Atriz Wanda Kosmo como a feiticeira de 'A praga', filme de José Mojica Marins

Wanda Kosmo como a feiticeira de 'A praga', filme de Jos� Mojica Marins rodado em 1980

Heco Produ��es/divulga��o

Em 1967, Jos� Mojica Marins rodou o especial televisivo “A praga”, sobre a bruxa velha que amaldi�oa um rapaz que tenta fotograf�-la. Mas o filme se perdeu em um inc�ndio.

Como tinha grande apre�o pelo material, Mojica decidiu refilm�-lo em 1980, para outro programa de TV, mas problemas financeiros o impediram de finalizar o projeto. Parecia que o roteiro, tal como a idosa nele descrita, se recusava a ser registrado por uma c�mera; era como se algu�m tivesse praguejado “A praga”.

A vers�o de 1980 passou anos dada como perdida, mas em 2007 seus negativos foram encontrados pelo cineasta Eug�nio Puppo, que se lan�ou em um longo processo de restaura��o. Mojica chegou a fazer parte dele, mas sua morte, em 2020, o impediu de ver o resultado final.
 
O p�blico agora pode conferi-lo. O m�dia-metragem chega ao cinema, em sess�o conjunta com um curta documental que conta a hist�ria do filme e de sua restaura��o: “A �ltima praga de Mojica”, dirigido por Puppo, C�dric Fanti, Matheus Sundfeld e Pedro Junqueira.
 
 

O document�rio � um complemento importante para a contextualiza��o do projeto, mas “A praga” teria for�a o suficiente para existir sozinho enquanto filme. Vendo seus poucos mais de 50 minutos, compreende-se por que Mojica tinha tanto apego a ele. � uma obra sempre pulsante, absorvente, apesar do potencial distanciador dos v�rios arroubos vanguardistas da dire��o.

Vulgaridade sexy e grotesca

Mesmo diante de vis�veis limita��es materiais, destaca-se a textura sensual do filme. H� nas imagens um tipo de vulgaridade ao mesmo tempo sexy e grotesca, e a sanguinol�ncia trash consegue transmitir carga er�tica pegajosa que os filmes de terror nacionais mais recentes est�o longe de atingir.

O personagem mais famoso de Mojica, Z� do Caix�o, n�o faz parte da trama, mas surge como mestre de cerim�nias macabro, que nos narra a hist�ria de Juvenal e Marina, o casal fogoso, mas entediado, que resolve fazer um passeio no campo. Ali, encontra uma velha com fama de bruxa. A figura decadente e exc�ntrica da idosa � irresist�vel demais para os �mpetos depreciativos de Juvenal, que come�a a fotograf�-la como se ela fosse uma aberra��o.
 
Zé do Caixão olha para a câmera

Z� do Caix�o � o mestre de cerim�nias da trama

Heco Produ��es/divulga��o
 

Furiosa pelo desacato, a estranha mulher roga uma praga no rapaz, que a princ�pio n�o d� muita bola, mas n�o demora a notar seus efeitos. Come�a tendo pesadelos, depois fica cada vez mais irritado. Passa a se alimentar apenas de carne crua, e seu corpo vai se deteriorando de modo assustador – tudo conforme vaticinara a feiticeira. Seu tr�gico destino � inelud�vel.
 
 
 “A praga” traz mensagem moralizante clara: quem desafia o oculto, o desconhecido, h� de pagar o pre�o de sua incredulidade – tema habitual na obra de Mojica. Mas � uma moral por demais imediata e simpl�ria; h� outros subtextos ali que permitem an�lises mais interessantes.

Sim, o filme � datado na quest�o de certas representa��es. O trecho com o pai de santo usa religi�es africanas de forma algo depreciativa. A personagem Marina � mero objeto voyeur�stico da c�mera de Mojica – mas, tamb�m, como n�o objetificar uma figura como a deslumbrante Silvia Gless, em sua carnalidade platinada, com a boca infalivelmente vermelha?

Bruxa feminista

A feiticeira, ao contr�rio, tem vi�s feminista. Quando � afrontada por Juvenal, ela revida de forma t�o violenta, impiedosa e inescap�vel que � como se articulasse em sua maldi��o todo o �dio secular feminino contra os abusos masculinos.

A bruxa representa a revanche do tipo de mulher em geral desdenhada pelos homens – velha, feia, insubmissa aos caprichos masculinos – sobre o macho que n�o a respeita. O sexismo arrogante dele n�o tem a menor chance contra a ira ardilosa dela.

A grande Wanda Kosmo, ali�s, est� sublime no papel da velha, mesmo que o filme n�o traga uma de suas principais marcas: a voz grave e rascante. Mas sua dublagem, feita pela atriz Luah Guimar�ez, � bastante satisfat�ria.

Em seu excelente trabalho de p�s-produ��o, “A praga” se revela uma pequena joia do cinema fant�stico brasileiro. H� o esdr�xulo, o tosco, e todo o prazer mundano que lhes s�o peculiares. Mas h� tamb�m o esp�rito de descumprimento de regras de um dos nossos maiores artistas instintivos, cujo cinema costumeiramente ia muito al�m das m�dicas pretens�es iniciais do diretor. 

“A PRAGA”

Brasil, 2021. Filme de Jos� Mojica Marins. Com Wanda Kosmo, Silvia Gless e Jos� Mojica Marins. Tamb�m � exibido o document�rio “A �ltima praga de Mojica”, de Eug�nio Puppo, Matheus Sundfeld, Luis Claudio Bonacura, C�dric Fanti e Pedro Junqueira. Estreia nesta quinta (6/7), na Sala 3 do UNA Cine Belas Artes, �s 18h10, e na Sala 1 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, �s 20h. Classifica��o: 16 anos.