'Tire 5 cartas' tenta manter a lucrativa chama da com�dia nacional
Estrelado por Lilia Cabral e Stepan Nercessian, filme de Diego Freitas sobre cantora que vira cartomante busca ressuscitar as boas bilheterias de tempos atr�s
Lindoval (Stepan Nercessian) e F�tima (Lilia Cabral), o casal de vigaristas do filme "Tire 5 cartas"
Europa Filmes/divulga��o
“Tire 5 cartas” � mais uma tentativa de ressuscitar a com�dia brasileira, g�nero de enorme sucesso desde o in�cio do s�culo e cuja morte coincide em linhas gerais, e n�o por acaso, com a morte de Paulo Gustavo.
Em um momento hostil ao cinema em geral e ao brasileiro em particular, o filme parece se perguntar o que, afinal, o espectador brasileiro gostaria de ver. Na d�vida, atira para todo lado: a com�dia, o musical, o filme fant�stico, com�dia dram�tica.
Ali, F�tima, papel de Lilia Cabral, � a mulher que h� muito trocou S�o Lu�s do Maranh�o pelo Rio de Janeiro, na esperan�a de se tornar cantora famosa. N�o consegue: virou cartomante que se vira com pequenas vigarices, ajudada por Lindoval, vivido por Stepan Nercessian, seu marido, que se apresenta em shows mambembes como cover de Sidney Magal.
Nisso, ela � envolvida na trama de um precioso anel, roubado por dois malandros e lhe entregue por engano pelo malandro menos esperto. Obrigada a voltar para S�o Lu�s, F�tima encontrar� a irm�, que havia renegado d�cadas atr�s.
O reencontro com a fam�lia, sobretudo a irm�, com quem teve e ainda tem enormes rixas, se d� em uma pens�o onde se re�nem personagens que, em linhas gerais, poderiam ser personagens de algum seriado c�mico do canal Multishow.
A com�dia brasileira das primeiras d�cadas deste s�culo se apoiava na est�tica vinda da Rede Globo, da� o apelido de “globochanchadas”. A proximidade com o estilo Globo, de narra��o, mas tamb�m est�tico, era uma esp�cie de garantia pr�via.
Essa seguran�a n�o existe mais. A pr�pria Globo hoje tateia o terreno todo o tempo em busca de tramas, atores e est�tica capazes de atrair o p�blico. J� n�o existe um padr�o a seguir ou do qual se aproximar.
Da� se explica essa esp�cie de salada de g�neros, em que o diretor Diego Freitas parece preferir trabalhar na linha menos histri�nica, embora se submeta ao gosto consagrado do espectador brasileiro pelo histrionismo.
E, com efeito, � quando um fantasma vem assombrar a simp�tica leitora de cartas – por momentos, uma esp�cie de “Ghost” reciclado e com um qu� de “Dona Flor e seus dois maridos” – que talvez o filme chegue a seus melhores momentos.
Mas, como � preciso se garantir por todos os lados, o filme lan�a m�o at� de participa��es especiais sem muito sentido de Alcione e Sidney Magal. Magal, ali�s, aparece por alguns segundos apenas.
Em suma, “Tire 5 cartas” participa dessa categoria de filmes, chamados hoje de “grande bilheteria”, que, se conseguirem chegar efetivamente a obter boa frequ�ncia nas salas, significa que captaram o “ar do tempo”.
Pode ser, no caso, a vigarice (estelionatos n�o faltam no pa�s, no momento), a m�sica rom�ntica, o samba, a interven��o do fant�stico (certa espiritualidade) ou do destino (o enriquecimento m�gico que as cartas de F�tima tanto prometem � sua insegura freguesia) ou, finalmente, o encontro com uma fam�lia originalmente esfacelada. Como dir� a pr�pria F�tima, “fam�lia para mim � fam�lia aberta”.
O que significa, por um lado, o surgimento de uma comunidade unida pelo afeto e pelas afinidades, e por outro acena para um certo progressismo que passa pelo acolhimento a gays e transg�neros, pelo reencontro com irm�os com quem duelamos desde o ber�o, por vi�vas que podem se casar e ser felizes e etc.
Este pode ser um vi�s um tanto arriscado. Mas � t�o arriscado quanto descobrir o futuro nas cartas ou nos signos: para o cinema que aspira ao grande p�blico n�o h� alternativa que n�o seja arriscar.
Cota, greve e streaming
Se der certo, pode inaugurar um novo ciclo de sucessos e se tornar um fen�meno realmente significativo. Caso contr�rio, n�o ser� nada, o que � infelizmente bem mais prov�vel, seja porque os espectadores est�o pregui�osos desde a pandemia (e do streaming), seja porque o Minist�rio da Cultura n�o move um dedo para restabelecer a cota de tela capaz de minimamente permitir aos filmes brasileiros que concorram com os filmes de Hollywood.
Se o parafuso der ainda outra volta, pode-se pensar que filmes como este podem come�ar a ocupar o lugar de produ��es de Hollywood, agora empacadas com a greve de atores. Se der ainda outra, n�o � imposs�vel que o p�blico, acostumado aos filmes – em geral ruins – do confort�vel streaming, contente-se com isso e desencane de vez da ideia de ir assistir a filmes em salas.
Para resumir: cinema est� longe de ser um neg�cio simples.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine