Entre os temas de seus poemas macabros, Vinicius de Moraes abordou a decomposi��o de um corpo de mulher insepulto e o desespero de um homem enterrado vivo
Paulo Namorado - 16/11/1959/O Cruzeiro/Arquivo EM
Que Vinicius de Moraes era rom�ntico e vivia o amor intensamente ningu�m duvida - basta lembrar de seus nove casamentos e os incont�veis romances que teve ao longo da vida. Tamb�m � consenso sua maestria para escrever sonetos e letras de m�sica, como “Garota de Ipanema” (1962, com Tom Jobim), can��o brasileira mais gravada de todos os tempos.
Seus poemas infantis foram musicados por Toquinho, Luis Bacalov e Paulo Soledade no cl�ssico disco “A arca de No�” (1980). O que pouca gente sabe � que o Poetinha nutria certa afei��o pelo grotesco. Para al�m dos versos rom�nticos, Vinicius escreveu poemas sombrios que abordam, por exemplo, a decomposi��o de um corpo, a ang�stia de um homem enterrado vivo e a experi�ncia de uma mulher que engravida de uma assombra��o.
Essa faceta pouco conhecida do poeta est� em “50 poemas macabros - Vinicius de Moraes”, livro organizado pelo ensa�sta Daniel Gil com lan�amento nesta quinta-feira (19/10). Dos 50 poemas que integram o livro, apenas sete s�o in�ditos, extra�dos de documentos do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Funda��o Casa de Rui Barbosa.
Os outros 43 textos, portanto, chegaram a ser publicados pelo poeta em vida e passaram despercebidos pelo p�blico e pela cr�tica. “Os versos de amor que ele escreveu acabaram se sobressaindo”, diz Gil, em entrevista ao Estado de Minas.
“Agora, n�o sei se isso atrapalhou ou ajudou o Vinicius”, pondera Gil. “Afinal, foram esses poemas de amor que fizeram a obra dele perdurar. E, por causa disso, n�s continuamos descobrindo novidades dele agora, 40 anos depois de sua morte.”
Com efeito, os textos macabros servem ao leitor como descoberta de um outro Vinicius de Moraes, que se afasta da forma fixa do soneto e das redondilhas menores para abra�ar os versos livres. A escrita est� mais pr�xima de pequenos contos do que de poemas propriamente ditos, nos quais h� maior cuidado com a est�tica do texto. � o caso de “Desert Hot Spring”. Escrito em versos livres e compridos, o poema mais parece ser obra de Rimbaud.
O poeta franc�s, ali�s, � uma das refer�ncias de Vinicius de Moraes ao tratar do grotesco, segundo Gil. “� dif�cil falar sobre influ�ncias que outros escritores tiveram, porque, muitas vezes, quando um poeta fala que algum outro escritor o influenciou, trata-se mais do que ele acha do que realmente quem o influenciou de verdade. Mas, no caso de Vinicius, vejo uma influ�ncia muito grande de George MacDonald, Baudelaire e Augusto dos Anjos, al�m de Rimbaud”, diz o ensa�sta.
Daniel Gil
acervo pessoal
"N�o sei se isso (a fama de rom�ntico) atrapalhou ou ajudou o Vinicius. Afinal, foram esses poemas de amor que fizeram a obra dele perdurar. E, por causa disso, n�s continuamos descobrindo novidades dele agora, 40 anos depois de sua morte"
Daniel Gil, ensa�sta e organizador da colet�nea
Poe, Nelson Rodrigues e Piva
H� certas semelhan�as entre temas abordados por Vinicius de Moraes em seus poemas macabros com contos de Allan Poe. O leitor que conhece a obra do norte-americano dificilmente deixar� de tra�ar paralelos entre Vinicius e Poe ao ler “O cemit�rio na madrugada”.
No poema, o eu-l�rico criado pelo brasileiro contempla sepulturas durante a madrugada, “hora em que, libertados do horror da noite escura / acordam os grandes anjos da guarda dos jazigos / e os mais serenos cristos se desenla�am dos madeiros / para lavar o rosto p�lido na n�voa”. E � nessa contempla��o que o narrador v�, vindo em sua dire��o, a mulher amada, morta h� alguns anos.
“Balada da mo�a do Miramar” � outro que guarda certas semelhan�as com contos macabros de Poe, ao narrar em detalhes o processo de decomposi��o do corpo de uma mulher que morreu sozinha em seu apartamento contemplando o mar pela janela.
A crueza com que o autor trata de temas m�rbidos tamb�m lembra Nelson Rodrigues. “Menino morto pelas ladeiras de Ouro Preto” e “Balan�o do filho morto” poderiam muito bem se passar por contos que integram a s�rie “A vida como ela �”, n�o fossem escritos em versos.
Por fim, o esc�rnio e o baixo palavreado de que Vinicius lan�a m�o em poemas como “A mulher na noite”, “Balada feroz” e “Par�bola do homem rico” revelam ainda outra faceta do poeta, aproximando-se muito do estilo que a partir da d�cada de 1960 seria abra�ado por Roberto Piva.
Ler “50 poemas macabros - Vinicius de Moraes” � como ler uma colet�nea de MacDonald, Baudelaire, Rimbaud, Augusto dos Anjos, Poe, Nelson Rodrigues e Piva. Mas com a assinatura singular de Vinicius de Moraes.
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