Projeto de escultura de Freud feito pelo artista tcheco Michal Gabriel para ocupar pra�a em Praga
MARTIN MRAZ/AFP
Rodolfo Olivieri, Daniel Kazahaya, Fabio Carezzato e Natasha Sen�o*
Especial para o Estado de Minas
A recente publica��o no jornal Estado de Minas, assinada pela psicanalista Regina Teixeira da Costa, aborda o psicod�lico MDMA e o compara imprecisamente com um n�o psicod�lico, a oxicodona, um opioide n�o psicod�lico com alto potencial de depend�ncia. H� cada vez mais evid�ncias de que psicod�licos apresentam um perfil de baix�ssima depend�ncia e at� mesmo potencial terap�utico para tratar o uso problem�tico de drogas.
O tema � de fundamental import�ncia e ajuda a trazer a psican�lise de volta para o debate no qual todo o campo da sa�de mental j� parece estar. De volta, pois nas d�cadas de 1950 e 1960 houve uma prol�fica investiga��o de subst�ncias psicod�licas, como LSD, mescalina e psilocibina. Centenas de artigos psicanal�ticos foram conduzidos nas Am�ricas e Europa. Inclusive nossos vizinhos argentinos produziram artigos e livros sobre o tema, com a constru��o de uma cl�nica com mais de uma d�cada de atividade e milhares de atendimentos.
Psicod�licos t�m o potencial de promover associa��es livres, insights e experi�ncias m�sticas. O MDMA, subst�ncia parcialmente distinta em seu efeito, � atualmente pesquisado por seu potencial terap�utico, sobretudo com v�timas de estresse p�s-traum�tico.
� inevit�vel questionar: por que tais subst�ncias n�o deveriam ser exploradas de forma respons�vel e terap�utica? Atualmente, muitos indiv�duos ao redor do mundo est�o buscando essas experi�ncias em contextos diversos. Al�m disso, h� um n�mero crescente de pessoas que, apesar das restri��es legais em pa�ses como o Brasil, buscam vivenciar tais efeitos e posteriormente discutir suas experi�ncias em um ambiente anal�tico seguro.
Esse debate carrega consigo uma possibilidade de supera��o de antigas e falsas dicotomias dentro do campo conhecimento e da ci�ncia e propor mais modelos integrativos. Mais uni�o do que ruptura, mais pluralidade do que puritanismo. Se a psican�lise se dedica a desvendar as narrativas humanas, desde sonhos e fantasias at� medos e traumas, por que n�o incorporar as narrativas originadas de experi�ncias induzidas?
Ao longo dos anos, muitas pessoas relataram transforma��es significativas ap�s experi�ncias com psicod�licos. A psican�lise, por sua vez, fornece um meio poderoso de integrar e entender essas transforma��es, promovendo a sa�de mental e o autoconhecimento. Talvez seja um momento oportuno para recordar que a psican�lise nasceu de um estado alterado da consci�ncia. N�o era um psicod�lico que Freud usava, mas sim a hipnose. A psican�lise, gostem ou n�o, � filha do estado alterado da consci�ncia.
Olhar para os psicod�licos, incluindo o MDMA, apenas como subst�ncias que diminuem resist�ncias ou aumentam a empatia � uma simplifica��o. Eles t�m muito a oferecer no entendimento da interse��o entre est�tica, som�tica, sonhos e a percep��o alterada da realidade.
Estados alterados de consci�ncia j� est�o no escopo de trabalho do psicanalista, vide a associa��o livre, a aten��o flutuante, os sonhos, os lapsos e as dissocia��es. N�s, os psicanalistas, somos diariamente convocados � conex�o e � empatia, aceitando e utilizando como ferramenta de trabalho.
Em uma �poca em que a rela��o entre psican�lise e ci�ncia est� sob discuss�o, � imprescind�vel nos mantermos de mente aberta. Em vez de recusar novos saberes e perspectivas, o campo deveria se aprofundar e explorar esses territ�rios, pois, ao faz�-lo, pode descobrir novos campos de atua��o e perpetua��o.
"Em dia com a psican�lise"
Em sua coluna dominical publicada no Estado de Minas “Em dia com a psican�lise”, Regina Teixeira da Costa escreveu, no �ltimo dia 15, sobre “Ecstasy e psican�lise”. Em seu texto, afirmou que o uso de subst�ncias psicod�licas n�o � pr�prio do tratamento psicanal�tico. “Jamais a psican�lise se beneficiar� desse recurso, pois sua �tica n�o � a da empatia, � a da transfer�ncia. Entre analista e paciente existe um que escuta como operador l�gico aquilo que o outro fala, para traduzir o que do inconsciente surge ali. O analista n�o est� ali com sua pessoa para trocas afetivas e de opini�es.
Se � de psican�lise que se trata, n�o cabe incluir droga da felicidade, estimulante sexual ou qualquer outro produto para levar o paciente ao trabalho. Trabalho �rduo, que lida com a dor existencial que n�o pode ser negada ou anestesiada – e, sim, atravessada. N�o desejamos facilitar, porque sabemos que n�o � f�cil. N�o precisamos negar limites nem extrapolar barreiras �ticas, pois nosso foco � aceitar a vida como ela �”, escreveu.
*Rodolfo Olivieri � psic�logo, psicanalista e pesquisador de psicod�licos na Unicamp; Daniel Kazahaya � psicanalista e psic�logo, doutorando em Ci�ncias M�dicas pela Faculdade de Ci�ncias M�dicas da Unicamp. Fabio Carezzato � psiquiatra e psicanalista, atualmente trabalha no Centro de �lcool e Drogas do Instituto Perdizes, do Hospital das Cl�nicas (USP). Natasha Sen�o � m�dica, com resid�ncia em psiquiatria, membro da Rede de Psiquiatria e Psican�lise do Corpo Freudiano - N�cleo S�o Paulo.
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