
Em 2023 vamos celebrar 105 anos desde o dia em que o Minist�rio das Rela��es Exteriores (MRE) teve que abrir as portas para a primeira mulher ingressar no Itamaraty, a baiana Maria Jos� de Castro Rebello Mendes, ent�o com 27 anos. Depois de tantos anos, a desigualdade de g�nero persiste no Itamaraty, pois a carreira de diplomata � predominantemente masculina.
A valente Maria Jos� enfrentou muitos obst�culos desde que n�o aceitaram sua inscri��o, alegando que mulher n�o podia participar do concurso. As manchetes dos jornais questionavam se mulheres poderiam ocupar cargos p�blicos. Seu ingresso na carreira diplom�tica s� foi poss�vel por intercess�o do jurista Ruy Barbosa junto ao ent�o ministro das Rela��es Exteriores, Nilo Pe�anha, que, sob press�o, autorizou a inscri��o dela com um despacho: "N�o sei se as mulheres desempenhariam com proveito a diplomacia, onde tantos atributos de discri��o e capacidade s�o exigidos [...]. Melhor seria, certamente, para seu prest�gio, que continuassem � dire��o do lar, tais s�o os desenganos da vida p�blica, mas n�o h� como recusar sua aspira��o, desde que fiquem provadas suas aptid�es". Maria Jos� foi aprovada em 1º lugar. Diante desse fato in�dito, tiveram que adaptar um espa�o para banheiro feminino no pr�dio do MRE.
Em abril de 2022, o quadro de 1.540 diplomatas era formado por 356 mulheres (23%) e 1.184 homens (dados do MRE). O perfil da diplomacia brasileira, segundo especialistas, � o do homem branco, de classe m�dia alta, com acesso � educa��o e ao apoio de familiares que j� fizeram o concurso. Recentemente, o embaixador e ex-ministro Sergio Amaral causou indigna��o ao afirmar, em entrevista � TV Cultura, que o baixo n�mero de mulheres no Itamaraty ocorre por causa de quest�es de "qualifica��o" para um "concurso exigente". Desde a aprova��o no concurso do Instituto Rio Branco, as mulheres enfrentam discrimina��o. Mesmo tendo as mesmas qualifica��es, elas n�o t�m as mesmas oportunidades oferecidas aos homens. N�o h� nenhuma diplomata em embaixadas de maior visibilidade para a pol�tica externa brasileira, e elas nunca chefiaram postos estrat�gicos como Paris, Washington, Buenos Aires, Londres, T�quio ou Pequim. N�o h� vontade pol�tica para que as diplomatas ocupem posi��es que valorizem seu trabalho e sua capacidade de lideran�a.
Outro assunto velado � a quest�o do ass�dio. Quando uma reportagem anunciou que n�o havia ass�dio no Itamaraty, algumas diplomatas fizeram uma enquete e registraram mais de 100 casos de comportamento sexista dentro da institui��o. Servidoras e diplomatas, em um grupo fechado no Facebook, relataram casos de ass�dio moral e sexual. Em um dos relatos, uma diplomata contou que um ex-chefe que a assediava se vingou transferindo-a para um local que n�o atendia aos seus interesses profissionais.
Com o objetivo de combater a falta de representatividade feminina no Itamaraty, um grupo de diplomatas, criado em 2013, produziu o document�rio Exteriores: Mulheres Brasileiras na Diplomacia. Uma das l�deres � Irene Vida Gala, 60, ex-embaixadora em Gana e atual subchefe do escrit�rio de representa��o do Itamaraty (S�o Paulo). Irene tornou-se a porta-voz das diplomatas que se sentem discriminadas. Ela � exemplo de como uma mulher em cargo de chefia pode fazer a diferen�a. Quando foi c�nsul-geral adjunta em Roma soube de casos de viol�ncia dom�stica contra brasileiras casadas com italianos, e da perda da guarda dos filhos quando pediam div�rcio. Sua atitude foi abrir as portas do consulado, comunicando publicamente que quem precisasse de ajuda encontraria um ombro, advogado e assist�ncia social. E foram muitas as den�ncias recebidas.
A predomin�ncia masculina � de natureza estrutural e n�o ocorre apenas na diplomacia. Os homens t�m acesso a cargos de poder e a sal�rios maiores do que mulheres com as mesmas qualifica��es. � preciso somar a luta das diplomatas por igualdade e respeito com a luta das mulheres em outras profiss�es.
Passou da hora de o Itamaraty se libertar dessa saia justa, dessa posi��o embara�osa de ser uma institui��o que defende a igualdade na diplomacia e nas rela��es exteriores, ao mesmo tempo em que discriminam mulheres na pr�pria estrutura. A imagem que o Brasil deve transmitir � a de um pa�s que valoriza a igualdade de g�nero e a afirma��o dos direitos humanos.