(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Fundado em 1774, Santu�rio do Cara�a serve receitas hist�ricas

H�spedes revivem o passado com alimenta��o � base de insumos produzidos em horta, pomar, padaria, do�aria e queijaria que fazem parte do complexo


postado em 01/03/2020 06:00 / atualizado em 02/03/2020 13:15

Pudim de gabinete com camadas de doces de fruta(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Pudim de gabinete com camadas de doces de fruta (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

A espera pelo lobo-guar�, o passeio por cachoeiras, a visita a uma igreja neog�tica do s�culo 19. O Santu�rio do Cara�a, localizado entre os munic�pios de Catas Altas e Santa B�rbara, guarda outro atrativo que n�o perde em nada para a natureza ou a religiosidade: a gastronomia. Administrado por padres da Prov�ncia Brasileira da Congrega��o da Miss�o, o complexo tur�stico preserva muito da hist�ria da cultura alimentar de Minas Gerais. Assim como nos tempos antigos, a cozinha produz praticamente tudo o que oferece aos h�spedes, entre frutas, verduras, queijo, biscoitos, bolos e doces.
 
Fundado em 1774, o Cara�a funcionou como hospedaria para romeiros, semin�rio e col�gio interno antes de se tornar pousada. Isolados no alto da serra, os padres garantiam a subsist�ncia dos internos produzindo todo tipo de alimentos, como frutas, verduras, legumes, carnes, farinhas e queijos. Hoje, podemos dizer que eles ajudaram a formatar a cozinha mineira. “O Cara�a guarda a mem�ria da nossa gastronomia, pois l� est�o preservados h�bitos e t�cnicas alimentares t�picos de Minas”, destaca a pesquisadora gastron�mica do Senac Vani Pedrosa.
 
'O que vem de sabor é da nossa horta', diz a chef Grazielle Dutra(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
'O que vem de sabor � da nossa horta', diz a chef Grazielle Dutra (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
H� dois anos como chef do Cara�a, Grazielle Dutra n�o se preocupa com sofistica��o. Para ela, mais importante � servir uma comida mineira de verdade. “Tirei extrato de tomate, molho shoyu e tempero pronto. O que vem de sabor � da nossa horta.” Nada complicado para quem tem t�o perto da cozinha uma horta e um pomar com tanta diversidade. Em 1816, o bot�nico franc�s Auguste de Saint-Hilaire j� havia registrado, com surpresa, o potencial agr�cola do santu�rio, que tem pera, jabuticaba, l�ngua-de-vaca e couve cultivados lado a lado.
 
Servidos no refeit�rio original do santu�rio, com fog�o a lenha e mesas coletivas, os pratos do almo�o e do jantar s�o planejados de acordo com o que tem no quintal. “Quando � assim o alimento fica mais gostoso, pois est� no ponto certo. N�o for�amos o amadurecimento”, comenta a chef.

L� n�o se compra nenhuma folha. Azedinha d� o ano inteiro e pode ser servida sozinha como salada, assim como a vinagreira, que � a folha do hibisco, de um roxo intenso e sabor �cido. A horta tamb�m tem em abund�ncia o peixinho-da-horta, folha aveludada normalmente servida frita (da� o nome, porque fica parecendo peixe empanado). Outra sugest�o � fazer um involtini de azedinha (no lugar da abobrinha) com recheio de pasta de ricota, queijo, cenoura, passas, castanha e alho-por�.
 
Goiabada, figo em calda, bananada e doce de leite(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Goiabada, figo em calda, bananada e doce de leite (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
De olho no pomar e na horta, a chef cria receitas seguindo o conceito do campo � mesa, como a salada de maria-gond� com repolho, abacaxi e ma��, com todos os ingredientes frescos. O tomate-de-�rvore � usado para preparar um suco rosado, com sabor que oscila entre doce e amargo. Ainda tem o p�o de ora-pro-n�bis, que exibe as folhas verdes rasgadas no meio da massa. A flor laranja de capuchinha est� sempre presente para enfeitar a comida. De noite, a equipe serve ch�s (de cidreira ou camomila da horta, por exemplo) com pipoca durante a espera pelo lobo-guar�.
 
A cozinha recebe diariamente leite e queijos da Fazenda do Engenho, que faz parte do complexo do Cara�a. H� seis anos, Vani resgatou o m�todo antigo da regi�o de fazer o queijo com leite cru, o mesmo do queijo minas artesanal, com uso de pingo e cura na t�bua de madeira. “A manteiga do Cara�a foi comparada por alunos com a dos Alpes su��os. Engra�ado como a hist�ria d� pistas, encontramos no queijo do Cara�a a bact�ria propi�nica, que tem tamb�m nos queijos su��os.” Com sabor mais adocicado, o queijo do santu�rio tem massa amarelada e furos, n�o t�o grandes como os su��os.

A partir dessa iniciativa, o santu�rio ajudou a consolidar a regi�o produtora de queijos Entre Serras (Piedade e Cara�a), que abrange Santa B�rbara, Bar�o de Cocais, Caet� e Catas Altas. Na queijaria do Cara�a, s�o produzidas mais de 100 pe�as por m�s, entre meia-cura e curado, que abastecem a cozinha da pousada. Vende-se apenas o excedente.

Ocupada por barris de madeira, a adega produz vinho e fermentados(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Ocupada por barris de madeira, a adega produz vinho e fermentados (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

QUITANDAS No sal�o do caf� da manh�, que n�o � o mesmo do almo�o e do jantar, mais um fog�o a lenha. Em cima dele, uma chapa onde o h�spede pode fritar ovo, derreter queijo ou esquentar o p�o. Segundo Augusto Lobato, do setor comercial, pelo menos 90% dos produtos s�o artesanais. “Nos tempos do semin�rio, estamos falando de 100 anos atr�s, n�o havia facilidade de comprar os produtos, ent�o produzia-se tudo aqui.” Na lista, est�o inclu�dos p�o de queijo (com queijo do Cara�a), bolos, quitandas (como os biscoitos de maracuj�, caf�, polvilho e a rosquinha de nata) e p�es (como o de cacau com ganache de chocolate, castanha e nozes).
 
A adega � outro canto hist�rico do Cara�a. Ocupada por barris de madeira, ela fica no primeiro andar, de frente para um belo jardim no estilo franc�s. L� s�o produzidos os fermentados, como antigamente, usando os ingredientes dispon�veis, entre eles jabuticaba e laranja. Morango � uma inven��o mais recente. O mais famoso � o fermentado de mel extra�do na �rea do santu�rio. Ao contr�rio do que muitos imaginam, o hidromel � uma bebida seca, e n�o doce, lembrando mais vinho que licor. Os vinhos continuam a ser produzidos (com a diferen�a de que as uvas cabernet sauvignon s�o trazidas do Sul do Brasil), s� a cerveja que n�o. A receita foi cedida a uma cervejaria de Catas Altas.

As bebidas tamb�m s�o aproveitadas na cozinha. Grazielle escolhe o hidromel para marinar carne de porco ou para substituir o vinho branco no preparo de risotos. J� o fermentado de jabuticaba pode ser usado para temperar uma carne de panela. Se for reduzido em fogo baixo, com mel ou rapadura, transforma-se em um saboroso molho adocicado para servir com costelinha de porco.
 
P�o brocoj�
Feito de pau a pique, o moinho � a constru��o mais antiga do Cara�a. Os padres usavam todo tipo de legumes da horta para produzir diferentes farinhas que pudessem substituir a de trigo, t�o rara. Batata-doce, inhame, mandioca e milho s�o alguns dos exemplos. “Como l� a circula��o de pessoas era muito grande, o milho tomou uma propor��o maior, porque era de r�pido cultivo”, observa a pesquisadora gastron�mica do Senac Vani Pedrosa. O moinho est� em ru�nas, mas existe o plano de reativ�-lo.

Algumas das espécies encontradas na horta são peixinho-da-horta, azedinha e vinagreira(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Algumas das esp�cies encontradas na horta s�o peixinho-da-horta, azedinha e vinagreira (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Hoje n�o falta farinha de trigo para preparar o famoso p�o brocoj�, que antigamente era servido apenas em dias de festa. O nome seria uma brincadeira dos alunos com a palavra brioche, que era falada com sotaque franc�s pelos padres. “O �ltimo irm�o padeiro de l�, que morreu h� dois anos, deixou registrado que o brioche tinha um creme amarelado por cima, com a��car, gema de ovo e farinha, que formava uma farofinha igual � que tem na cuca”, descreve Vani.
 
Conta-se que, no dia da festa, a massa era assada com uma fava de feij�o dentro. O brocoj�, ent�o, era usado para fazer um sorteio entre os oito alunos que dividiam cada “quadrado”da mesa coletiva. “Cortavam as fatias e quem sa�a com a fava de feij�o se tornava o rei do quadrado, ou seja, podia servir primeiro a refei��o. Era uma forma de fazer rod�zio na mesa”, informa a pesquisadora.
Atualmente, a chef do Cara�a, Grazielle Dutra, serve aos h�spedes uma vers�o diferente do brocoj�. A massa de brioche tem recheio de ricota com canela e a��car e frutas cristalizadas.
 
Meia-cura ou curado, o queijo do Caraça abastece diariamente a cozinha da pousada(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Meia-cura ou curado, o queijo do Cara�a abastece diariamente a cozinha da pousada (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Os doces seguiam a mesma l�gica das farinhas, eram feitos com o que se encontrava no quintal. Frutas e legumes da �poca, como ameixa, mam�o, ab�bora, batata-doce, cenoura, tomate, tudo virava doce. Vani cita tamb�m o doce de leite “talhado”, que � um cl�ssico de l�. “Usam vinagre para coagular a lactose do leite. Parece ambrosia, mas n�o �, s� tem leite mesmo”, explica.
 
Descendente do bolo de reis, o pudim de gabinete at� hoje � servido apenas em ocasi�es especiais. Gabinete era o arm�rio onde se guardavam os doces nos tempos em que n�o existia geladeira.

Seguindo a receita original, Grazielle usa biscoito champanhe feito no santu�rio para forrar a f�rma. Depois acrescenta camadas de doces de fruta, como de figo, goiaba e mam�o, que podem variar de acordo com a esta��o. “Como n�o tinha leite condensado, faziam um creme com gema de ovo, a��car, leite, baunilha e raspas de lim�o para jogar por cima”, detalha. Outra receita t�pica do santu�rio � o arroz trelel�, inventado para fazer render a carne, com peda�os de leitoa, taioba e o que mais tivesse na cozinha. 
 
Pudim de gabinete
Ingredientes
10 biscoitos champanhe; 100g de doce de cidra; 100g de doce de banana; 100g de mam�o em calda; 100g de laranja-da-terra em calda; 100g de passas pretas; 100g de passas brancas; 1 ma�� fatiada; 500ml de leite; 9 gemas; 100g de a��car; raspas de meio lim�o.

Modo de fazer
Para fazer o creme, misture o leite, as gemas, o a��car e as raspas de lim�o. Quebre os biscoitos champanhe e coloque-os no fundo da vasilha. Adicione as passas pretas e o doce de cidra. Cubra com o creme. Coloque passas brancas por cima. Escorra a calda dos doces de mam�o e laranja-da-terra. Adicione uma camada das frutas sem calda, deixando bem firme. Termine com a camada de creme. Cubra com papel-alum�nio e leve ao forno a 180 graus, no banho-maria, por uma hora. Retire o papel-alum�nio e deixe mais 30 minutos no forno. 

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)