Obra-prima da diretora Sarah Polley, "Entre mulheres" ecoa o MeToo
V�timas de viol�ncia e do machismo, moradoras de comunidade humilde nos confins dos Estados Unidos se unem para enfrentar barb�rie imposta pelos homens
Drama de mulheres visto na tela se inspira em caso ocorrido em comunidade conservadora na Bol�via
Universal/divulga��o
Mais uma vez, distribuidora brasileira comete o mesmo erro banal: tentar "melhorar" um t�tulo considerado n�o "vendedor", ou seja, que n�o atrairia o m�ximo poss�vel de p�blico aos cinemas. Tudo bem que a inten��o � at� nobre, afinal, quanto mais gente assistir a essa obra-prima de Sarah Polley, melhor. Mas, no fim das contas, o t�tulo escolhido, "Entre mulheres" – em cartaz nas redes Cinemark e Cineart, em BH – � s� bem mais sem gra�a.
O original, o mesmo do livro escrito pela canadense Miriam Toews em que � baseado, � "Women talking". "Mulheres falando", em tradu��o literal.
E sim, claro que tanto a autora do livro quanto a cineasta sabem muito bem o tipo de rea��o que uma obra chamada "Mulheres falando" pode despertar. O mix de preconceito com amea�a embutidos nesse nome � uma provoca��o pensada, n�o uma descri��o de tudo o que acontece na trama, muito menos uma falha do editor.
Como o livro lan�ado em 2018 (mas n�o no Brasil), a trama do filme descreve uma resposta imagin�ria a eventos reais e chocantes que aconteceram entre 2005 e 2009 em uma comunidade religiosa isolada e ultraconservadora da Bol�via.
"Fantasmas" estupradores
Mulheres e crian�as eram drogadas, estupradas e espancadas durante a noite por homens da comunidade que depois diziam que eram fantasmas os autores dos ataques.
Eles eram menonitas, seguidores de uma vertente do cristianismo evang�lico surgido na Europa no s�culo 16. Tanto no livro quanto no filme, a a��o se passa em algum lugar remoto dos Estados Unidos, em vez da Bol�via, no intervalo de tempo que as mulheres da comunidade t�m para decidir o que fazer depois que a verdade � revelada e antes que os homens sejam libertados da pris�o preventiva.
Uma delas consegue ver quem a ataca durante uma noite, e o homem, preso numa cidade vizinha, acaba delatando os outros. Enquanto eles esperam a defini��o do valor da fian�a, mulheres de v�rias idades da comunidade vivem experi�ncias in�ditas em suas vidas: em encontros no segundo andar de um barrac�o onde guardam as colheitas, elas falam o que pensam, debatem suas ideias, votam no que acreditam que deve ser feito e defendem seus princ�pios.
S�o tr�s op��es: n�o fazer nada, ficar e enfrentar os homens ou fugir. A primeira op��o � rapidamente descartada, e entre lutar por uma vida melhor dentro da mesma comunidade ou abandon�-la e apostar no desconhecido � que moram todos os argumentos, os medos, as d�vidas, as esperan�as e os projetos de vida dessas mulheres.
E o que elas fazem nessas conversas � muito mais do que s� definir o pr�ximo passo daquelas pessoas da hist�ria, e sim tentar encontrar uma maneira de recome�ar do zero ou extrapolar os costumes de uma sociedade enraizada no patriarcado e na viol�ncia.
Como n�o s�o ensinadas a ler nem a escrever, convidam August, papel do ingl�s Ben Whishaw, a tomar nota das discuss�es. Ele � um membro desta mesma comunidade, mas muito diferente do resto dos homens de l�.
Como perdeu a m�e muito cedo e demonstrou interesse nos estudos, recebeu permiss�o para frequentar uma universidade e voltar para ensinar os garotos. Ou seja, al�m de n�o ser naturalmente um macho violento, August j� sabe que o resto do mundo n�o tolera o tipo de tratamento dado �quelas mulheres.
Ainda assim, essas coisas acontecem toda hora, no mundo inteiro. Na vida real.
As falas, os desejos, os argumentos defendidos pelas mulheres da trama s�o, em maior ou menor grau, os mesmos de qualquer mulher vitimizada por um – ou v�rios – homens.
Seja a personagem de Claire Foy, que tem fome de vingan�a, seja a mulher interpretada por Jessie Buckley, casada com um marido violento e que tem �dio dos homens mas muito medo de perder a seguran�a da fam�lia, seja Ona, papel de Rooney Mara, gr�vida de um desses estupradores e ainda assim apaixonada pela ideia de ser m�e e louca para recome�ar a vida em outro lugar, seja a personagem de Frances McDormand, que leva no rosto a marca de uma agress�o e se op�e radicalmente a qualquer iniciativa das mulheres.
Sarah Polley, no entanto, apresenta uma obra delicada, instigante e bonita de se ver. A dire��o de arte � sublime, a trilha, esplendorosa. As atua��es s�o surpreendentes e os di�logos muito bem escritos. N�o h� uma palavra sobrando.
Poder feminino
E, mesmo focando sua lente na rea��o de mulheres violadas de todas as maneiras, ela n�o deixa de mostrar o entusiasmo adolescente que quase todas as meninas sentem quando percebem que t�m o poder de atrair a aten��o de um homem.
A viol�ncia da trama � mostrada de um jeito que n�o faz ningu�m ter o �mpeto de ir embora do cinema. E as discuss�es n�o s�o debates frios e arrastados. Ao contr�rio, s�o quase como ladainhas, como uma medita��o guiada ao contr�rio, na qual em vez de n�o pensar em nada, as mulheres s�o levadas a pensar em tudo, a considerar todas as hip�teses. Mas sem perder a ternura jamais.
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