Juscelino Kubitschek e dona Sarah com as filhas Márcia e Maristela

Juscelino Kubitschek e dona Sarah com as filhas M�rcia e Maristela, cuja ado��o ser� tema da s�rie da Funda��o Padre Anchieta

Eug�nio Silva/O Cruzeiro/ Arquivo EM/D.A Press/1955

Uma coincid�ncia reuniu mineiros ilustres em Diamantina em julho de 1971. M�sicos do Clube da Esquina estavam na cidade com o fot�grafo Juvenal Pereira para retratos que seriam publicados na revista O Cruzeiro. De repente, encontraram Juscelino Kubitschek (1902-1976), que voltava � sua terra natal para uma reportagem de outra revista influente naquele per�odo, a Manchete.

JK tinha deixado a Presid�ncia da Rep�blica havia mais de uma d�cada e, persona non grata para a ditadura militar, n�o exercia cargo p�blico �quela altura. Continuava, entretanto, com a popularidade em alta e era visto com admira��o pelos jovens Milton Nascimento, Fernando Brant, L� e M�rcio Borges, a parte do Clube da Esquina que passava por Diamantina.

Saia-justa

Juntaram-se em torno do viol�o e um deles come�ou a cantar “Beco do Mota”, composi��o de Milton e Brant sobre a antiga �rea de prostitui��o da cidade. Foi uma tremenda saia-justa: JK, que conhecia o lugar, ficou constrangido. Mas o jogo de cintura do pol�tico veterano logo devolveu o clima descontra�do ao encontro.

Juvenal Pereira e os irm�os L� e M�rcio revivem essa hist�ria no quarto e �ltimo epis�dio da s�rie “JK – O reinventor do Brasil”, que estreia na TV Cultura em 11 de novembro.
 
Fernando Brant, JK, Márcio Borges e Milton Nascimento em Diamantina

Fernando Brant, JK, M�rcio Borges e Milton Nascimento em Diamantina, em 1971

O Cruzeiro/Arquivo EM/D.A Press


A s�rie integra um projeto mais amplo, produzido e bancado pela Funda��o Padre Anchieta, que comanda a emissora. Inclui o lan�amento de uma fotobiografia e uma exposi��o sobre o presidente que governou o pa�s de janeiro de 1956 a janeiro de 1961 e esteve � frente da constru��o de Bras�lia.

F�bio Chateaubriand, idealizador e diretor-executivo do projeto, diz que o objetivo era lan�ar o pacote em 2022 por ocasi�o dos 120 anos de nascimento de Juscelino. Mas a pandemia obrigou que ele e sua equipe repensassem o cronograma.

Com cerca de 400 imagens guardadas pela fam�lia Kubitschek e outras tantas pertencentes a acervos de institui��es como os arquivos p�blicos de S�o Paulo e do Distrito Federal, a Casa de Juscelino, em Diamantina, e o Memorial JK, em Bras�lia, a fotobiografia ser� publicada em dezembro.

No primeiro momento, haver� distribui��o para bibliotecas, universidades, escolas e museus. Posteriormente, o livro ser� comercializado.

A exposi��o vai passar por espa�os culturais de pelo menos quatro cidades em 2024: Diamantina, Belo Horizonte, Bras�lia e S�o Paulo.
 

'Apostamos numa linguagem pop, com narra��o em estilo de podcast, com o intuito de chamar a aten��o dos mais jovens, que ainda n�o conhecem o Juscelino'

F�bio Chateaubriand, diretor-executivo do projeto da Funda��o Padre Anchieta

 

Entre as tr�s frentes de homenagem a JK, a s�rie deve atingir o p�blico mais abrangente. “Apostamos numa linguagem pop, com narra��o em estilo de podcast, com o intuito de chamar a aten��o dos mais jovens, que ainda n�o conhecem o Juscelino”, diz Chateaubriand.

Depois das exibi��es na TV, com um epis�dio por semana, sempre aos s�bados, a s�rie estar� na Cultura Play, plataforma de acesso gratuito.

O primeiro epis�dio lembra a inf�ncia de JK em Diamantina, a forma��o em medicina em Belo Horizonte e os primeiros passos na carreira pol�tica. Mostra sua nomea��o como prefeito da capital mineira, a vit�ria na disputa eleitoral pelo governo do estado e as articula��es na corrida pela Presid�ncia da Rep�blica.
 
O médico Juscelino Kubitschek (à esquerda) no front durante a Revolução de 1932

O m�dico Juscelino Kubitschek (� esquerda) no front durante a Revolu��o de 1932

Eug�nio Silva/O Cruzeiro/Arquivo EM/D.A Press
 

No front

Chamam a aten��o imagens raras do jovem m�dico nas frentes de batalha da Revolu��o de 1932 e o registro de um epis�dio familiar pouco conhecido, a decis�o de Juscelino e da esposa, Sarah, pela ado��o da menina Maria Estela, que se tornaria irm� de M�rcia.


“N�o defendemos uma tese acad�mica. Estamos, sim, contando uma hist�ria, que � cheia de dramas”, afirma Fernando Rodrigues, que assina e narra o roteiro de tom leve e objetivo.

A longa carreira na publicidade de Rodrigues e do diretor da s�rie, Jarbas Agnelli, contribui para o dinamismo, as doses de ironia e at� um certo deboche ao longo da produ��o. “Quer�amos evitar o tom professoral”, conta Agnelli.

A segunda parte da s�rie apresenta a chegada de JK � Presid�ncia e a chamada Revolta de Jacareacanga, movimento de oficiais da Aeron�utica no Sul do Par� para impedir que o mineiro assumisse o poder. A rea��o firme do ent�o ministro da Guerra, Henrique Lott, barrou a a��o dos golpistas.
 

A constru��o de Bras�lia domina o terceiro epis�dio, que aborda tamb�m a ebuli��o cultural e esportiva do pa�s naquele momento, com a Bossa Nova, o Cinema Novo e a conquista da Copa do Mundo de 1958. Juscelino soube imprimir sua marca ou, como disse Fernando Henrique Cardoso, “JK alcan�ou o que poucos estadistas alcan�am: criar uma nova identidade nacional”.
 
O presidente Juscelino na inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960

O presidente Juscelino na inaugura��o de Bras�lia, em 21 de abril de 1960

Rubens Am�rico/O Cruzeiro/EM/D.A Press
 

No quarto e �ltimo epis�dio, o golpe militar de 1964 o obriga a partir para o ex�lio, per�odo em que passou por cidades da Europa e dos EUA. Tr�s anos depois, voltou ao Brasil e se uniu a Carlos Lacerda (antes advers�rio pol�tico) e a Jo�o Goulart para montar a Frente Ampla em oposi��o ao regime. A iniciativa foi logo sufocada pelos militares.

Morte e pol�mica

Em 22 de agosto de 1976, JK morreu na Via Dutra, na altura de Resende (RJ), quando o Opala em que estava bateu em uma carreta – seu motorista, Geraldo Ribeiro, tamb�m faleceu. � o momento mais controverso da s�rie, porque as avalia��es sobre o fato se dividiram na �poca e assim persistem.

Entre os entrevistados da produ��o, h� quem acredite ter sido acidente, como a filha Maria Estela e historiadores como Lilia Schwarcz; outros creem que tenha sido evento proposital, ou seja, um assassinato, como o pol�tico Gilberto Natalini e o jornalista Ivo Patarra, ligados � comiss�o que, entre outras atribui��es, investigou o epis�dio.

“Como diz o bi�grafo Ronaldo Costa Couto, a morte do Juscelino � um cap�tulo em aberto. E provavelmente continuar� assim”, diz Chateaubriand.

A equipe da s�rie encontrou um Opala 1971 muito parecido com o ve�culo em que JK estava e reproduziu os instantes que antecederam a colis�o. Como seria muito dif�cil fazer a simula��o na Dutra, a produ��o filmou em uma rodovia em Sorocaba (SP).
 
Multidão seguiu o caixão de JK em Brasília, em 23 de agosto de 1976

Multid�o seguiu o caix�o de JK em Bras�lia, em 23 de agosto de 1976

Arquivo EM/D.A Press
 

“N�o capotamos o carro, mas fizemos manobras que permitem que se tenha uma vis�o geral do acidente”, afirma o idealizador do projeto. “Trouxe para a s�rie a ideia de filmar algumas passagens, n�o ficar apenas nos registros de arquivos. H�, por exemplo, este momento do Opala e cenas com o menino de Diamantina que interpreta JK quando crian�a”, diz o diretor Agnelli.

Embora contemple pontos em que o l�der mineiro costuma ser criticado, como a infla��o alta deixada pela sua Presid�ncia, o projeto � abertamente simp�tico ao personagem que retrata. Ressalvas que volta e meia retornam ao debate sobre o legado de JK – por que construir tantas rodovias em detrimento das ferrovias? – s�o vistas ao lado de outras perspectivas.
 

'Juscelino foi a prova de que � poss�vel fazer pol�tica e governar por meio do di�logo e do respeito'

F�bio Chateaubriand, diretor-executivo do projeto da Funda��o Padre Anchieta

 

De acordo com Chateaubriand, “Juscelino tinha pretens�es de concorrer � Presid�ncia em 1965, quando apostaria fortemente no desenvolvimento da agricultura. Na volta ao governo, ele se concentraria na constru��o de ferrovias para escoar a produ��o agr�cola.”

O que “presidente bossa nova”, como cantou Juca Chaves, teria a dizer ao Brasil de 2023? Para F�bio Chateaubriand, diretor-executivo do projeto, “Juscelino foi a prova de que � poss�vel fazer pol�tica e governar por meio do di�logo e do respeito, considerando a pluralidade do povo brasileiro”.