O escritor  Felipe Charbel

Professor da UFRJ, Felipe Charbel � o convidado do Sempre um Papo, hoje, que ter� media��o do jornalista Carlos Marcelo

Ieda Magri/Divulga��o

Biografia especulativa. � assim que o professor e escritor carioca Felipe Charbel define “Saia da frente do meu sol”, seu mais recente livro, lan�ado pelo selo Contempor�nea, da editora Aut�ntica.

Partindo de mem�rias da juventude, per�odo em que o tio-av� Ricardo morou na casa de seus pais, Charbel constr�i uma narrativa que tenta desvendar a vida desse homem soturno, que vivia no quartinho dos fundos da casa, de onde raramente sa�a.

Diagnosticado com s�filis neurol�gica, Ricardo tinha problemas para andar. Arrastava-se pela casa e, pela dificuldade de se locomover, n�o conseguia ir ao banheiro, de modo que carregava consigo um balde onde urinava.

“O cheiro de tio Ricardo era uma morrinha dif�cil de suportar, combina��o de mijo, nicotina, suor e abandono”, escreveu Charbel.

“H� 10 anos penso em escrever essa hist�ria”, afirma o escritor ao Estado de Minas. “O que me dei conta logo cedo � que eu n�o tinha tantos elementos para escrever uma hist�ria que fosse fundamentada do jeito que um historiador e bi�grafo convencional faria (Charbel � historiador). Optei, ent�o, por uma biografia especulativa, que, embora seja uma narrativa verdadeira, tem sempre um elemento ficcional presente”, conta.

Nesta quarta-feira (26/7), o escritor � o convidado do projeto Sempre um Papo, que ser� realizado na Livraria Quixote, com media��o do jornalista Carlos Marcelo, diretor de reda��o do Estado de Minas. 
 
Ricardo, tema do livro de Felipe Charbel

Ricardo, tio-av� de Felipe Charbel: a vitalidade nas fotos antigas contrastava com a melancolia do homem que o escritor conheceu

Acervo pessoal
 

O 'solteir�o convicto'

Mais do que expor a vida do tio agregado � rotina dom�stica, “Saia da frente do meu sol” tra�a um panorama de como a homossexualidade era tratada pelas fam�lias entre as d�cadas de 1970 e 1990. 

Em casa de Charbel, todos sabiam que Ricardo era gay, mas ningu�m aceitava esse fato como natural. Diziam que ele era um solteir�o convicto, que chegou a ter um noivado com uma mo�a e que era bo�mio quando jovem.

Faziam coment�rios maldosos, como “ele � amigado dos cantores e artistas”, “tinha o h�bito de sair de casa na sexta-feira e voltar s� no domingo” e “se dava muito bem com os malandros da Lapa” – por muito tempo, o bairro bo�mio carioca abrigava pens�es para que casais gays pudessem manter rela��es sexuais.

“S�o frases que n�o diziam nada, mas, ao mesmo tempo, diziam muita coisa nas entrelinhas, pelo tom em que eram ditas. Era como se o tio Ricardo estivesse fazendo algo conden�vel”, lembra Charbel.

Ricardo, por sua vez, n�o ousava se declarar gay para a fam�lia. Sua alternativa foi se calar e se fechar dentro de seu pr�prio mundo, at� o fim da vida.

No tempo em que o tio morou com Charbel, foram raras as vezes que os dois conversaram. Normalmente, eram poucas palavras trocadas, como um “bom dia” ou “boa noite”. E, mesmo assim, nas primeiras horas da manh�, quando Charbel chegava b�bado das festas de faculdade e Ricardo j� estava acordado, lavando a lou�a do dia anterior que a fam�lia havia deixado na pia. 

'� uma vida �nica - toda vida �, obviamente -, mas � tamb�m a vida de muita gente naquela �poca. Pessoas que n�o podiam se colocar no ambiente familiar como queriam por conta dos preconceitos, por conta da homofobia. Ent�o eu pensei que por meio dessa hist�ria muita gente que viveu isso compreende que essa situa��o � insustent�vel'

Felipe Charbel, escritor


Descoberta

Charbel s� come�ou a se dar conta de que o tio era gay quando descobriu fotos antigas de Ricardo. Sempre acompanhado de homens e, em algumas delas, tocando com mais intimidade outro corpo masculino. “A� que eu fui ligando os pontos”, comenta o escritor. 

Foi a partir dessas fotos que Charbel passou a especular mais sobre a vida do tio e decidiu imaginar como teria sido a juventude dele. O que mais lhe chamou a aten��o nem era tanto o fato de Ricardo ser homossexual, mas sim a vitalidade que  ele exibia nas fotos, que contrastava com a figura melanc�lica que ele conheceu em casa.
 
Ricardo, tema do livro de Felipe Charbel, e amigo na praia

Ricardo e amigo na praia: fotps reveladoras inspiraram o sobrinho-neto a escrever 'Saia da frente do meu sol'

Acervo pessoal
 

Contrariando todos os historiadores, Charbel n�o foi atr�s de dados e depoimentos de quem conviveu com o tio. Preferiu especular. “Mas deixei isso claro para o leitor desde o in�cio, como se fosse um pacto para dizer: ‘Olha, tem muita coisa que eu estou imaginando a partir dos dados que tenho’”, afirma.

“� uma vida �nica – toda vida �, obviamente –, mas � tamb�m a vida de muita gente naquela �poca. Pessoas que n�o podiam se colocar no ambiente familiar como queriam por conta dos preconceitos, por conta da homofobia. Ent�o eu pensei que por meio dessa hist�ria muita gente que viveu isso (seja tendo atitudes preconceituosas ou sendo reprimidas pelo preconceito dos familiares) compreende que essa situa��o � insustent�vel”, diz.
 

Di�genes e Ricardo

Em seu perfil de tio Ricardo, Charbel o compara com o fil�sofo grego Di�genes, de S�nope. Da� inclusive vem o t�tulo do livro. Reza a lenda (narrada por um outro fil�sofo, chamado Di�genes La�rcio) que Alexandre, o Grande, um grande admirador do fil�sofo de S�nope, chegou a conhec�-lo pessoalmente. 

Na ocasi�o, Di�genes (o de S�nope) estava tomando sol numa pra�a p�blica, quando o imperador se apresentou: “Sou Alexandre, o Grande, diante de mim prostram-se os reinos, eu sou possuidor de muitas riquezas”.

Com sua habitual firmeza, Di�genes respondeu: “Eu sou Di�genes, e isto me basta”. Alexandre ainda tentou estabelecer algum tipo de rela��o com Di�genes, dizendo que ele poderia pedir o que quisesse. O fil�sofo, por sua vez, teria respondido: “N�o me fa�as sombra. Saia da frente do meu sol”.

N�o se sabe se o encontro ocorreu de fato. E, caso tenha ocorrido, se foi como narrado. Fato � que Di�genes entrou para a hist�ria como um personagem de humor �cido e respostas afiadas, o que bastou para Charbel.

“O que me levou a associar o tio Ricardo ao Di�genes foi o humor”, comenta o escritor. “Tio Ricardo tinha um mau humor t�o forte que chegava a ser engra�ado. Depois, fui fazendo outras analogias, pensando no modo de vida dele e no do fil�sofo. No fim das contas, ‘o sai da frente do meu sol’ quer dizer que ele se contenta com muito pouco, mas vai brigar para ter esse pouco”, conclui o escritor.

Capa do livro Saia da frente do meu sol

Capa do livro Saia da frente do meu sol

Aut�ntica/reprodu��o
“SAIA DA FRENTE DO MEU SOL”

• Felipe Charbel
• Aut�ntica Contempor�nea (136 p�gs.)
• R$ 59,90
Lan�amento nesta quarta-feira (26/7), a partir das 19h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi). Em seguida, o autor autografar� o livro. Entrada franca. Mais informa��es: (31) 3227-3077 e no Instagram @quixotelivraria.