O diretor Jonathan Glazer (ao centro) e sua equipe no tapete vermelho do Festival de Cannes

O diretor Jonathan Glazer (ao centro) e sua equipe no tapete vermelho do Festival de Cannes, antes da sess�o do aguardado "The zone of interest"

Loic Venance/AFP


Descaso de alem�es em rela��o aos judeus submetidos �s atrocidades nazistas � tema do filme “The zone of interest”, apresentado em Cannes pelo diretor ingl�s Jonathan Glazer

“The zone of interest”, um dos filmes mais aguardados da competi��o pela Palma de Ouro em Cannes, come�a com cenas id�licas no campo, preenchidas pelo som de grilos. H� ali uma vers�o anos 1940 do que parece ser uma fam�lia de comercial de margarina, banhando-se no riacho perto de casa. O pai tem um caiaque, a m�e cultiva um imenso jardim, as crian�as brincam com os cachorros ao ar livre e dormem ouvindo contos de fadas.

Aos poucos surgem a imagem de uma torre de sentinela aos fundos do quintal, e o barulho de tiros um tanto abafados enquanto a matriarca passa batom diante da penteadeira. Estamos nos arredores de Auschwitz, mas a rotina de quem vive do lado de fora das muralhas segue inabalada.
 
O cineasta ingl�s Jonathan Glazer, dono de uma produ��o bissexta, resolveu romper o hiato de 10 anos sem lan�ar longas com um drama de �poca sobre o cinismo. A hist�ria, levemente inspirada no romance hom�nimo de Martin Amis, trata da fam�lia de um oficial nazista encarregado de comandar o campo de concentra��o da Pol�nia ocupada.

Id�lio ao lado do horror

A atriz Sandra H�ller interpreta Hedwig, a esposa que teme a mera possibilidade de seu marido militar ser deslocado para longe do id�lio que ambos constru�ram ali, encostado nos muros externos do complexo de exterm�nio. Os horrores que se passam do lado de dentro n�o s�o mostrados na tela, mas se insinuam do lado de fora.

� certa altura, o patriarca, vivido por Christian Friedel, recebe uma comitiva de engenheiros que o apresentam � �ltima tecnologia em c�mara de cremat�rio, como se falassem de uma simples m�quina de lavar ou coisa mundana parecida.

Sua mulher est� encantada com o novo casaco de pele que ganhou, confiscado de alguma prisioneira. E a m�e dela fica a se perguntar, de forma um tanto prosaica, se sua antiga patroa, judia, estar� em algum lugar dentro do campo de concentra��o.

Reside a� um dos aspectos principais do longa. Glazer n�o pretende fazer caricatura vilanesca da fam�lia do encarregado de Auschwitz. Prefere falar de como a indiferen�a das pessoas comuns � conivente com atrocidades hist�ricas.

N�o deixa de ser um tema que esquentou com a ascens�o da extrema direita e n�o era t�o latente em 2013, ano de seu �ltimo longa-metragem – “Sob a pele”, com Scarlett Johansson no papel de uma predadora de homens vinda de fora da Terra. Dessa obra anterior, o diretor manteve o tom meditativo, embalado por tomadas longas e trilha sonora que parece querer induzir o transe.

De alguma forma, “The zone of interest” � a ant�tese de “O filho de Saul”, de L�szl� Nemes, para citar outro longa sobre o mesmo assunto e que sacudiu Cannes oito anos atr�s. Se o diretor h�ngaro quis conduzir o espectador para dentro do mortic�nio, transformando a experi�ncia de um judeu num campo de concentra��o num videogame em primeira pessoa, o brit�nico opta pela sugest�o, igualmente aterradora. Est� mais pr�ximo de “A fita branca”, de Michael Haneke, que venceu a Palma de Ouro em 2009 com sua alegoria sobre o germe do nazismo em crian�as alem�s.

Di�logo com Steve McQueen

A obra de Glazer mant�m di�logo curioso com outro t�tulo na programa��o do festival franc�s, o document�rio “Occupied city”, de Steve McQueen, que voltou sua lente para os bairros da Amsterd� contempor�nea e, com a c�mera parada, se prop�e a esmiu�ar o que neles se sucedeu durante a ocupa��o alem� do pa�s, durante a Segunda Guerra.

Enquanto filma bares, vitrines, cal�adas e canais da cidade, vai empilhando casos de judeus que viveram ali, d�cadas atr�s, e tiveram um desfecho mais ou menos parecido: os que n�o conseguiram fugir foram ceifados pelo mortic�nio em escala industrial do nazismo. Ao cruzar imagens dos espa�os no tempo presente com uma narra��o de trag�dias passadas, o diretor de “12 anos de escravid�o” se prop�e a fazer o mesmo expediente que Alain Resnais fez nos 1950 com “Noite e nevoeiro”.

A diferen�a � que o franc�s precisou de apenas 33 minutos, enquanto McQueen demora quatro horas numa sucess�o de relatos que, contados sempre sob a mesma forma monoc�rdica, levam o espectador � letargia, por mais tr�gicos que sejam os casos ali narrados. (Guilherme Genestri – Folhapress)

Homenagem a Nelson

O Festival de Cannes assistiu, na sexta-feira (19/5), ao document�rio em homenagem a Nelson Pereira dos Santos, um dos precursores do Cinema Novo, que morreu em 2018. “Nelson Pereira dos Santos – Vida de cinema”, dirigido por Ivelise Ferreira, esposa do cineasta por quase tr�s d�cadas, e A�da Marques fez parte da mostra Cannes Classics.
 
A�da descreveu Nelson como um homem que amava o pa�s, a cultura brasileira, o povo brasileiro e suas tradi��es. Tamb�m destacou que, ap�s quatro anos de tristeza causada pelo governo Bolsonaro, � simb�lico apresentar um filme sobre ele em Cannes.