Di Cavalcanti, em seu ateli�, com uma das modelos de seus quadros, em registro de 1961
O Cruzerio/arquivo em
O funeral de Di Cavalcanti, em 27 de outubro de 1976, estava estranhamente vazio. Com o rosto coberto por um v�u para esconder o desgaste f�sico provocado pela cirrose, o corpo, afundado em rosas vermelhas, jazia no sagu�o do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.
A amplitude do local agravou o v�cuo causado pela aus�ncia de intelectuais pr�ximos ao pintor, como Vinicius de Moraes e Jorge Amado, que nem as presen�as do arquiteto Oscar Niemeyer e da atriz Neila Tavares conseguiram atenuar.
Mas o clima l�gubre foi interrompido pela chegada do cineasta Glauber Rocha que, com uma pequena equipe, encarnou o diretor em um set de filmagens - de onde surgiu seu primeiro trabalho rodado no Brasil desde seu autoex�lio, em 1971.
� com esse caso curioso que Marcelo Bortoloti inicia "Di Cavalcanti: Modernista Popular", a mais completa biografia sobre o artista lan�ada at� hoje, que sai pela Companhia das Letras.
O diretor de "Deus e o Diabo na Terra do Sol" n�o hesitou em levantar o v�u para filmar o rosto cadav�rico de Di Cavalcanti, consumido pela doen�a. Algumas pessoas tentaram intervir na ocasi�o, sem sucesso. O resultado foi um curta-metragem, que intercalou as cenas f�nebres com a leitura de poemas, not�cias de jornal e hist�rias do pintor - e recebeu o pr�mio de melhor curta-metragem no Festival de Cannes, em 1977.
Glauber, expoente do cinema novo e seu compromisso nacionalista, tinha afinidade com Di. Se o cineasta tentou traduzir o Brasil e seu povo, sem deixar de lado os problemas sociais, Di fez o mesmo por meio da pintura.
Sua personalidade extrovertida e soci�vel, que o levou a ser rodeado de gente em vida, �s vezes podia irromper em acessos de raiva. "A figura de bo�mio, rodeado de amigos e amantes, ajudou a valorizar a obra dele", diz Bortoloti.
Mas numa idade mais avan�ada, quando sua assinatura j� valia muito, Di Cavalcanti foi acusado de n�o se preocupar mais tanto com o que pintava. "Ele estava precisando de dinheiro, ent�o entregou sua obra ao mercado. As obras n�o eram feitas com o mesmo esmero, e ele passou a assinar qualquer coisa", afirma Bortoloti.
"As pessoas esperam de um artista uma vida mais dedicada � arte, uma figura sofrida, uma coisa heroica que ele de fato n�o foi."
"A figura de bo�mio, rodeado de amigos e amantes, ajudou a valorizar a obra dele"
Marcelo Bortoloti, escritor
Boemia
Nascido no Rio de Janeiro, Di se tornou um frequentador ass�duo da boemia carioca em sua mocidade, sendo muito influenciado por Jo�o do Rio e Lima Barreto. Mas S�o Paulo crescia abastecida pelo dinheiro do caf�, e era l� que o pintor queria estar.
L�, conseguiu trabalho na imprensa como desenhista, e logo foi inclu�do no ciclo modernista em forma��o. O jovem se aproximou de M�rio de Andrade, Guilherme de Almeida, Oswald e Tarsila, com os quais passou a frequentar sal�es luxuosos da capital. Apesar da admira��o pelos amigos, foi no ciclo modernista que cresceu seu inc�modo em rela��o �s diferen�as entre classes sociais.
O inconformismo pol�tico o levou a filia��o ao Partido Comunista Brasileiro, em 1926, e o artista foi preso duas vezes durante os anos de persegui��o aos comunistas no governo de Get�lio Vargas. "Ele produziu uma obra muito engajada, principalmente na imprensa, com desenhos de greves, oper�rios e l�deres sindicais."
A trajet�ria de Di Cavalcanti, explica o escritor, ilustra os movimentos da cultura brasileira no s�culo passado. "A renova��o da imprensa, a Semana de 22, a cria��o do Partido Comunista, os embates entre pintura figurativa e abstrata, a inven��o do mercado de arte e a valoriza��o das obras como mercadoria. Ele estava envolvido diretamente em tudo isso." Di morreu em outubro de 1976.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine