a curadora Júlia Rebouças em Inhotim

O di�logo com outras formas art�sticas, como m�sica e performance, e a democratiza��o do acesso ao museu est�o nos planos de reformula��o da institui��o, segundo a curadora J�lia Rebou�as

William Gomes/Divulga��o

'Esse � o principal compromisso neste momento: refor�ar alian�as que mostrem o car�ter p�blico, acess�vel e democr�tico dessa experi�ncia que � Inhotim. Repensar a natureza dessa institui��o, para onde vai, como continuar inovando o tempo inteiro, esse � o melhor desafio'

Julia Rebou�as, diretora art�stica do Instituto Inhotim



A curadora, pesquisadora e cr�tica de arte J�lia Rebou�as assumiu em maio deste ano a diretoria art�stica do Instituto Inhotim, posto que era ocupado desde janeiro de 2022 pela venezuelana Julieta Gonz�les.
 
Natural de Aracaju, J�lia veio para Minas Gerais em 2007 para integrar a equipe curatorial de Inhotim, que havia sido inaugurado um ano antes. Ela trabalhou no museu at� 2015, quando aceitou o convite do curador alem�o Jochen Volz para integrar a equipe curatorial da 32ª Bienal de S�o Paulo, “Incerteza Viva” (2016). 
 
Doutora em Artes Visuais pela UFMG, ela atuou como diretora art�stica da Oficina Francisco Brennand, em Recife, e como curadora do Panorama da Arte Brasileira, em 2019, no Museu de Arte Moderna de S�o Paulo. Na entrevista a seguir ao Estado de Minas, J�lia fala dos desafios do cargo que agora assume em Inhotim, do novo modelo de gest�o e dos rumos que o instituto deve tomar a partir de agora.

Como voc� recebeu o convite para assumir a dire��o art�stica de Inhotim?
Trabalhei em Inhotim de 2007 a 2015, foram oito anos na curadoria, e estava tamb�m h� oito anos longe da institui��o. Em mar�o deste ano, recebi o convite para voltar. Abriu-se ali uma conversa muito interessante, sinalizando um novo momento, com passos institucionais muito importantes, a partir da doa��o da cole��o de Bernardo Paz (idealizador e fundador do Instituto Inhotim). � um processo contundente de reorganiza��o da governan�a, da estrutura administrativa. 
Quando veio o convite, fiquei bastante interessada. Ainda n�o era para o cargo de diretora art�stica, mas para assumir como curadora-chefe e diretora adjunta, quer dizer, j� com essa ideia de reintegra��o das equipes. A gente tem a curadoria, mas tamb�m tem o programa de educa��o, o programa de pesquisa, o desejo de desenvolver uma linha editorial e de estreitar rela��es com esse territ�rio t�o rico que � Brumadinho. Entre mar�o e maio, uma s�rie de outros arranjos foram feitos, e quando fui convidada para assumir a dire��o art�stica, me pareceu muito natural.
 

'A ideia de pensar uma programa��o para al�m das exposi��es e pavilh�es se relaciona com entender a riqueza desse programa art�stico que constitui Inhotim, um lugar que voc� se organiza para ir, n�o para dar uma passadinha. Trata-se de um entendimento de como articular e aproximar a institui��o da comunidade'

Julia Rebou�as, diretora art�stica do Instituto Inhotim

 

Quais os principais desafios, os mais prementes, dessa fun��o que voc� acaba de assumir?
O projeto do Inhotim em si � um grande desafio, porque � muito vision�rio desde sua origem, pela maneira de se relacionar com os artistas, de trabalhar com seu acervo, tudo de uma forma absolutamente inovadora. Em 2007, quando me mudei para Belo Horizonte, senti essa energia, senti que a gente estava fazendo algo �nico, numa escala sem par no mundo. 
Essa hist�ria se consolidou, de Inhotim como institui��o que pauta e que articula a experi�ncia de estar diante de uma obra de arte contempor�nea e de uma paisagem natural exuberante. � uma estrutura robusta, e o desafio � voltar a pensar na voca��o desse projeto, pensar em como essa cole��o, esse acervo t�o rico produzido por esses artistas, serve para democratizar o acesso � cultura. Esse � o principal compromisso neste momento: refor�ar alian�as que mostrem o car�ter p�blico, acess�vel e democr�tico dessa experi�ncia que � Inhotim. Repensar a natureza dessa institui��o, para onde vai, como continuar inovando o tempo inteiro, esse � o melhor desafio.
 

Como � o di�logo com o diretor-presidente de Inhotim, Lucas Pess�a, com quem voc� j� havia trabalhado na Oficina Francisco Brennand, onde ele ocupou o cargo de diretor-geral? � uma parceria bem-sucedida?
� um di�logo muito bom. Lucas Pess�a � um gestor com um perfil �nico, muito interessante. Ele tem uma vis�o e um entendimento da import�ncia institucional, sabe dos processos organizacionais. A presen�a dele d� um salto de organiza��o, de governan�a, de articula��o dessa institui��o que � de natureza privada, mas que se liga a outros entes. Tem um conselho deliberativo muito forte, atuando desde o ano passado. Lucas projeta a institui��o para caminhos interessantes e tem um grande respeito pelo trabalho art�stico, pela cena cultural. 
O trabalho que fizemos na Oficina Brennand tamb�m foi de reestrutura��o institucional. Repensamos aquele lugar, como poderia se reposicionar e ser uma institui��o din�mica, indo para al�m do acervo de Brennand. � uma conversa que come�amos l� e seguimos com ela agora, pensando o lugar dessas institui��es culturais.
 
Instalação azul crivada de bolinhas coloridas forma obra de Yayoi Kusama pertencente ao Instituto Inhotim

'Im here, but nothing', obra que ficar� exposta na galeria dedicada a Yayoi Kusama, a partir de 16 de julho

Daniel Mansur/divulga��o
 

O planejamento de abertura da Galeria Yayoi Kusama para o pr�ximo dia 16 est� mantido?
Est� tudo mantido. � uma transi��o de continuidade. Temos este ano uma programa��o muito interessante em curso, que passa pela parceria, criada pelo (curador) Douglas Freitas em 2021, com o Ipeafro (Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros), que tem a salvaguarda do acervo de Abdias do Nascimento. O Programa Abdias do Nascimento e o Museu de Arte Negra estruturaram um conjunto de a��es e programa��es que seguem at� 2024. 
Teremos uma exposi��o dedicada a Rubem Valentim e outra, coletiva, que ser�o inauguradas em 22 e 23 de setembro. Em novembro, a gente inaugura o quarto ato do Programa, que fecha esse grande ciclo iniciado em 2021, recontando um pouco todas essas andan�as, com a mostra de Mestre Didi e as outras a��es, tudo dentro desse grande arcabou�o program�tico. � um programa que eu vinha acompanhando com muita admira��o, e estamos pensando em como finalizar da melhor maneira. 
No segundo semestre, teremos tamb�m uma programa��o art�stica diversa, com m�ltiplas disciplinas, para al�m das exposi��es de arte contempor�nea. A gente quer ter a presen�a de outros artistas, da m�sica, da performance. No que diz respeito ao acervo, queremos repensar o lugar dessa cole��o, para onde ela avan�a, o modelo dos pavilh�es, os comissionamentos de longo prazo. � um momento de atualizar os valores dessa cole��o e, ao mesmo tempo, diversificar. As outras manifesta��es art�sticas devem estar conectadas com a��es de educa��o e de pesquisa, com o territ�rio, com as comunidades que comp�em a vida do Inhotim.

O que representa para o Inhotim a incorpora��o dessas obras de Yayoi Kusama ao acervo?
Ela � uma artista hist�rica, que h� muitas d�cadas significa muita coisa para a arte produzida no mundo. Agora que est� com mais de 90 anos, acho que a gente j� consegue olhar para a produ��o dela e fazer algumas s�nteses, como a rela��o entre o sujeito singular e o universo. Ela discute a performance e o espa�o, essa ideia de experi�ncia, de imers�o, o que � real e o que � ilus�o, tudo isso est� no trabalho dela, e � importante para pensarmos nosso lugar no mundo. 
Isso de desindividualizar o sujeito e coloc�-lo imerso e fundido no universo, acho que � revolucion�rio quando a gente pensa num momento de desagrega��o social, coletiva, num momento de encasulamento do indiv�duo. As instala��es que a gente acrescenta agora – o acervo de Inhotim j� tem a obra “Narcissus Garden” – s�o trabalhos que t�m essa enorme qualidade de serem engajadores, com apelo sensorial; s�o bonitos e ricos para qualquer pessoa. � imposs�vel estar diante de um trabalho dela e n�o se sentir convocado e envolvido naquela experi�ncia. � um projeto que est� sendo desenvolvido desde 2016.
 

'Os pavilh�es s�o necessariamente projetos de longo prazo. Eles exigem obras que s�o discutidas com muita profundidade. S�o naturalmente projetos que demoram mais para serem concretizados, mas n�o � algo que esteja em suspenso'

Julia Rebou�as, diretora art�stica do Instituto Inhotim

 
 
Existe uma previs�o de abertura de novos espa�os expositivos no Inhotim?
Os pavilh�es s�o necessariamente projetos de longo prazo. Eles exigem obras que s�o discutidas com muita profundidade. S�o naturalmente projetos que demoram mais para serem concretizados, mas n�o � algo que esteja em suspenso. A ideia de pensar uma programa��o para al�m das exposi��es e pavilh�es se relaciona com entender a riqueza desse programa art�stico que constitui Inhotim, um lugar que voc� se organiza para ir, n�o para dar uma passadinha. Trata-se de um entendimento de como articular e aproximar a institui��o da comunidade. 
Outras a��es v�o ser um ativo importante desse exerc�cio art�stico e conceitual que a institui��o pode propor. S�o outras formas de pensar a rela��o do p�blico com a arte e com a natureza. A visada de uma planta, de uma luz, a descoberta de uma galeria nova, tudo isso constitui a experi�ncia de estar em Inhotim, que ganhou outra dimens�o depois do per�odo de reclus�o pand�mica. � um espa�o que convida a outro tempo, com menos conectividade. A cria��o de eventos, de marcos ou efem�rides ao longo do ano, � uma forma de mostrar como a institui��o segue ativa.

Lucas Pess�a afirmou, no ano passado, o desejo de que “Inhotim se torne uma institui��o mais aberta � comunidade, com uma programa��o mais intensa, que n�o dependa da inaugura��o de novos pr�dios voltados para exposi��es”. Voc�s j� t�m um desenho do que seria essa “programa��o mais intensa, aberta � comunidade”?
Ainda n�o tenho nomes ou datas, vamos ver isso no segundo semestre, mas ser�o performances, a��es de dan�a, apresenta��es musicais. A ideia � ir alcan�ando essas outras �reas. Cheguei h� pouco tempo, ent�o estou me situando, conhecendo as outras equipes, fazendo um trabalho de integra��o. � um processo de reconhecimento, de escuta, para fechar esse programa em breve.
 
Foto pertencente ao Museu de Arte Negra exposta no Inhotim

'Raps�dia negra', foto pertencente ao Museu de Arte Negra exposta no Instituto Inhotim

Acervo Abdias do Nascimento/divulga��o
 

Quando voc� chegou para integrar a curadoria do Inhotim, em 2007, ele tinha apenas um ano de exist�ncia. Que vis�o voc� tinha do museu naquele momento e qual � sua vis�o atual? Mudou a forma como voc� entende Inhotim?
Tenho me feito essa pergunta. Em 2007 o contexto era muito diferente. A gente estava falando de um cen�rio de institui��es art�sticas e de um ambiente cultural j� muito rico, o que vem desde o in�cio dos anos 2000, mas a gente tamb�m vinha de uma grande crise institucional do MASP e de outros acervos importantes. No come�o, j� tinha a ideia de Inhotim ser um acervo aberto ao p�blico, com o que h� de mais arrojado e mais ousado sendo produzido na arte internacional. 
O cen�rio institucional era menos articulado do que � hoje. Era dif�cil ter acesso a essa produ��o, sobretudo deslocada do eixo Rio-S�o Paulo, onde havia galerias mais atuantes. Inhotim surgiu com muitos outros impulsionadores, como a natureza e o desejo de ser uma baliza de repert�rio de arte contempor�nea. Hoje isso mudou, temos outros agentes igualmente importantes mostrando suas cole��es, mas a maneira de Inhotim mostrar arte contempor�nea, como uma experi�ncia deslocada da cidade, eu acho que segue �nica. 
Tem uma s�rie de coisas que estavam l� atr�s que se renovam, se atualizam. A gente tem que pensar como esses valores podem estar realinhados com tudo o que de mais novo e pujante est� sendo produzido no �mbito das artes contempor�neas no mundo. � um espa�o muito vivo, a presen�a do territ�rio, da vegeta��o, do ambiente inteiro, das esta��es do ano, das flora��es, dos trabalhos que v�o chegando, tudo isso cria uma nova complexidade para esse texto que vem sendo escrito h� muitos anos. Tem essa mira de manter Inhotim sintonizado n�o apenas com o presente, mas tamb�m tensionando o que est� por vir. Isso j� existia em 2007, mas se atualiza.