
Com todo profissional � assim: chega o momento de rever o trabalho e pensar em novas possibilidades. Fred Trindade passou por esta fase recentemente e, h� seis meses, trocou Belo Horizonte por Tiradentes. A miss�o dele � levar novidades para a cozinha do Tragaluz. “Vivo um momento de reflex�o, de rever t�cnicas, de estudar de novo, de fazer uma reciclagem. Isso acontece quando voc� gosta do que faz”, aponta o chef, que soma 43 anos de idade e 20 de carreira.
Pedro Navarro, sobrinho de Zenilca, fundadora do Tragaluz, tentou levar Fred quando assumiu o restaurante, h� quatro anos, mas ainda n�o era o momento. Com o fim do Trindade (que teve que ser desocupado para a constru��o de um pr�dio), ele voltou a fazer o convite para o chef, que j� estava pr�ximo da cozinha atrav�s de consultorias e conselhos. “Entendo que a filosofia dele � muito parecida com a nossa, de valorizar ingredientes da regi�o, manter uma liga��o com produtores locais e investir na m�o de obra no nosso entorno”, enumera Pedro.

A cozinha deveria continuar cl�ssica, mas precisava de um toque de contemporaneidade. Fred poderia contribuir com a sua forma��o francesa. “Queria que ele identificasse os cl�ssicos da casa e se debru�asse sobre eles com t�cnicas, mas que tamb�m trouxesse novidades”, informa Pedro. O chef topou na hora o desafio. “Foi a oportunidade de realizar um desejo antigo de ir para o interior, de fomentar produtores locais e de construir uma hist�ria mais s�lida na gastronomia brasileira”, justifica.
Fred fez quest�o de resgatar a r� � proven�al, prato que comeu na sua primeira ida ao Tragaluz, h� cerca de sete anos. Na �poca, a receita era mais r�stica, com a r� inteira e frita. O chef estudou a anatomia para fazer cortes diferentes e tirar alguns ossos para nem parecer uma r�. Com as ervas de Provence (acrescentou s�lvia), ele faz uma espuma e usa molho beurre blanc de cacha�a com bacon para dar um toque de mineiridade. A carne � cozida no vapor e servida com batatas fritas na gordura de pato.

“� um prato muito delicado, que retoma a hist�ria do Tragaluz de ter carnes especiais, que ficou um pouco perdida. Acho muito legal observar que em Tiradentes as carnes ex�ticas s�o muito bem aceitas”, pontua. Fred se surpreende com o fato de que o atual campe�o de vendas � a moqueca de pirarucu, conhecido como bacalhau-da- amaz�nia, com crosta de azeitonas pretas, banana-da-terra e arroz de castanhas. L� no Trindade, as prefer�ncias ficavam entre fil� e camar�o. “Aqui a pessoa quer experi�ncia e isso � tudo o que um cozinheiro mais maduro, como eu, almeja.”
Do antigo restaurante, a �nica heran�a � o porquinho, que reinventa a combina��o de torresmo com verduras mineiras. Neste caso, temos barriga de porco cozida a baixa temperatura e prensada com ceviche de banana, couve, quiabo e farofa de ovos.

J� que � para investir em novidades, Fred n�o economiza. De entrada, apresenta o ovo que a galinha n�o p�e. “Criei este prato inspirado em Alex Atala, s� que coloquei mais mineiridade”, explica. Visualmente, parece um ovo, mas n�o � bem assim. O chef posiciona pur� de car� em volta de uma gema confitada para fazer as vezes da clara. Folhas de ora-pro-n�bis, farofa de mandioca flocada e p� de cogumelo complementam a receita. Outro prato inovador � o caf� com leite, mezzaluna de queijo de cabra com molho cremoso de leite cru, espuma de caf� e picles de beterraba.
MANTEIGA Nas receitas, tem sempre a participa��o de pequenos produtores. Fred destaca a manteiga do couvert, feita com leite cru no povoado de Estrada da Caixa D’�gua, bem perto de Tiradentes. Na opini�o dele, remete a uma das melhores manteigas do mundo, a francesa. Ela vai bem com o p�o de fermenta��o natural da casa. O chef tamb�m faz uma sele��o de queijos da regi�o para servir em uma entrada chamada de textura de queijos. Um deles � o queijo de cabra de Barbacena, que ganhou medalha de ouro este ano no Mondial du Fromage, na Fran�a.

Segundo Pedro, o restaurante segue a linha de cozinha brasileira feita em Minas. Ou seja, n�o se prende a receitas mineiras, mas em todos os pratos tem algo que remete ao terroir da regi�o do Campo das Vertentes. Os microbrotos tamb�m s�o comprados de um fornecedor local, mas Fred adianta que tem vontade de construir uma horta para abastecer a cozinha com frutas, verduras e legumes. “A inten��o � produzir os nossos pr�prios org�nicos, queremos criar algo mais sustent�vel”, conta.
Mem�rias resgatadas
A come�ar pelo nome, retirado de um poema dela. Em cada canto do Tragaluz tem a alma de Zenilca Navarro. Por isso, Pedro sempre teve o cuidado de mudar sem mudar, preservando uma hist�ria que guarda muitas mem�rias. “Temos muito respeito pela trajet�ria da tia e entendemos que tem muito da personalidade dela aqui. Como o Tragaluz virou um ponto importante em Tiradentes, torn�-la cada vez mais presente agrega valor � pr�pria casa”, defende o sobrinho, que � m�dico e professor universit�rio.
A come�ar pelo nome, retirado de um poema dela. Em cada canto do Tragaluz tem a alma de Zenilca Navarro. Por isso, Pedro sempre teve o cuidado de mudar sem mudar, preservando uma hist�ria que guarda muitas mem�rias. “Temos muito respeito pela trajet�ria da tia e entendemos que tem muito da personalidade dela aqui. Como o Tragaluz virou um ponto importante em Tiradentes, torn�-la cada vez mais presente agrega valor � pr�pria casa”, defende o sobrinho, que � m�dico e professor universit�rio.

Fred teve alguns encontros com Zenilca para entender as receitas e enxerga muitas coincid�ncias entre eles. “Fazemos uma comida que conforta, que tem muito sabor e faz a pessoa se sentir em casa com um toque de vanguarda por ter um olhar modernista para o simples”, analisa.
Na galinha-d'angola, que se tornou �cone do restaurante, inclusive como mascote do card�pio, ele pouco mexeu. S� refez t�cnicas para deix�-la ainda mais saborosa. “Achava que usar vinho tinto estragava o sabor de carne, ent�o adaptei para confit, que � cozinhar dentro da gordura de porco bem lentamente”, detalha. Coxa e sobrecoxa s�o servidas com um arroz caldoso, que � a sua especialidade. O chef utiliza v�rios caldos (galinha, boi, porco e legumes) e especiarias para acentuar o sabor.

O plano de Pedro � reunir 20 pratos do Tragaluz com galinha-d'angola para lan�ar um livro de receitas em comemora��o aos 20 anos do restaurante, em mar�o do ano que vem. A mais recente cria��o de Fred com a ave, uma entrada, deve entrar na lista. No lugar de doce de leite, o canudinho vai recheado com pasta de d'angola, geleia de jabuticaba e p� de camar�o.
Sobre a famosa goiabada do Tragaluz, Fred � categ�rico: n�o tem o que alterar. “Comparo com uma m�sica. S�o notas muitos simples, mas que marcam pelo resto da vida. Se mexer, estraga.” Poucos s�o aqueles que v�o ao Tragaluz e n�o comem a goiabada casc�o prensada na castanha-de-caju granulada e frita na manteiga com queijo cremoso e sorvete de goiaba do seu Edson, de S�o Jo�o del-Rei. Este mesmo fornecedor faz o sorvete de queijo minas servido com doce leite e farofa de nozes e o sorvete de baunilha que acompanha a torta de chocolate.
Pedro tamb�m est� decidido a resgatar o in�cio da hist�ria do Tragaluz, que come�ou como loja e caf� antes de se tornar restaurante. Caf�s da tarde nos fins de semana devem ser servidos a partir do m�s que vem com del�cias como ovo caipira, omelete com queijo e ora-pro-n�bis, p�o de queijo da casa com pernil ou lingui�a e broa. “O nosso exerc�cio � olhar para tr�s.” Pelo mesmo motivo, ele reabriu a loja com produtos locais, desde comida at� artesanato, passando pelos aventais da casa.
Pintada Tragaluz: arroz de Angola
Ingredientes
100g de arroz agulhinha pr�-cozido; 1 contracoxa de galinha-d'angola; 1kg de paio; 4g de alho picado; 5g de canela em p�; 5g de cominho em p�; 5g de cravo; 200ml de caldo de frango; 10g de manteiga; 1 colher de sopa de coentro picado; 1 gema de ovo caipira
Modo de fazer
Tempere as contracoxas no dia anterior com sal, pimenta-do-reino, alecrim, tomilho e dente de alho amassado. Coloque no forno com banha de porco e deixe confitar a 120 graus durante 10 horas. Doure no forno. Para o arroz, pique o paio e o alho. Refogue o paio, o alho e as especiarias em uma panela funda na gordura do cozimento da galinha-d'angola. Acrescente o arroz pr�-cozido. Coloque o caldo de frango dois dedos acima da altura do arroz. Quando ele estiver macio, adicione a gema de ovo. Se precisar, derrame mais caldo para ficar cremoso como um risoto. Finalize com a contracoxa de angola em cima do arroz e folhas de coentro. Quando estiver pronto, organize a mesa com um ramo de delicadas flores e desfrute o momento com uma agrad�vel companhia. Conversem amenidades, fa�am planos. Brindem com um pinot noir, preferencialmente da Borgonha, os belos momentos que a vida proporciona.