
Atriz Sakura Ando e o cineasta Hirokazu Kore-eda na sess�o de "Monstro", no Festival de Cannes
Patr�cia de Melo Moreira/AFPCannes – Afeito aos dramas familiares quase novelescos, Hirokazu Kore-eda criou para si uma marca pr�pria. Seus filmes podem soar repetitivos, mas o japon�s sempre mostra dom�nio sobre o tema e, por essa condu��o �mpar dos impasses que ocorrem no seio familiar, � hoje um dos mais celebrados nomes do circuito de festivais.
Com trama mantida sob absoluto sigilo at� a estreia e um t�tulo que pode enganar, "Monster" ("Monstro", numa tradu��o literal) subverte as expectativas do p�blico, descascando suas v�rias e complexas camadas aos poucos.
S� na metade do longa criamos o paralelo inevit�vel com "Close", que rendeu o grande pr�mio a Lukas Dhont no Festival de Cannes do ano passado. Ambos acompanham a amizade de dois garotos em idade escolar e ambos abordam bullying e sa�de mental sem abrir m�o do sentimentalismo.
Mas n�o se engane, os dois filmes s�o muito diferentes. Eles podem at� se aproximar nos temas, mas divergem totalmente na narrativa – o choque cultural entre a sociedade japonesa e a belga talvez tenha sua parcela de culpa.
E, assim como "Close", � dif�cil falar de "Monster" sem entregar a trama. Boa parte da gra�a est� em juntar os fragmentos da hist�ria aos poucos, como num thriller. Por isso, Kore-eda passa por sua narrativa tr�s vezes, sob pontos de vista de diferentes personagens.
Crian�as enfrentam a viol�ncia em 'Monster'
Viol�ncia na escola
Para quem ainda n�o viu, basta dizer que o filme come�a acompanhando uma m�e preocupada com o comportamento do filho, que volta da escola com muitos machucados e poucas palavras. Ela vai atr�s do professor do garoto, e este, enquanto isso, vai se fechando cada vez mais, em contraste com um colega de classe falante, alegre e sempre simp�tico.Esperamos a todo instante o filme enveredar para o nunca anunciado, mas presumido g�nero do horror sobrenatural. H� horror na trama, grave, embora mais discreto e menos literal. Parte dele vem de um sistema educacional falido, que assombra pais, alunos e professores, e de uma sociedade que, como um todo, falhou em absorver erros e imperfei��es, diferen�as e singularidades.
"Monster" ensaia at� mesmo um coment�rio sobre a onda de persegui��o a professores e a crise de ataques a escolas que contaminaram os Estados Unidos e parecem contaminar tamb�m o Brasil, escavando seus personagens em busca das raz�es para o comportamento agressivo e o isolamento social. A trama n�o chega a consumar essa ideia, mas fala de maneira dura sobre bullying e suas consequ�ncias.
Al�m das crian�as, os adultos do filme tamb�m sofrem com a sa�de mental abalada. N�o falta drama na vida das figuras criadas por Kore-eda, mas ele aborda a viol�ncia com seu jeito sutil e delicado de narrar hist�rias. Tanto que o desfecho soa manipulador, mas entrega nada mais e nada menos do que se espera do cineasta japon�s.
"Monster" tem cacife para dar a Kore-eda uma segunda Palma de Ouro, depois de conquistar uma pelo bel�ssimo "Assunto de fam�lia" e um pr�mio do j�ri pelo tamb�m sens�vel "Pais e filhos" – e, no ano passado, levar o trof�u ecum�nico por "Broker".
Mas isso parece improv�vel diante de um j�ri comandado por um cineasta t�o avesso ao melodrama quanto Ruben �stlund. Onde um v� oportunidade para a sutileza e a emo��o, o outro v� para o excesso e a acidez. � no m�nimo incompat�vel.
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