H� 50 anos, Milton Nascimento transformava censura em grito de liberdade
S�rie especial revela os bastidores e as restri��es nas letras das m�sicas de 'Milagre dos peixes', disco que Milton gravou depois de 'Clube da Esquina'
A resposta dada por Milton � censura foi algo in�dito no Brasil, e ele pagou caro por isso: teve a vida pessoal devassada
Reprodu��o
Gabriel de S�
Especial para o EM
Em 1973, os brasileiros assistiam pela tela colorida de seus televisores ao milagre econ�mico propagandeado pelo governo militar, sob o comando do general Em�lio Garrastazu M�dici. Os crescimentos expressivos do PIB e da renda per capita, al�m de obras fara�nicas, davam impress�o de que o Brasil estava a pleno vapor. Pelo menos era isso que o regime alardeava em sua campanha ideol�gica. Mas, longe dos ent�o rec�m-lan�ados aparelhos de TV a cores, o cen�rio era outro: tortura, persegui��o pol�tica, desaparecimentos, censura aos meios de comunica��o e viola��o de direitos humanos.
Foi tamb�m 50 anos atr�s que Milton Nascimento escreveu o cap�tulo mais tenso de sua rela��o com o regime militar. O cantor e compositor nascido no Rio de Janeiro e criado na mineira Tr�s Pontas havia observado colegas de gera��o como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque partirem para o ex�lio ap�s o Ato Institucional nº 5, de 1968. Milton ficou no pa�s, aproximou-se do movimento estudantil e, em 1972, lan�ou em parceria com o ent�o estreante L� Borges o disco mais importante de sua carreira, o duplo “Clube da Esquina”.
O aguardad�ssimo projeto seguinte do artista, “Milagre dos peixes”, sofreu uma interven��o dr�stica da ditadura militar, que em 1973 censurou algumas das letras criadas pelos parceiros de Milton para as can��es do �lbum. Dispon�veis no acervo digital do Arquivo Nacional, os documentos com os vetos dos censores a “Hoje � dia de El- Rey, “Cad�” e “Os escravos de J�”, bem como a vers�o original de “Milagre dos peixes”, s�o reproduzidos nesta s�rie.
Vou gravar de qualquer jeito. Vou botar no som tudo o que eles tiraram na letra. Eles v�o se ver comigo
MILTON NASCIMENTO, para o amigo e letrista M�rcio Borges, em 1973
O cantor n�o se intimidou. “Vou gravar de qualquer jeito e botar no som tudo o que eles tiraram na letra”, disse Milton ao amigo M�rcio Borges, em depoimento registrado no livro “Os sonhos n�o envelhecem”. Milton gravou o LP sem as letras e preencheu as melodias com vocalises, gritos, falsetes e timbres que tentavam expressar tudo aquilo que a censura havia impedido de ser dito com palavras.
“No lugar do suposto milagre econ�mico da ditadura militar, que promove a tortura, o sil�ncio e a morte, Milton Nascimento e sua turma propunham o milagre dos peixes, signo de prosperidade associado � regenera��o humana e ao nascimento de outro tempo, em uma esp�cie de restaura��o c�clica da vida”, analisa o historiador Bruno Viveiros Martins.
Lan�ado h� 50 anos, “Milagre dos peixes” � o manifesto de Milton Nascimento pela liberdade. O Estado de Minas volta ao in�cio dos anos 1970 em uma s�rie de reportagens para contar como, mesmo silenciado, Milton criou uma das alegorias mais contundentes contra o regime militar e, ao mesmo tempo, o disco mais experimental de sua carreira. “A resposta dada por Milton � censura foi algo in�dito no Brasil, e ele pagou caro por isso: teve a vida pessoal devassada”, lembra Viveiros Martins.
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