Vestido de preto e usando óculos, Vladimir Safatle lê partitura e toca piano

Vladimir Safatle vem a BH participar de debate sobre experi�ncia est�tica e emancipa��o social

Alexandre Nunis/Divulga��o

O fil�sofo, m�sico e professor da Universidade de S�o Paulo (USP) Vladimir Safatle est� no centro de um programa que o Conservat�rio  UFMG abriga nesta sexta-feira (3/3). Ele vem a Belo Horizonte para lan�ar seu mais recente livro, “Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social”, que enseja um debate do qual participam os tamb�m fil�sofos Ricardo Nachmanowicz e Rodrigo Duarte.

Com o tema “Formas de pensar a rela��o entre arte e pol�tica”, estritamente vinculado ao conte�do do livro, o debate ser� sucedido por um concerto em que Safatle, ao piano, acompanhado pela cantora Fabiana Lian, apresenta os temas registrados em seu primeiro �lbum, “M�sicas de superf�cie”, lan�ado em 2019.

Primeiro volume de uma trilogia em que o autor investiga as rela��es entre os t�picos expressos no t�tulo, “Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social” focaliza a m�sica dos s�culos 18 e 19 para discutir a articula��o profunda entre o que est� em jogo na produ��o art�stica e as expectativas de emancipa��o social.

Modelo de emancipa��o

Safatle aponta que dois fatores o moveram no sentido de analisar a rela��o entre arte e pol�tica. O primeiro, ele diz, � o fato de acreditar que o ser humano aprende a ser livre a partir do contato com obras de arte. “Falar sobre liberdade n�o implica falarmos sobre defini��o, mas sim sobre um conflito. A experi�ncia est�tica pode fornecer um modelo de emancipa��o que ainda tem uma for�a grande e que n�o foi explorado”, diz.

A segunda motiva��o, segundo o autor, � o entendimento de que sociedades que se permitem pensar formas e experi�ncias hist�ricas que n�o aquelas inseridas no presente t�m que se voltar para a pr�xis do sentido est�tico.

O livro foi produzido em 2021, �poca em que o professor foi convidado a integrar um programa, conduzido pelo governo franc�s, de acolhimento a pesquisadores em perigo. O contexto era o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, caracterizado por perseguir professores e intelectuais.

Outra via

“Pode parecer escapista que, no meio do governo Bolsonaro, eu estivesse escrevendo sobre m�sica no s�culo 19, mas � uma maneira de tentar resolver um problema por outro lado, pegando outra via”, destaca. Ele observa que o questionamento que essa outra via busca responder �: em que condi��es, para uma sociedade, chega um momento em que se torna dif�cil projetar futuros diferentes, articular outros circuitos de afetos e formas poss�veis?

“Parecia-me que, j� h� um tempo, o Brasil tinha entrado nessa situa��o. Nos nossos piores problemas, est�vamos sob os signos da melancolia”, diz. Em “Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social”, ele defende a ideia de que o processo de consolida��o da autonomia est�tica se relaciona com a produ��o musical do per�odo rom�ntico, que inaugurou a modernidade nas artes.

“Normalmente, quando se fala em autonomia no campo das artes, o comum � se pensar que ela come�a com um debate liter�rio, com o absoluto liter�rio do s�culo 19. Eu quis mostrar que havia um erro fundamental, porque a autonomia come�a no debate musical um s�culo antes”, ressalta.

Pode parecer escapista que, no meio do governo Bolsonaro, eu estivesse escrevendo sobre m�sica no s�culo 19, mas � uma maneira de tentar resolver um problema por outro lado, pegando outra via

Vladimir Safatle, fil�sofo e m�sico


Influ�ncia da m�sica

O fil�sofo salienta que a m�sica foi a primeira arte a se autonomizar, e assim influenciou as demais formas de express�o art�stica. A m�sica teria dado para as outras artes os horizontes de seus processos de desenvolvimento, segundo ele.

“A gente volta atr�s e pergunta como se deu essa quest�o da autonomia. Quando se fala em autonomia, a gente pensa em autolegisla��o, pensa em quando as obras de arte entraram num processo de auto-refer�ncia, e eu insisto que existe um erro nessa interpreta��o”, destaca. Ele afirma que, na m�sica, a autonomia se d� a partir da disson�ncia.

“Ela � o elemento motor, porque voc� integra algo que � uma disparidade, que n�o poderia estar ali presente, e a� penso que a autonomia aparece como forma de fazer operar o que � radicalmente outro, de integrar o que � radicalmente outro. Isso � o que abre caminho para se pensar a autonomia. Essa � a aposta do livro”, diz.

Inspira��o no poema

Safatle conta que a Aut�ntica Editora sugeriu, a princ�pio, que o t�tulo, “Em um com o impulso”, fosse mudado, porque soava estranho, parecia n�o dizer nada. Ele, no entanto, explica que quis manter, por se tratar de um verso de um poema de Sylvia Plath, “Ariel”, que se relaciona precisamente com o conte�do da obra.

“� um poema que fala sobre situa��es-limite e fala sobre conseguir ser um com um impulso, com aquilo que parece que n�o controlamos, mas que � elemento fundamental para a capacidade de nos transformar. Isso � parte do livro, no sentido mais forte da cria��o”, destaca.

O poema, inclusive, conforme ele diz, � o que evoca a imagem que abre “Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social” – a reprodu��o estilizada de um quadro do pintor ingl�s William Turner, do s�culo 19.

Interior da tempestade

“Lembro, no livro, essa hist�ria, que � muito significativa. Turner estava em um navio durante uma tempestade, e pediu que o amarrassem ao mastro, para que pudesse ver a tempestade de dentro. O livro come�a com essa imagem que ele pintou, que me parece uma met�fora interessante do que seria a cria��o art�stica, voc� pintar a tempestade de seu interior.”

O livro que Safatle lan�a amanh� no Conservat�rio UFMG possui tr�s blocos principais – “Autonomia”, “Sublime” e “Express�o” –, divididos em sete cap�tulos. Neste t�tulo inaugural da trilogia sobre experi�ncia est�tica e emancipa��o social, o autor tra�a um panorama da produ��o art�stica a partir de meados do s�culo 18, analisando as influ�ncias dos movimentos que participaram na constru��o do pensamento da sociedade moderna.

As duas outras obras que v�o completar a trilogia avan�am no tempo esmiu�ando essa mesma rela��o. “Como todo professor de filosofia, tenho a tend�ncia de come�ar pelo come�o, ir desenvolvendo uma ideia passo a passo, a partir daquilo que entendo como marco inicial. Tento entender o que a no��o de autonomia implica, e como difere do que � corrente a respeito”, ressalta.

Como todo professor de filosofia, tenho a tend�ncia de come�ar pelo come�o, ir desenvolvendo uma ideia passo a passo, a partir daquilo que entendo como marco inicial. Tento entender o que a no��o de autonomia implica, e como difere do que � corrente a respeito

Vladimir Safatle, fil�sofo e m�sico


Constru��o est�tica

Ele adianta que, no segundo volume, pretende discutir o s�culo 20, tendo como baliza a capacidade de se construir esteticamente um povo. “Temos no Brasil um exemplo fundamental, porque houve a tentativa n�o apenas de se modernizar o pa�s, mas de se criar esteticamente um povo moderno. Isso distingue o Brasil de todos os outros pa�ses. O �nico caso parecido � o da Uni�o Sovi�tica, nos primeiros anos da revolu��o socialista”, aponta.

No t�tulo que vai fechar a trilogia, ele pretende se dedicar � experi�ncia contempor�nea, �s tens�es e potencialidades da arte contempor�nea em di�logo com a ideia de emancipa��o pol�tica e social.

Sobre seus interlocutores no debate desta sexta, Safatle destaca que transitam justamente nessa seara que “Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social” explora. Professor titular do departamento de Filosofia da Fafich (UFMG), Rodrigo Duarte � graduado e mestre em filosofia pela mesma universidade.

Experi�ncia dos debatedores

Ele cursou doutorado em Filosofia na Universit�t Gesamthochschule Kassel, na Alemanha, e fez est�gios de p�s-doutoramento na Universidade de Berkeley (EUA), na Bauhaus de Weimar e na Hochschule Mannheim, ambas na Alemanha. Atua nas �reas de �tica, est�tica e filosofia social, pesquisando temas como a Escola de Frankfurt, o pensamento de Theodor Adorno, autonomia da arte, arte contempor�nea e arte de massa.

Ricardo Nachmanowicz � graduado em filosofia pela UFMG, fez mestrado em m�sica pela mesma universidade e em filosofia pela UFOP, e doutorado em filosofia pela UFMG. A �nfase de seus estudos � em fenomenologia, atuando principalmente nos seguintes temas: fenomenologia, epistemologia, est�tica, pragmatismo, filosofia da percep��o e antropologia filos�fica.

“Com Rodrigo, tenho uma interlocu��o que vem de d�cadas. Ele � um dos grandes nomes do pensamento filos�fico sobre arte no Brasil e tem um trabalho importante de forma��o de v�rios pensadores. J� Ricardo tem desenvolvido estudos e pesquisas de muito relevo nesses �ltimos tempos, al�m de coordenar uma importante revista de est�tica e filosofia. � uma felicidade contar com os dois nesse debate”, diz Safatle.

Piano e voz

Sobre o concerto que encerra a programa��o no Conservat�rio UFMG, ele adianta que � focado no primeiro dos dois �lbuns que tem lan�ados, e leva o mesmo nome, “M�sicas de superf�cie”. Assim como no recital, � a cantora Fabiana Lian que o acompanhou na grava��o do disco – algo que remonta a 1994.

“Esse � um trabalho que fizemos aos poucos, s� ficou pronto em 1998 e depois ficou mais de 10 anos guardado, at� que resolvemos lan�ar, em 2019. Escolhi fazer o concerto sobre esse �lbum justamente porque � uma forma��o s� de voz e piano, mais f�cil de viajar, e � uma explora��o sobre os limites do formato can��o”, explica.

capa do livro Em um com o impulso: experiência estética e emancipação social

capa do livro Em um com o impulso: experi�ncia est�tica e emancipa��o social

Reprodu��o
 'EM UM COM O IMPULSO: EXPERI�NCIA EST�TICA E EMANCIPA��O SOCIAL'

Lan�amento do livro de Vladimir Safatle, seguido de debate com Ricardo Nachmanowicz e Rodrigo Duarte e do concerto “M�sicas de superf�cie”, com Vladimir Safatle (piano) e Fabiana Lian (canto), nesta sexta-feira (3/3), �s 19h30, no Conservat�rio UFMG (Av. Afonso Pena, 1.534, Centro, 31.3409-8300). Entrada franca.