O vocalista do Metallica, James Hetfield, no palco

James Hetfield (vocais e guitarra; acima), Kirk Hammett (guitarra), Cliff Burton (baixo) e Lars Ulrich (bateria), do Metallica, lan�aram 'Kill 'em all' no dia 25 de julho de 1983

PATRICIA DE MELO MOREIRA - 09/07/2022 / AFP


Claudio David se considerava um “devoto” do heavy metal j� em sua adolesc�ncia. O som dos LPs dos brit�nicos do Iron Maiden, Judas Priest e Black Sabbath que emanava de sua vitrola em casa e as primeiras composi��es que escrevia para um ainda embrion�rio Overdose atestavam essa condi��o.

Mas mesmo com certo conhecimento daquele segmento musical, o ent�o jovem de 18 anos viria a ficar em “estado de choque”, como ele mesmo enfatiza, ao conferir pela primeira vez “Kill ‘em all”, do Metallica, e “Show no mercy”, do Slayer, as estreias fonogr�ficas das duas bandas norte-americanas. Lan�ados em 1983 e considerados pedras fundamentais do thrash metal, os dois �lbuns influenciariam diretamente a cena mineira do metal naquela �poca e ao longo desses 40 anos.

“Meu irm�o e eu �ramos pessoas que compravam discos importados. N�o tinha importadora em BH, ent�o t�nhamos que pegar os LPs no Rio e na Woodstock (loja em S�o Paulo)”, relembra Claudio. “Caras tipo Wagner (Lamounier, que viria a integrar Sepultura e Sarc�fago), Max (Cavalera, um dos fundadores do Sepultura) e uma galera do metal de BH iam l� em casa ouvir esses discos. Nem tinha Sepultura nessa �poca. E todo mundo ficou chocado com aquela nova linguagem”, completa o guitarrista de 57 anos, do Overdose, BH2o e EletriKa.

A abordagem musical de “Kill ‘em all”, que completa exatas quatro d�cadas nesta ter�a-feira (25/7), e “Show no mercy", aniversariante de dezembro deste ano, trazia refer�ncias inglesas, vide o Judas Priest e nomes da New Wave of British Heavy Metal, como Maiden e Saxon, e a crueza do punk, de �cones do calibre de Ramones e Misfits. Por�m, os dois �lbuns deram um passo al�m, como enfatiza Vladimir Korg, de 59 anos, vocalista do The Mist e ex-Chakal, ambas as bandas munidas de componentes de thrash, dentre outros elementos, a partir daquela d�cada.

“Acho que o Metallica pensou assim: ‘Podemos come�ar a palhetar na velocidade da luz’. Somado com o headbanging (‘bater cabe�a’ acompanhando a sonoridade de m�sicas de metal), que era quase como insepar�vel aos riffs, acho que nasceu o thrash metal naquele disco”, destaca. Por�m, apesar de atestar a import�ncia de “Kill” como um dos progenitores do thrash, Korg se diz mais inclinado � obra do Slayer. “O ‘Show no mercy’ era e ainda � um disco ‘mau’. Mesmo voc� n�o sabendo ingl�s, sabe que aqueles caras n�o est�o falando sobre coisas do dia a dia. O Metallica falava sobre a postura e a est�tica do thrash, sobre tocar r�pido e beber, enquanto o Slayer queria apenas levar todo mundo para o inferno, e � claro que, por isso, o Slayer me influenciou mais.”


Assim como outros grupos mineiros oitentistas, como Sepultura e Mutilator, o Overdose tamb�m beberia daquela fonte. "Esses discos influenciaram minha carreira e serviram de inspira��o para riffs e composi��es. No ‘S�culo XX’ (split com ‘Bestial devastation’, do Sepultura, de 1985), a gente traz a ‘Anjos do Apocalipse, com influ�ncia de Mercyful Fate, Maiden e Judas, mas tamb�m a faixa-t�tulo e ‘Filhos do Mundo’, com uma pegada mais Slayer e um pouco de Metallica. Mais para frente, o Overdose teria uma fase mais mel�dica, mais heavy tradicional e prog e depois voltaria a ‘pesar mais’ com o ‘Circus of death’ (1992), com influ�ncias desses dois discos. A faixa ‘Good day to die’ � bem baseada no ‘Show no mercy’, e a ‘Violence’ tem um qu� de Metallica”, declara Claudio.



Cr�tico musical e apresentador do programa Alto-Falante, da Rede Minas, Terence Machado evidencia o quanto Metallica e Slayer, por meio de seus debutes, “criaram caminhos, mostraram muitas novas possibilidades a todos os outros artistas que seguiriam por esses caminhos, musical e mercadologicamente falando”. “Foram uma esp�cie de Beatles nesse segmento”, pontua. “O que de fato aconteceu � que esses dois grupos extrapolaram muito o que est�vamos preparados a digerir em termos de som pesado”, completa.

Al�m do som, os dois cl�ssicos – cada um deles composto de dez faixas – serviram de espelho em outras frentes. “Influenciaram muito na atitude, na est�tica e em frases do tipo: ‘Fodam-se! Morte aos cuz�es!’. BH era o lugar que tinha mais boys e crentes por metro quadrado, e esse tipo de atitude mudou muita coisa por aqui. Durante muito tempo, a est�tica grotesca do metal fez muita gente atravessar a rua para n�o cruzar com a gente”, recorda Korg.


Gera��es


O impacto de “Show no mercy’ e “Kill ‘em all” em terras mineiras n�o se restringiu �quela d�cada e atravessou gera��es. Nos anos posteriores, v�rios m�sicos e grupos de BH e outras cidades pediriam “ben��o” a James Hetfield (vocalista e guitarrista do Metallica) e a Kerry King (guitarrista do Slayer) para cunharem suas pr�prias obras. � o caso de Alan Wallace, de 50 anos, guitarrista do Eminence, banda nascida em 1995 e que traz um som pesado e cheio de grove, com nuances mais modernas. “Aprendi muito com ‘Show no mercy’ e ‘Kill ‘em all’, principalmente a t�cnica da palhetada para baixo. James Hetfield, Jeff Hanneman (guitarrista do Slayer; 1964-2013) e Kerry King s�o muito criativos. Os riffs deles s�o agressivos e r�pidos. Acredito que n�o somente o metal mineiro como o metal mundial foram influenciados pelos �lbuns do Slayer e Metallica”, diz.

Fernando Lima, vocalista do grupo de death/thrash Drowned, engendrado em 1998, tamb�m reconhece o valor dos “pais do thrash” na concep��o de sua arte. “Direta ou indiretamente, influenciaram o que fazemos. Os dois �lbuns s�o bem crus, empolgantes e com sinceridade no som. E s�o muito bem tocados tamb�m, muito bem executados, e isso tem a ver com o Drowned”, comenta para, em seguida, recordar da primeira vez em que os ouviu. “Foi na casa de um colega de escola. Achei bem porrada e agressivo. Gostei mais do ‘Kill’ naquele momento. Gostei tanto que ganhei o disco, e ele quase furou de tanto que escutei.”



Baixistas


Daniel Tulher, de 28 anos, v� na figura de Tom Araya, vocalista e baixista do Slayer, o exemplo-mor para desempenhar os mesmos papeis � frente dos thrashers do Payback, surgido no in�cio da �ltima d�cada. “Sempre me inspirei em frontman que toca, canta e com grande performance. O Tom � animal. N�o tem tanto carisma para falar com as pessoas, como o James, mas possui um vocal caracter�stico tamb�m. S�o dois monstros que me influenciaram bastante.”

Por sua vez, a baixista do grupo de death metal Divine Death e ex-integrante das bandas Chuck, Insurrection e Vector Underfate, Mallu Andrade, ressalta o quanto Cliff Burton (1962-1986), baixista dos tr�s primeiros �lbuns do Metallica (“Kill ‘em all”, “Ride the lightning”, de 1984, e “Master of Puppets”, de 1986), representou para ela. “Era um mestre extraordin�rio, talentoso, muito t�cnico, um cara que era s� elogios. Influenciou muitas pessoas, musicistas, f�s, teve uma contribui��o imensa no metal. Acredito que influencia at� hoje, e sou uma dessas pessoas. ‘Anesthesia’ (quinta faixa de ‘Kill ‘em all’, instrumental com distor��o no baixo) � a grande obra dele. Era uma conversa entre ele e o instrumento. O melhor baixista de todos os tempos.”

Bateria


Os bateristas Dave Lombardo, do Slayer, e Lars Ulrich, do Metallica, tamb�m s�o exaltados por musicistas das Gerais, tanto pelo trabalho efetuado nas estreias de suas respectivas bandas como no decorrer de suas carreiras. “Me inspiram bastante na forma de tocar bateria, principalmente em aprender a t�cnica do skank beat (estilo de tocar presente no thrash), de forma r�pida e definida. O Dave � uma das minhas maiores influ�ncias para tocar thrash, e o Lars � sempre criativo, com suas viradas matadoras e grooves marcantes”, enfatiza Lu Diniz, de 34 anos, da rec�m-formada banda de thrash punk Subversa e ex-integrante de Last Conscious e The Damnnation.

Quem endosso o coro � o batera do grupo de doom/death Inventtor, Alan Souza, de 33 anos. “O Lars, nos quatro primeiros discos do Metallica, foi um puta baterista, principalmente no ‘...And justice for all’ (1988), com muito ritmo e tocando muito pesado. Nos meus primeiros contatos tocando bateria, eu queria que soasse como a bateria do Lars. Eu ainda n�o tinha no��o que tinha ali uma produ��o. Do Slayer, tocava ‘Die by the sword’ (terceira faixa de ‘Show no mercy’) com 12 ou 13 anos de idade. Foram discos essenciais para bateristas tamb�m”, conta o dono das baquetas da banda formada em 2008.

Tecladista


Mesmo que os primeiros registros de Slayer e Metallica n�o tenham sequer uma nota de teclado, um tecladista pode ser influenciado por eles? Sim, pode! Mesmo que n�o diretamente. Guilherme Alvarenga, de 35 anos, do Paradise in Flames e D.A.M, ambas bandas que re�nem death metal e outros elementos em sua ess�ncia, explica. “A inspira��o desses discos, por eu ter tido menos contato com suas ra�zes, foram mais no n�vel de querer uma sonoridade mais ‘speed’. Eu ouvia Blind Guardian (banda alem� de power metal) e percebia que eram as mesmas escalas, a mesma ideia na bateria. Uma influ�ncia indireta. Como tecladista, o teclado faz coisas um pouco diferentes do que acontece na guitarra e no baixo. Mas tem uma m�sica do Paradise in Flames, que se chama ‘Blurred faith’, com um som de piano que � meio thrash metal, umas ‘palhetadas’, uma t�cnica de tr�s dedos, uns arpejos meio crom�ticos, com um pouco mais dessa vibe. N�o enxergo uma influ�ncia direta, � mais a inspira��o do momento.”
 
Metallica

Metallica

Reprodu��o
 
 
“KILL ‘EM ALL”
Metallica
Megaforce Records (10 faixas)
Gravado em maio e lan�ado 
em julho de 1983
 
Slayer

Slayer

Reprodu��o
 
 
“SHOW NO MERCY”
Slayer
Metal Blade Records (10 faixas)
Gravado em novembro e lan�ado 
em dezembro de 1983 
 

Faixas s�o cl�ssicos de setlists  

 
Gravado em maio de 1983 e lan�ado em 25 de julho daquele ano, “Kill ‘em all” emplaca v�rias de suas m�sicas nos setlists da banda at� hoje. No �nico show at� hoje do Metallica em BH, em 12 de maio de 2022, no Mineir�o, James Hetfield mencionou o fato de a banda estar na “terra do Sepultura” e por isso o p�blico ser “t�o louco”, antes de executar “Seek and destroy”, cl�ssico do primeiro �lbum. 
Quarenta anos depois, essas faixas est�o no repert�rio da turn� de “72 seasons” (2023). A obra do Slayer, que fez seu �ltimo show em 30 de novembro de 2019, continua sendo revisitada por artistas de v�rios cantos do mundo.

 
“Acho muito interessante quando a banda p�e um ponto final na carreira, ainda entregando uma performance incr�vel no palco e sendo cultuada por milhares de f�s. E � louv�vel a banda entender que era melhor parar ali em vez de descer ladeira e n�o terminar de forma n�o t�o gloriosa”, diz o cr�tico Terence Machado. 
 
"Por outro lado, o Metallica mostra ter g�s. Lan�ou neste ano um disca�o. Virou uma banda de thrash metal de arena, mas extrapolando a barreira do thrash. N�o tem um caminho melhor ou pior. O pior seria uma banda n�o entender o in�cio de uma poss�vel decad�ncia e mesmo assim continuar. N�o s�o os casos de Metallica e Slayer”, acrescenta.