�as refere a si mesmo como “africano” e “Negro Andr�”.
Esses termos saltaram aos olhos de Hebe e despertaram a curiosidade dela a respeito do que Rebou�as escreveu enquanto vivia nos pa�ses africanos.
Alvo de racistas
O trabalho da historiadora come�ou em 2007, quando ela teve acesso �s primeiras cartas. A ideia inicial era fazer uma pesquisa para derrubar a imagem equivocada que se criou – “mesmo entre a elite intelectual”, conforme destaca – de que Andr� Rebou�as era um liberal que s� passou a se preocupar com quest�es raciais depois de sofrer segrega��o nos Estados Unidos.
“Ele era, de fato, liberal e monarquista, mas j� tinha preocupa��o com as quest�es raciais desde muito antes”, garante Hebe Mattos.
“Aqui no Brasil, o tempo todo a quest�o racial era usada contra ele, mesmo sendo um homem muito importante. Seus concorrentes, a todo momento, usavam linguagens racistas e xingamentos, seguindo a mesma linha para deix�-lo preterido”, continua.
Hebe achou melhor organizar os textos do abolicionista para public�-los �ntegra, em vez de fazer um livro analisando aquela correspond�ncia.
“Quanto mais eu lia, mais me apaixonava pelo personagem e pela hist�ria, at� perceber que as pessoas, em geral, tamb�m mereciam ler aquilo”, conta a autora, ao explicar o motivo de abandonar a pesquisa para se dedicar � publica��o dos textos na �ntegra.
O livro de Hebe Mattos permite ao leitor conhecer, por meio da correspond�ncia, a personalidade e as ideias de Andr� Rebou�as.
'Se toda esta gente tivesse consci�ncia, n�o se animaria nem a levantar os olhos para o c�u, com modo de acordar a justi�a divina e de receber num raio fulminador o merecido castigo de suas mentiras'
Andr� Rebou�as, sobre os republicanos
Em carta ao ent�o diretor do Jornal do Commercio, Jos� Carlos Rodrigues, Rebou�as afirmou: “N�o posso compreender como um homem se escravize espontaneamente a trabalhar at� as onze da noite, em raias de perder os olhos… para dar 20% ou 30% da renda a… milion�rios que n�o sabem que fazer da riqueza!!”.
Rep�blica de revanchistas
Rebou�as n�o acreditava que os republicanos eram movidos por ideologia, mas pelo revanchismo em decorr�ncia da Lei �urea. Escreveu a Ant�nio Ernesto Rangel da Costa: “Ah! Meu bom amigo! Se toda esta gente tivesse consci�ncia, n�o se animaria nem a levantar os olhos para o c�u, com modo de acordar a justi�a divina e de receber num raio fulminador o merecido castigo de suas mentiras e de suas inf�mias. Tudo pelo maldito dinheiro; para ganharem milhares de contos”.
As palavras, o pensamento e a hist�ria do engenheiro abolicionista cativaram tanto a historiadora Hebe Mattos que ela pretende lan�ar uma biografia dele. Contudo, garante que ter� o cuidado de n�o deixar nenhuma lacuna ou margem para interpreta��es equivocadas a respeito de Andr� Rebou�as.
Capa do livro Cartas da �frica %u2013 Registro de correspond�ncia 1891-1893
Ch�o Editora/reprodu��o
“CARTAS DA �FRICA – REGISTRO DE CORRESPOND�NCIA 1891-1893”
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