Empres�rio de TV transmite acerto de contas com ele mesmo em "Vida ao vivo"
Novo livro do escritor mineiro Ivan Angelo tem narrativa engenhosa, com 35 cap�tulos que alternam a confiss�o do protagonista e a rea��o do p�blico
Aos 87 anos, Ivan Angelo pretende reeditar "A festa" (1976) e "A casa de vidro" (1979) , hoje fora de cat�logo, e concluir dois volumes para compor uma trilogia com "Amor?" (1995)
Renato Parada/Divulga��o
Em novembro de 2021, Fernando Bandeira de Mello Aranha tem o mundo aos seus p�s, mas n�o muito a fazer com ele. Aos 77 anos, pulm�o direito com enfisema, rim esquerdo em p�ssimo funcionamento, ainda sofre com as sequelas da COVID.
Tem certeza de que o v�rus chegou a ele como uma tentativa de assassinato, j� que n�o sai de casa h� quase 18 anos. Desde que a pandemia come�ou, n�o tem contato f�sico com ningu�m.
O �ltimo grande ato de Mello Aranha ser� p�blico. Durante 18 noites, 30 milh�es de pessoas acompanhar�o pela TV o acerto de contas deste homem. No lugar de “Frutos proibidos”, a nova novela das 21h, os telespectadores da Rede Nacional v�o assistir ao presidente da emissora tentando encontrar uma mulher que viu uma s� vez. A �nica pista � uma foto, de 11 de dezembro de 2003, seu �ltimo dia na rua antes de se fechar em seu triplex em S�o Paulo.
“Vida ao vivo” (Companhia das Letras), novo romance do escritor e jornalista mineiro Ivan Angelo, nas livrarias a partir de quinta-feira (26/10), foge de qualquer conven��o. S�o 35 cap�tulos, apresentados como em duplas.
O primeiro se refere ao mon�logo de Mello Aranha em frente � TV. O seguinte � sempre com a repercuss�o do programa da noite anterior, com coment�rios de espectadores por meio de cartas, mensagens de WhatsApp, posts em blogs, al�m de not�cias de sites e jornais.
Exame de consci�ncia
“Ele instaura esse di�logo como um exame de consci�ncia, para que o p�blico o ajude”, comenta o escritor de 87 anos. A parte que cabe ao protagonista, mesmo sendo um palavr�rio entre ele e a c�mera, n�o enfastia, em momento algum, o leitor.
Em meio a suas confiss�es – como a vingan�a da ex, uma atriz famosa, que o traiu com o filho, “exilado” em Miami –, Mello Aranha traz suas observa��es do mundo. Cita fatos da hist�ria do Brasil, personagens mundiais, m�sica, poesia, literatura. Fala, inclusive, da linguagem – da birra que Proust e Pedro Nava t�m de par�grafos aos v�cios que impregnam o mau portugu�s na atualidade.
Desbocado
“� um texto que fala de impunidade e injusti�a, mas tamb�m divertido, pois o personagem � desbocado, sabe ser ir�nico e agressivo com quem o agride. Procurei uma coisa mais viva, que prendesse o leitor pela palavra”, comenta Ivan Angelo.
Mello Aranha, para ele, “� uma somat�ria dos donos das grandes empresas de comunica��o do Brasil. Historicamente, s�o pessoas da grande burguesia, e este segmento social vem com seus valores. Ele bota todos em discuss�o e tem uma pequena evolu��o moral, compreende a culpa.”
Por tr�s do protagonista que conduz a narrativa, “Vida ao vivo” tem uma inten��o maior. “Lidar com as impunidades que existem no pa�s. Por isso o livro mergulha no passado, pois ele �, basicamente, uma hist�ria de uma pessoa que busca justi�a e resolve, ela mesma, faz�-la.” Falar mais desta personagem � entregar o ouro da trama, s� esclarecido no derradeiro cap�tulo.
“Vida ao vivo” foi escrito entre 2021 e 2022. Mas passou por processo semelhante ao de “A festa” (1976), seu romance mais importante (lhe deu seu primeiro Jabuti), que levou 15 anos para ser conclu�do. “Planejei e comecei ‘Vida ao vivo’ mais de 10 anos atr�s. Mas n�o se pode trabalhar o tempo inteiro como se quer.”
Plano de reedi��es
O novo romance sai pouco mais de um ano depois de “Sex shop miscel�nea libidinosa” (Faria e Silva Editora), com contos, poemas e ensaios sobre sexo.
Ivan Angelo diz ter outros t�tulos esperando a vez de serem publicados.
Mas sua inten��o primeira � reeditar “A festa” e “A casa de vidro” (novelas, de 1979), que est�o esgotados. Espera, ainda, concluir os dois livros que, com a novela “Amor?” (1995, tamb�m vencedora de um Jabuti), formariam um tr�ptico.
Nascido em Barbacena, em 1936 – seu pai, policial militar, depois de participar da Revolu��o de 1932, foi destacado para aquela cidade, no mesmo batalh�o em que Guimar�es Rosa era capit�o-m�dico – chegou a BH com 1 ano de idade.
Aqui ficou, depois de passar pela imprensa mineira (sua estreia foi no “Di�rio da Tarde”, extinto jornal dos Di�rios Associados), at� 1965, quando se radicou em S�o Paulo, onde atuou, por muitos anos, no “Jornal da Tarde”.
Da chamada gera��o “Complemento”, da qual tamb�m fez parte o escritor, professor e cr�tico Silviano Santiago - que dividiu com ele sua estreia como ficcionista, a reuni�o de contos “Duas faces” (1961) – Ivan Angelo esperar retornar � cidade em breve para lan�ar “Vida ao vivo”.
“Meu reencontro com Belo Horizonte � muito ligado aos lugares do passado, de Santa Tereza, do Mercado Municipal. Vivia a cidade intensamente, de andar a p�. Hoje em dia, cresceu demais no sentido de imitar as grandes cidades”, comenta.
Trecho
“E para falar de qu�, voc� vai perguntar. O que � que esse velho nojento tem para falar que interesse � gente? Muita coisa… N�o tenho s�cio ou conselho que me impe�a, nem governo que me obrigue, nem audi�ncia que me derrube, nem filho que me destrone. Um homem que est� dormindo no colo da morte tem o dobro de poder. Eu n�o tenho nada a perder. Nada!”
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