Com tri�ngulo amoroso, "Passagens" faz um sensual ensaio sobre o desejo
Longa do americano Ira Sachs com roteiro do brasileiro Maur�cio Zacharias estreia nesta quinta (17/8) nos cinemas; diretor conta como filmou as cenas de sexo
Franz Rogowski (� esq.) interpreta o cineasta Tomas, que � casado com o editor Martin (Ben Whishaw); o casal vive em Paris
Fotos: Mubi/Divulga��o
"Os limites (para as cenas de sexo), que nunca considerei ultrapassar, foram estabelecidos pelos atores. A fronteira est� a�. Acho que isso � realmente o mais importante para um diretor em um set: escolho a posi��o, e eles (os atores) imp�em ou aceitam. Para mim, quando se trata de sexo no cinema, minha fun��o � aceitar"
Ira Sachs, cineasta
O amor - e o que deriva dele, seja �dio, paix�o, desprezo ou amizade - � um tema central na obra do cineasta norte-americano Ira Sachs. Ele abordou o envelhecimento a partir da separa��o for�ada de um casal gay por causa de quest�es econ�micas em “O amor � estranho” (2014). Com um tratamento ora c�mico, ora dram�tico, falou das agruras das rela��es falidas em “Vida de casado” (2007).
Seja qual for o contexto, o resultado � sempre inesperado. Com estreia nesta quinta-feira (17/8) nos cinemas, “Passagens”, novo filme de Sachs, apresenta uma vis�o sensual, emocional e incrivelmente honesta do desejo.
O cen�rio � Paris, onde vivem o cineasta Tomas (Franz Rogowski) e o editor Martin (Ben Whishaw). Os dois est�o juntos h� muito tempo e, assim que o primeiro termina de rodar seu mais recente filme, d� in�cio a um relacionamento com a professora Agathe (Ad�le Exarchopoulos).
Os encontros de Tomas e Agathe – e os desencontros de Tomas e Martin – s�o uma explora��o �ntima do amor e do poder. Com cenas de tirar o f�lego, o cineasta cria um tri�ngulo ca�tico, em que o ego�smo do protagonista impacta todos � sua volta. O t�tulo, “Passagens”, remete � maneira com que os personagens se relacionam, onde nada � definitivo.
Na entrevista a seguir, Sachs fala desta transi��o dos personagens, da import�ncia dos corpos para a sua hist�ria, de cinema e da parceria com o brasileiro Maur�cio Zacharias, que pela quinta vez divide com ele o roteiro de um longa-metragem. Puritano como bom americano, conforme Sachs diz, a liberdade que vem dos brasileiros � essencial para o seu cinema.
Depois de concluir a rodagem de um filme, Tomas inicia um relacionamento com a professora Agathe (Ad�le Exarchopoulos), simult�neo ao seu casamento
“Frankie” (2019), seu filme anterior, foi rodado em Sintra, Portugal. J� “Passagens” foi filmado em Paris. Voc� se cansou dos Estados Unidos?
Bem, um pouco, mas estou voltando para l�. Vivi no �ltimo ano no Equador. Na verdade, tenho hist�rias que ser�o mais bem contadas em outros lugares. Tamb�m houve a quest�o do financiamento, que encontrei em outros lugares que n�o nos Estados Unidos. Ent�o foi uma combina��o pr�pria da vida: paix�o e dinheiro.
Vamos falar de Paris. O que � melhor no fato de rodar em um lugar que n�o � exatamente seu?
Paris � um lugar onde tive um monte de experi�ncias. Um lugar onde tive relacionamentos, t�rminos, sexo, l�grimas. Uma boa parte da minha vida foi em Paris. Isto me permite uma familiaridade e uma intimidade com a cidade, o que fez com que filmar l� fosse muito natural. N�o cheguei a pensar nisso em momento algum. Eu s� estava l�.
Li em uma entrevista que “Passagens” foi influenciado pelo �ltimo filme de Luchino Visconti, “O inocente” (1976). Ter um protagonista bissexual (o que n�o � o caso do filme do diretor italiano) sempre esteve em seus planos?
Vi o filme de Visconti pela segunda vez h� cerca de quatro anos e fiquei realmente atra�do pelo tri�ngulo no centro da hist�ria. Explorar o que � ser um homem com poder que quer sempre mais me interessou muito, pois � como sempre ter uma lacuna entre o que voc� tem e o que deseja.
E acho que o drama pode ser encontrado bem nessa lacuna. Na verdade, quando voc� usa o termo (bissexual), ele n�o parece familiar para o filme que fiz, porque para a gera��o que retrato, os r�tulos n�o funcionam.
� verdade, n�o � a minha gera��o.
Nem a minha. Se este filme tivesse sido feito em outra �poca, voc� teria uma hist�ria diferente e estaria realmente falando sobre identidade e mudan�a. Mas com estes tr�s atores e estes personagens, isto � apenas parte do filme.
Tomas � autocentrado, narcisista, quase um sociopata. � mais complicado que o p�blico se conecte com um protagonista t�o dif�cil, n�o?
Filmes s�o feitos de conflitos e estes podem ser feitos de fantasia. Ent�o, Tomas � algu�m que voc� pode considerar repulsivo, mas ele � como um deus. Ele realiza os desejos do p�blico. Ele faz coisas que n�o deveriam ser feitas.
(Durante o processo do filme) Falamos muito sobre James Cagney, especialmente sobre “Inimigo p�blico” (1931) e “F�ria sanguin�ria” (1949). Em ambos, Cagney faz o sociopata mais carism�tico que se possa conhecer. Acredito que, de certa maneira, filmes permitem que voc� veja os seus desejos projetados de forma extremada.
O corpo - ou o movimento dos corpos, por vezes quase como uma dan�a - � muito presente no filme. O fato de Franz Rogowski ser tamb�m bailarino o influenciou na escolha dele para o papel de Tomas?
Eu o vi pela primeira vez no filme “Happy end” (2017), de Michael Haneke. H� um momento em que ele canta, em um karaok�, a m�sica “Chandelier”, da Sia. Quando vi aquela sequ�ncia, vi que ele era como uma fera do cinema.
Queria fazer alguma coisa com ele, ter uma rela��o com ele atrav�s do cinema. Franz n�o se considera um bailarino, v� o pr�prio corpo como uma escultura. Para ele, � por meio deste corpo que ele expressa a pr�pria linguagem.
Isto � muito interessante para um diretor porque � um processo intelectual, mas tamb�m instintivo. Existe ali um n�vel de consci�ncia do que o corpo pode fazer e dizer. Ent�o todo o filme � sobre o corpo.
E Tomas est� constantemente em movimento.
O filme est� sempre em movimento, n�o tem come�o nem fim. E cada cena � semelhante. A experi�ncia � que voc� sente que faz parte de algo, mas n�o sabe como chegou l�.
“Passagens” traz muitas cenas de sexo que, acredito, exigiram intimidade dos atores com os pr�prios corpos e com os de seus parceiros. Como voc� filmou as sequ�ncias?
Toda a base est� na confian�a que havia entre n�s. Os limites, que nunca considerei ultrapassar, foram estabelecidos pelos atores. A fronteira est� a�.
Acho que isso � realmente o mais importante para um diretor em um set: escolho a posi��o, e eles (os atores) imp�em ou aceitam. Para mim, quando se trata de sexo no cinema, minha fun��o � aceitar.
Houve muito ensaio para as sequ�ncias?
Nada foi ensaiado. O que existe � o limite entre onde estar�o os corpos e a c�mera. Eu s� defino onde eles estar�o. O que acontecer� entre aqueles corpos ser� uma descoberta.
Como brasileira tenho que te perguntar sobre a parceria com Maur�cio Zacharias. J� s�o cinco filmes juntos, certo?
Conheci Mauricio atrav�s da colabora��o dele em “O c�u de Suely” (2006), do Karim A�nouz, um filme que adorei. Ent�o estava interessado no trabalho dele antes de conhec�-lo.
Nos conhecemos, ali�s, gra�as � (cineasta) Sandra Kogut, que vivia em Nova York. Nos vimos pela primeira vez em um brunch na casa da Sandra.
Come�amos a conversar sobre nossas vidas e o cinema, e � o que continuamos a fazer at� hoje, 12 ou 13 anos depois. � como um relacionamento rom�ntico, j� que n�o h� limites.
Como se d� a din�mica entre voc�s?
Estabelecemos um protocolo bastante particular. Conversamos sobre um filme e os personagens durante meses, criamos um esbo�o bastante detalhado e ele escreve a primeira vers�o.
Isto pode levar de quatro meses a um ano. Esta primeira vers�o � o que considero o trabalho mais pesado, j� que ele encara as p�ginas em branco. Depois, quando temos a primeira vers�o, �s vezes uma segunda, lentamente ele vai se tornando o meu roteiro. Ou seja, a gente come�a junto, o Maur�cio cria do nada e eu pego o que ele criou e torno isso meu.
Est�o trabalhando em um novo projeto?
Estamos e est� uma del�cia. Ele � uma das grandes pessoas que conhe�o, � padrinho do meu filho. N�s temos o mesmo senso de humor, que � o que torna este trabalho poss�vel.
Acho que o Maur�cio tem uma qualidade especificamente brasileira que prezo muito. Tem a ver com certo tipo de liberdade. Sou um norte-americano, ent�o sou puritano.
O Maur�cio tem uma liberdade que � muito significativa. A prop�sito, tamb�m tenho um relacionamento muito longo com um montador brasileiro, Affonso Gon�alves. J� fizemos seis filmes juntos. Tenho muitos brasileiros na minha vida.
“PASSAGENS”
• (Fran�a/Alemanha, 2023, 91 min.) De Ira Sachs. Com Franz Rogowski, Ad�le Exarchopoulos e Ben Whishaw. • Estreia nesta quinta (17/8) nos cines Centro Cultural Unimed-BH Minas 1, �s 18h30; Ponteio 4, �s 16h25 (sex e sab) e 18h40 (qui, dom a qua); UNA Cine Belas Artes 3, �s 20h20.
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