Longa de Scorsese tem trama intrigante, vil�o c�nico e her�i meio tapado
Em "Assassinos da Lua das Flores", o cineasta desafia sua arte ao expor (e contrariar) as expectativas que a hist�ria do cinema ensinou o espectador a ter
o longa, que estreia hoje, conta a hist�ria da etnia osage, oprimida por brancos que tentam se apossar de suas terras ricas em petr�leo
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Estranho destino o da na��o osage. Ap�s aceitarem a derrota e serem jogados de um lugar para o outro, acabam, no in�cio do s�culo passado, numa reserva em territ�rio �rido e est�ril, em que est�o destinados � mis�ria. Por ironia, ali mesmo come�a a brotar petr�leo e, de uma hora para outra, temos um grupo miser�vel tocado pela s�bita riqueza.
Surge ent�o uma situa��o original. Os brancos � que s�o os criados, e os ind�genas, os senhores. � como servidor, ali�s, que Ernest Buckhart (Leonardo DiCaprio) irrompe na cidadezinha que se criou em torno da rica reserva.
Ele � designado pelo seu tio rico, William Hale (Robert De Niro), para trabalhar como chofer. Hale � um rico criador de gado, mas n�o sabemos como conseguiu tanto gado. � homem de trato af�vel, n�o discrimina os ind�genas e at� fala a l�ngua deles.
� como chofer que Ernest conhecer� a bela ind�gena Moly (Lily Gladstone), por quem se apaixona de imediato. E vice-versa. � ent�o que come�a a se revelar o duplo car�ter de Hale, mais conhecido como Rei.
Ele acha muito boa a ideia de casamento de Ernest, pois os ind�genas sofrem de muitas doen�as e raramente passam dos 50 anos. A m�e de Moly est� � beira da morte. Se as irm�s tamb�m morrerem, a heran�a vir� para sua fam�lia. Ou seja, eles se tornar�o os propriet�rios do petr�leo da fam�lia.
N�o por acaso estaremos diante de uma s�rie de assassinatos do povo osage, cometidos pelos mais diversos m�todos e devidamente encobertos pela comunidade branca do local. Temos em "Assassinos da Lua das Flores" uma trama intrigante, com um vil�o c�nico, astuto e disfar�ado, na pessoa do Rei, e um her�i meio tapado, em parte pelos sentimentos divididos de lealdade ao Rei e a Moly; em parte por burrice mesmo.
Culpa
Essa duplicidade engendrar� uma situa��o de culpa profunda que se revelar� ao final. E essa culpa n�o deriva apenas de seus parcos dotes intelectuais, mas sobretudo do fato de perceber as sinistras inten��es do tio em rela��o a Moly, numa ang�stia que n�o se v� nas palavras, mas no rosto de Di Caprio.
Martin Scorsese promove neste filme o encontro entre um fato hist�rico - levantado por David Grann e publicado em um livro hom�nimo - e um suspense habilmente conduzido, ao qual vir� se juntar em dado momento uma equipe do FBI.
O que pensamos n�s, espectadores ing�nuos? Chegaremos a um final feliz? Sim, o FBI resolver� o caso. Ou n�o? Em vez de investir na felicidade fugaz do p�blico, Scorsese faz com que sua hist�ria se dobre, quando, a horas tantas, nos coloca diante de uma plateia que aplaude intensamente a solu��o dada ao caso.
Mas que plateia � essa? Somos n�s, � evidente. A plateia na tela � um espelho do que desejamos. Do que o cinema nos ensinou a desejar ao longo de mais de um s�culo.
Como alguma vantagem existe em ser um cineasta c�lebre aos 80 anos, Scorsese d� um n� em seu espectador e tamb�m em seu filme. Nos lembra de que a hist�ria est� longe de terminar. O espectador ver� a seguir como s�o tortuosos os caminhos da justi�a branca e que n�o � certo que o espectador saia da sala sorrindo e aliviado.
Em compensa��o, sair� sabendo que as imagens de �poca - reais ou feitas no computador, n�o importa - n�o est�o no filme apenas como ilustra��o. Elas se referem tamb�m ao come�o dessa arte e do procedimento cl�ssico do cinema hollywoodiano, desde que Griffith criou o cinema narrativo tal como o conhecemos hoje, e sua institui��o mais resistente, o "happy end", ou final feliz.
Ao investir nesse procedimento, num filme de grande audi�ncia, Scorsese de certo modo conclui o trabalho de moderniza��o do cinema dos Estados Unidos a que sua gera��o se prop�s. N�o � pouca coisa para quem �, talvez, o mais fiel de todos os cineastas da chamada nova Hollywood � tradi��o - mas n�o ao academicismo.
E fica ainda melhor que seja ele, o �ltimo dos diretores dessa gera��o, a dar esse tranco no ilusionismo que, filme ap�s filme, embala nossos sonhos. � um gesto de aud�cia, de desafio � institui��o cinematogr�fica desde que Griffith e Irving Thalberg fixaram as bases do desenvolvimento dessa ind�stria, at� porque ele o faz depois de nos deixar por um bom tempo em suspense sobre o fim da hist�ria.
Parece um pouco o fim da hist�ria do cinema, esta arte que, de tempos em tempos, tem sua morte decretada, mas insiste em n�o morrer. Como os ind�genas, afinal.
“ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES”
(EUA, 2023, 206 min.) Dire��o: Martin Scorsese. Com Leonardo DiCaprio, Lily Gladstone, Robert De Niro. Classifica��o: 14 anos. Estreia nesta quinta (19/10) em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cin�polis, no Centro Cultural Unimed-BH Minas e no UNA Cine Belas Artes.
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