Fotografia de Afonso Pimenta mostra moradores do Aglomerado da Serra em festa de aniversário infantil

Fotografia de Afonso Pimenta, do projeto "Retratistas do morro", realizado no Aglomerado da Serra, que participa da feira paulistana

Afonso Pimenta/divulga��o

Olhar com aten��o para a arte produzida em v�rios estados do Brasil. Com esta proposta, a feira SP-Arte Rotas Brasileiras chega agora � segunda edi��o, num contexto em que os colecionadores, as galerias e os museus abra�aram a diversidade de artistas que compram, representam ou exp�em. Se h� alguns anos era constrangedor exibir um elenco formado s� por artistas brancos, agora � definitivamente proibido, motivo de cancelamento.

 

Os n�meros d�o a dimens�o da perda de prest�gio da arte eurocentrada. Na feira, que ocupa o pavilh�o da Arca, em S�o Paulo, a partir desta quarta (30/8), cerca de 40% dos artistas expostos nas 70 galerias participantes s�o n�o brancos, de acordo com dados do evento.

 

Na semana seguinte, a Bienal de S�o Paulo, a principal mostra de arte do pa�s, abre sua 35ª edi��o com uma sele��o numerosa de artistas ind�genas e negros, muitos deles do Sul Global, compondo o que � provavelmente a bienal menos branca desde que o evento come�ou a ocorrer.

 

"A gente n�o est� buscando bater recordes de artistas n�o brancos, mas a pr�pria tem�tica da feira conduz as galerias a este caminho. Nos �ltimos anos ficou clara tamb�m a qualidade da produ��o desses artistas", afirma Fernanda Feitosa, a diretora e fundadora da SP-Arte.

 

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Para Feitosa, a virul�ncia dos governos de Jair Bolsonaro no Brasil e de Donald Trump nos Estados Unidos, assim como o movimento Black Lives Matter, aceleraram a entrada de artistas n�o brancos no circuito.

 

"Tem algumas horas em que voc� precisa se posicionar. Deste mesmo n�o teremos mais, em rela��o a Bolsonaro e acho que no mundo todo. Tem uma minoria ruidosa que esperneia, e ela � violenta e agressiva e verborr�gica. Parece que ela domina a narrativa, mas ela n�o domina", ela diz, em rela��o aos apoiadores do ex-presidente.

Aglomerado de BH

Quem for � feira na Arca deve ver o discurso inclusivo materializado em obras. A galeria Verve, por exemplo, apresenta tr�s artistas negros, Ana Beatriz Almeida, Shai Andrade e Mois�s Patr�cio, com fotografias e pinturas que giram em torno do tema da fam�lia. A GDA, Galeria de Artistas, traz � capital paulista uma sele��o de retratos do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, feitos por Afonso Pimenta e Jo�o Mendes.

 

Em nova participa��o na feira, o estande dos Bancos Ind�genas do Brasil mostra mobili�rio produzido por povos do Xingu, como os banquinhos em forma de tamandu�, anta e on�a – e que vendem muito bem, segundo Feitosa.

 

Cerca de 35% dos expositores da Rotas Brasileiras s�o de fora de S�o Paulo, como � o caso do estande do Sert�o Negro, escola e resid�ncia art�stica comandada por Dalton Paula nos arredores de Goi�nia que almeja se tornar celeiro de novos artistas. 

 

Ao todo, h� 11 estados representados no evento, que se orgulha de ser menor e menos internacional em rela��o � sua feira-m�e, a SP-Arte, que ocorre todos os anos em mar�o ou abril e � focada em artistas estrelados.

 

O ajuste no foco expositivo do global para o local se traduz tamb�m no t�quete m�dio dos colecionadores, entre R$ 150 mil e R$ 250 mil em compras, valor abaixo do gasto na SP-Arte principal, de acordo com Feitosa.

 

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Lina Bardi, Heitor dos Prazeres e Andujar

� claro, a Rotas Brasileiras ganha for�a com a participa��o de algumas das casas mais ricas do mercado, como a Almeida & Dale, com um solo de Heitor dos Prazeres, e a Gomide & Co, que apresenta uma edi��o in�dita de duas pe�as de mobili�rio de Lina Bo Bardi, a “Poltrona sertaneja”, projetada em 1960 para o Museu de Arte Moderna da Bahia, e a "Cadeira Sesc", desenvolvida em 1982 para o Sesc Pompeia, em S�o Paulo.

 

Outra das poderosas, a galeria Vermelho trar� fotos de Eust�quio Neves e uma s�rie de imagens menos vista da fot�grafa Claudia Andujar. 

 

Sem título, quadro pintado por Heitor dos Prazeres

Detalhe do quadro pintado por Heitor dos Prazeres, exposto na SP-Arte pela galeria Almeida & Dale

Sergio Guerini/ Almeida & Dale

 

J� a Fortes D'Aloia & Gabriel preparou um estande inteiro de obras in�ditas de Erika Verzutti, certamente um dos nomes mais internacionais da feira. S�o pe�as coloridas de cer�mica produzidas em colabora��o com a Ceramica Suro, de Guadalajara, no M�xico, exibidas num museu na capital desse pa�s.

 

"S�o trabalhos muito influenciados pela f�brica onde foram feitos. As torres incorporaram a superf�cie lisa e gostosa de lou�as de cozinha, de uma pia, ou de um elemento vazado de arquitetura, o cobog�. J� os azulejos s�o crespos, amassados por v�rias m�os, aprendendo e quebrando as regras da produ��o de uma f�brica de artesania", conta a artista.

 

Esta edi��o da feira acontece poucos dias antes do in�cio da Bienal de S�o Paulo, mostra que ouri�a o mundo da arte e estimula a abertura de exposi��es em boa parte das galerias e das institui��es da cidade. Para o marchand Alexandre Gabriel, um dos s�cios da Fortes D'Aloia & Gabriel, a Rotas Brasileiras deve ter um punhado de convidados internacionais da bienal circulando pelos corredores, o que vai dar �s galerias mais visibilidade para curadores, colecionadores e profissionais de museus de fora do pa�s.

Acabou a 'guerra' 

O engarrafamento de eventos de arte em S�o Paulo no segundo semestre ocorre num contexto em que a cultura deixou de ser uma arma na guerra cultural, como foi durante os quatro anos da presid�ncia de Bolsonaro, e volta a ser valorizada pelo Estado, gra�as � refunda��o do Minist�rio da Cultura e � reativa��o da Lei Rouanet pelo governo de Luiz In�cio Lula da Silva.

 

Em paralelo, a imagem do pa�s no exterior est� positiva. "O Brasil passou por um per�odo de desmonte nas pol�ticas p�blicas de fomento � cultura, e 2023 representa um renascimento para o setor", afirma Ian Duarte, um dos s�cios da galeria Verve. "O mundo volta a olhar para n�s e celebra este novo momento de pa�s."