Imagem da cantora e artista Rita Lee

Ela mesmo se autodenominou Santa Rita de Sampa na can��o hom�nima, se descrevendo como "tia tiete do Tiet�", "m�e menina da Pompeia" e "deusa pag� do Butant�".

AFP PHOTO/GLOBO TV/MARCOS MAZINI
 Ela era extremamente bonita, e a uni�o de sangue italiano, por parte de m�e, e americano, por parte de pai, "lhe dava um ar em que se misturavam liberdade e puritanismo". Quem conta � Caetano Veloso, no livro "Verdade Tropical", que viu em Rita Lee a "mais completa tradu��o" da cidade de S�o Paulo, como fixou na letra de "Sampa".

 

A cantora, que morreu nesta ter�a-feira (9), fazia jus ao ep�teto. Sobretudo ao de uma S�o Paulo que, nos anos 1960, ainda tentava se equilibrar sobre o salto alto de um t�tulo at� ent�o recente, o de metr�pole brasileira.

 

A l�ngua solta de Leila Diniz e a languidez can�bica das dunas de Ipanema eram express�es de uma carioquice que n�o imperava mais sozinha. Agora, tinha de disputar espa�o no cultural do pa�s com Teatro Oficina, o ateli� Casa 7, Tarc�sio Meira, Eva Wilma, Hector Babenco, Tit�s, Ira!, Guilherme Arantes, Angeli, Laerte e outros nomes que puseram S�o Paulo nos holofotes.

 

Mas nenhum expressou t�o bem as contradi��es da cidade quanto aquela que Caetano descreveu como a mistura entre a anarquia e o recato. Ela mesmo se autodenominou Santa Rita de Sampa na can��o hom�nima, se descrevendo como "tia tiete do Tiet�", "m�e menina da Pompeia" e "deusa pag� do Butant�".

 

Mas foi no bairro da Vila Mariana que ela se criou, num casar�o da rua Joaquim T�vora cujo por�o era forrado com fotos de artistas de cinema. Aos s�bados, o divertimento da sua fam�lia de classe m�dia era ir a Congonhas, "ver avi�o subir e descer", como Rita conta em sua biografia.

 

A escola n�o ficava longe. Era o franco-brasileiro Liceu Pasteur, at� hoje no bairro da Vila Clementino. Aluna med�ocre, Rita Lee tomou pau em matem�tica e era expulsa da sala porque conversava muito.

 

Fumava no banheiro, jogava tinta vermelha na cal�a das meninas que n�o gostava para fazer parecer que estavam menstruadas e botou fogo no cen�rio do teatro ao ter sido preterida no papel de Julieta.

 

Para ver filmes dos Beatles no Cine Metr�pole, no centro, ela pegava �nibus. Os fins de semana eram num desabitado Guaruj� e os piqueniques familiares aconteciam na floresta que, mais tarde, no quarto centen�rio da cidade, se tornaria o parque Ibirapuera.

 

O lugar, ali�s, seria citado numa de suas letras "V�rus do Amor", de 1985. "O frio de S�o Paulo me faz transpirar", entoou em "V�tima", do mesmo ano, que ganhou um clipe noir com cenas no bairro da Liberdade e que, n�o por acaso, virou trilha da paulistan�ssima novela "A Pr�xima V�tima", dez anos depois.

Ela conhecia os tipos da cidade. Em 1970, com Os Mutantes, tirava uma onda com a cara dos garot�es que viviam de mesada e desfilavam com blus�es importados em suas carangas pela rua Augusta, como canta em "Hey Boy".

 

J� numa chave nada mordaz, ela entoou que "na cidade de S�o Paulo o amor � imprevis�vel". Foi em "L� Vou Eu", can��o lan�ada em 1976, no Brasil da ditadura militar, o mesmo da �poca em que ela sonhava em despejar LSD na caixa d'�gua da Vila Mariana para ver se assim seus os paulistas desencaretavam de vez.

 

M�e do rock no pa�s do samba, Rita talvez associasse sua condi��o de ponto fora da curva na MPB � posi��o sui generis de sua cidade natal dentro dos clich�s dos s�mbolos nacionais. Talvez por isso mesmo cantasse que "nem toda brasileira � bunda" em "Pagu", can��o que homenageia a sua conterr�nea Patr�cia Galv�o.

 

Quando S�o Paulo completou 450 anos, em 2004, Rita Lee fez um show no Canec�o, no Rio, e desandou a falar mal da pr�pria cidade. "As paulistanas n�o t�m personalidade", disse, para �bvio deleite do p�blico carioca. A imprensa local destacou aquilo tudo com gosto. A cantora contemporizou: "Judeu falando mal de judeu � engra�ad�ssimo, mas se um cat�lico fizer o mesmo, � antissemitismo".