Homem e criança examinam a ponta dianteira de um trem-bala

'Bioc�ntricos' mostra como design de trem-bala japon�s inspirado na forma de um p�ssaro reduziu o consumo de energia

David V�luz/Divulga��o

Trocas equilibradas e pautadas por exemplos dados pela natureza, a��es solid�rias e propostas que impactam a comunidade. Essa linha de filmes � um dos sinais alentadores das produ��es recentes do cinema brasileiro. S�o t�tulos que buscam formas estrat�gicas criativas para capacitar e humanizar o desenvolvimento da humanidade. � o caso do document�rio “Bioc�ntricos” e do premiado “Quando falta o ar”, ambos em cartaz em Belo Horizonte, no UNA Cine Belas Artes.

 

No impacto do boca-a-boca, h� teor revolucion�rio, conforme afirma Cintia Revo, personagem da s�rie “Ideias para mudar o mundo” (dispon�vel no Canal Off e no Globoplay), que criou a Revolu��o dos Baldinhos, h� 14 anos atuante em comunidade de Florian�polis.

 

"H� retorno, a partir de uma a��o coletiva. Trabalhamos a realidade, o fortalecimento de territ�rio, na constru��o coletiva. O projeto de compostagem (base para o adubo natural) trouxe o retorno do zelo pela separa��o de mat�rias org�nicas e que serve de modelo para outras comunidades", diz Cintia.

 

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Com exemplos extra�dos de periferias, Leila Savary, criadora da s�rie, optou por dar protagonismo a quem atuava em �reas marginalizadas e distantes de metr�poles, sem suporte de m�dia. "Cercamos agentes com propostas transformadoras. Personagens fora da elite, do padr�o est�tico e de qualquer estere�tipo comum ao p�blico", afirma. "Tudo num caminho de l�gica sustent�vel e respeitosa."

 

 

 

A s�rie convida o p�blico a conhecer exemplos de economia circular, colaborativa e solid�ria. "S�o modelos que consideram o impacto ambiental, a reutiliza��o de materiais e a energia, a n�o explora��o dos trabalhadores, cadeias de produ��o circulares e bens de servi�o por compartilhamento como troca e doa��es", aponta Leila Savary. 

 

'O interesse coletivo me chamou muito a aten��o no trabalho. As profissionais do SUS atuavam em meio a um governo negacionista. Nas atividades, elas dispunham de sensibilidade para o que reclamasse individualidade'

Helena Petta, codiretora de "Quando falta o ar"

Acessibilidade

A diretora aposta numa sede de mercado: "Na mesma medida que a audi�ncia consome desgra�a, est� carente de narrativas positivas, transgressoras que informem, eduquem e transformem". A s�rie discorre sobre um hub de empresas operantes em favelas, sobre uma iniciativa com bicicletas e equipamentos voltados para mulheres negras e ainda aposta na difus�o de novos padr�es para acessibilidade.

 

Desinteressada nas camadas de poder que propagam a "cultura da desgra�a", a s�rie investe em modelos econ�micos advindos de associa��es diferenciadas. "Precisamos entender que periferia e favela s�o pot�ncias. Nas comunidades est�o os jovens, os agentes transformadores, pensadores e as oportunidades de mercado — nisso � que o poder p�blico e privado precisam atuar. Esses espa�os geram respeito, admira��o e inspira��o", afirma a diretora.


'Na mesma medida que a audi�ncia consome desgra�a, est� carente de narrativas positivas, transgressoras, que informem, eduquem e transformem'

Leila Savary, diretora da s�rie "Ideias para mudar o mundo"

 

ENTREVISTA

ATALIBA BENAIM/codiretor de “Bioc�ntricos”

 

Na demonstra��o da economia de recursos enfocada no document�rio 'Bioc�ntricos', os diretores Ataliba Benaim e Fernanda Heinz Figueiredo explicam o princ�pio biomim�tico, escorado na percep��o de que na natureza n�o existe desperd�cio de energia. 

Iniciativa como a reformula��o do trem bala japon�s, modelada pela efici�ncia de um p�ssaro pescador, reduziu 15% da energia despendida. Outro exemplo est� na economia para o acesso a �reas degradadas para a a��o de reflorestamentos, com a tecnologia do nucle�rio.

 

Qual � o potencial da biomim�tica? Os temas do filme s�o amplos?

A biomim�tica tem muitos potenciais, a depender do uso. H� o potencial de convergir para diferentes �reas, realidades t�cnicas, tend�ncias pol�ticas e at� mesmo vis�es de mundo. Converg�ncia acoplada ao resgate de certas obviedades: s� estamos vivos porque somos parte da natureza, numa rede complexa de trocas. Diante de entraves criados pela humanidade, que "chegou ontem" ao planeta, nada mais l�gico que as solu��es para esses problemas possam vir de uma forma de vida mais experiente - algo vinculado � rede de rela��es entre os organismos vivos. Vejo a biomim�tica como uma for�a centr�peta que pode nos unir na busca pela continuidade da vida.

 

H� combate � persistente vis�o de uma distopia?

Acredito que sim. Nunca na hist�ria da cultura humana produzimos e consumimos tantas narrativas dist�picas. Nelas cultivamos algo que embasa a experi�ncia humana, que � nossa puls�o de morte, num n�vel coletivo. Mas a balan�a me parece muito desigual na cultura contempor�nea. Precisamos de mais Eros e menos Tanatos para vivermos em maior equil�brio entre n�s mesmos e entre n�s e a nossa �nica casa, que � a Terra. Mais do que se opor �s distopias com uma utopia, acredito que, no filme, investimos na oposi��o � puls�o de morte.

 

Conte, por favor, da participa��o ind�gena na fita, e em feitos desta conjuntura.

Est� na origem da biomim�tica o resgate dessa ancestralidade associada, cujo padr�o mental � anterior � arrog�ncia antropoc�ntrica que produziu isso que chamamos civiliza��o. Esse � o ponto de partida para o desenvolvimento de tecnologias que podem nos tirar de uma rota suicida. Como diz o grande fil�sofo Ailton Krenak, o futuro � ancestral. A nossa sorte � que ainda existem exemplos dessa ancestralidade entre n�s, vis�veis na vida cotidiana dos povos origin�rios. Os Ashaninka, principalmente na figura do Benki, cumpre esse papel na narrativa de “Bioc�ntricos”. Benki � um l�der aguerrido que, desde menino, dedica sua vida a fazer pontes entre as culturas e, nos �ltimos anos, a regenerar terras devastadas da Amaz�nia. Ele nos brindou com sua sabedoria simples e profunda nas conversas que tivemos enquanto estivemos na aldeia do seu povo. A frase que eu mais gosto dele � a resposta que nos deu quando o convidamos a expressar um pensamento sobre a humanidade: "O meu pensamento para o mundo � isso que eu estou fazendo".


Equipe usando roupa de proteção e máscaras brancas está em canoa em rio da Amazônia

Dirigido por m�dicas, o premiado "Quando falta o ar" trata do enfrentamento � pandemia da COVID-19 pelo SUS

Tarso Sarraf/Divulga��o

Medicina sem fronteiras

"J� me senti muito, muito impotente como m�dica, por dificuldades como a da falta de estrutura ou da vis�o de colegas que n�o entendem a import�ncia do SUS, ou mesmo a valoriza��o de enfermeiros e agentes comunit�rios", conta a codiretora do longa “Quando falta o ar”, Helena Petta, irm� de Ana, a outra diretora. 

 

Tal qual com a s�rie “Unidade B�sica”, da qual foram criadoras, elas viram a import�ncia da arte para comunicar com efici�ncia e ultrapassar vis�es eivadas de preconceitos. “Quando falta o ar” venceu o importante festival � Tudo Verdade, tratando do trabalho de tatear a pandemia, feito por mulheres que extrapolavam procedimentos m�dicos e agiam a favor de cuidados emocionais, durante o primeiro ano de propaga��o da COVID-19. 

 

 

 

O esfor�o contra vis�es individualistas e a revela��o para pacientes de que a pandemia era uma quest�o coletiva, com a necessidade de cuidados coletivos, marcou a vis�o de Ana. Testemunhar a disposi��o das mulheres com a sa�de p�blica se tornou uma experi�ncia profunda para ela. 

 

"O interesse coletivo me chamou muito a aten��o no trabalho. As profissionais do SUS atuavam em meio a um governo negacionista. Nas atividades, elas dispunham de sensibilidade para o que reclamasse individualidade. Num complexo penitenci�rio baiano, houve a que colocou uma m�sica para um detento, no atendimento, e registramos a profissional que conversava com os pacientes entubados - sondando poss�vel ajuda, uma vez que eram pessoas 'com alma' e que estariam ouvindo", relembra.

Mulheres extraordin�rias

Depois dos momentos muito duros e de sofrimento, Ana apostou na intensidade de conex�o com as entrevistadas. "Recentemente, vimos, em Bras�lia, essas mulheres extraordin�rias, num encontro, por dois dias, de intenso afeto e conversa sobre a vida. Tenho vontade de estar pr�xima delas para o resto da minha vida", afirma.

 

Com o filme, as irm�s defenderam que a realidade, repleta de imperfei��o, n�o deveria ser maquiada. Chegaram em comunidade ribeirinha na qual crian�as n�o eram nem registradas e confirmaram a necessidade de incrementos na estrutura do SUS, "sem esconder lacunas e precariedade", segundo diz Helena. 

 

"� um sistema que � fonte de muita beleza e de resist�ncia. Sempre fui muito impressionada com a for�a que o SUS tem, apesar de todas as adversidades. A vontade de fazer o filme veio bastante por conta de olhar para a for�a de profissionais que muitas vezes n�o t�m reconhecimento", diz Helena.

“BIOC�NTRICOS”

(Brasil, 2022, 108 min.) Document�rio. Dire��o: Fernanda Heinz Figueiredo e Ataliba Benaim. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 16h10).

“QUANDO FALTA O AR”

(Brasil, 2021, 81 min.) Document�rio. Dire��o: Ana Petta e Helena Petta. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 3, 18h10).