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Estado de Minas DIVERSEM DEBATE

Cientista pol�tico: 'Parte consider�vel de LGBTs faz oposi��o a Bolsonaro'

O advogado Thiago Coacci avalia que houve retrocessos nas pol�ticas p�blicas para pessoas LGBTQIA e que discurso do presidente normaliza a viol�ncia contra elas


15/09/2022 15:30 - atualizado 15/09/2022 15:52

Thiago Coacci na vitória de Dilma Rousseff tem o rosto pintado de vermelho e usa bandeira no ombro com o nome da presidente
Thiago Coacci, advogado, cientista pol�tico e ativista LGBTQIA (foto: Arquivo pessoal)
No Brasil, 2,9 milh�es de pessoas de 18 anos ou mais se declaram l�sbicas, gays ou bissexuais, de acordo com Pesquisa Nacional de Sa�de (PNS): Orienta��o sexual autoidentificada da popula��o adulta, divulgada em 25 de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). Cerca de 2% da popula��o brasileira se autodeclaram homossexual ou bissexual. O DiversEM, N�cleo de Diversidade do Estado de Minas, entrevistou representantes de grupos que t�m posicionamento diferentes sobre a rela��o do atual presidente da Rep�blica e candidato � reelei��o, Jair Bolsonaro (PL), com a comunidade LGBTQIA+. 
 
O advogado cearense Dom Lancellotti, fundador do Movimento Gays com Bolsonaro, nega que tenha havido retrocessos na defesa dos direitos dessa popula��o na gest�o do atual presidente para a popula��o LGBTQIA. Ao contr�rio, ele v� avan�os. O advogado mineiro Thiago Coacci, doutor em ci�ncia pol�tica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), faz oposi��o ao atual governo federal por considerar que houve retrocesso nas pol�ticas de defesa de pessoas LGBTQIA e tamb�m aponta o preconceito incentivado por falas do presidente.
 
Thiago � advogado, cientista pol�tico e ativista LGBTQIA. Desenvolveu a tese "Conhecimento prec�rio e conhecimento contra-p�blico: a coprodu��o dos conhecimentos e dos movimentos sociais de pessoas trans no Brasil", premiada com o primeiro lugar no II Pr�mio de Teses e Disserta��es da Associa��o Brasileira de Estudos da Homocultura. Integra a Comiss�o de Diversidade Sexual da OAB-MG, da qual foi integrante-fundador e ocupou o cargo de vice-presidente.

A seguir, a entrevista de Thiago Coacci ao Estado de Minas:


Qual � a posi��o do movimento LGBTQIA em rela��o ao governo Bolsonaro?
O movimento LGBTQIA+ � um fen�meno bem complexo, composto por muitas pessoas e diversas organiza��es com diferentes modelos organizacionais e ideologias. Assim, acho dif�cil falar que o movimento LGBTQIA faz x ou y, isso � quase sempre uma redu��o. Dito isso, � verdade que uma parcela consider�vel de ativistas e organiza��es LGBTQIA fazem oposi��o direta ao governo Bolsonaro, por compreender que esse governo tem como meta o desmonte das pol�ticas p�blicas LGBTQIA e a constru��o de uma sociedade em que nossas vidas, nossos corpos e afetos n�o tem lugar ou no m�ximo ocupariam um lugar de subalternidade. 
 
Thiago Coacci ao lado de duas ativistas lésbicas e da vereadora Bella Gonçalves
Thiago Coacci ao lado de ativistas l�sbicas, Soraya Menezes, fundadadora da parada LGBT (de branco) e a vereadora Bella Gon�alves (foto: Arquivo pessoal)

O presidente j� disse que prefere ter um filho morto do que um filho gay. Essa fala pode incentivar as fam�lias a n�o acolherem os filhos gays?
Infelizmente sim, porque essa fala n�o � uma simples frase jogada num v�cuo social, ela est� inserida em um contexto hist�rico em que as pessoas LGBTQIA foram consideradas doentes, anormais e perversas. At� hoje, apesar de proibido em nosso pa�s, pessoas LGBTQIA ainda s�o submetidas a falsos tratamentos para supostamente curar suas orienta��es sexuais e identidades de g�nero. Pessoas LGBTQIA s�o expulsas de casas por seus pais e s�o frequentemente alvo de viol�ncia f�sica, inclusive viol�ncia letal. Nesse contexto, uma frase como essa, dita por uma autoridade do pa�s e repercutida em rede nacional sem nenhuma problematiza��o normaliza esse tipo de viol�ncia, refor�a a opini�o de quem j� tem posi��es similares e cria novas consci�ncias em quem se identifica com a figura do presidente por outras raz�es.  

Os conservadores s�o contr�rios ao casamento gay. Como voc� v� esse posicionamento? 
Como uma grande bobagem. Acho que eles deveriam se preocupar mais com os pr�prios casamentos, aparentemente as coisas n�o andam muito bem e os heteros detestam tanto o casamento que mais de 80 mil casais se separaram em 2021. O pr�prio presidente, que se diz conservador e valorizar o casamento, est� na terceira esposa. Acho que conservadores n�o est�o realmente preocupados com a santidade do casamento, apenas n�o querem dois homens ou duas mulheres se casando. 
 
Voc� defende um modelo de fam�lia mais inclusivo... 
Eu entendo o lugar que o casamento e a fam�lia (no singular) ocupam na ideologia conservadora e como esses operam como uma forma de organiza��o social dos g�neros e das fam�lias. Nessa ideologia, h� papeis r�gidos e hierarquizados de g�nero, � uma ideologia que oprime as mulheres como subalternas aos homens e exclui aquelas pessoas que buscam outros arranjos familiares, afetivos e er�ticos. No entanto, al�m de ser uma ideologia inerentemente injusta, como eu tentei mostrar na minha brincadeira, ela n�o condiz com a realidade brasileira, que � muito mais plural em seus arranjos.

O governo de Bolsonaro avan�ou em rela��o �s pol�ticas de prote��o �s pessoas LGBQIA?
N�o, pelo contr�rio, retroagiu. O combate � viol�ncia contra pessoas LGBTQIA se faz, principalmente, criando uma cultura que n�o se baseie na cisheteronormatividade, ou seja, na ideia de que o normal, o padr�o a ser seguido, � ser heterossexual e cisg�nero. Esse tipo de mudan�a social s� ocorre a partir da inser��o de debates sobre g�nero e sexualidade na educa��o e em produtos culturais, mas o governo Bolsonaro ativamente combateu esse tipo de pol�tica, extinguindo a SECADI no MEC, suspendendo e alterando crit�rios de editais, buscando influir nas quest�es do ENEM, dentre outras maneiras. 
 
A Marina Reidel, uma mulher trans, atuou no Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos... 
At� existe, dentro do Minist�rio da Mulher, da Fam�lia e dos Direitos Humanos, uma Diretoria de Pol�ticas LGBT, com uma mulher trans como diretora. No entanto, as a��es dessa diretoria s�o pontuais, com poucos recursos, pouco poder institucional e que, na verdade, acaba servindo apenas para dar um vi�s de legitimidade para esse governo, para fingir que n�o s�o contr�rios as pol�ticas LGBT. Eu desafio qualquer leitor desse jornal a me falar 5 a��es dessa diretoria e como elas impactaram diretamente na vida das pessoas LGBT do Brasil. Duvido que algu�m me responder�, mesmo procurando no google e no site institucional de tal diretoria.

Quais as cr�ticas que voc� faz ao movimento Gays com Bolsonaro?
Ser gay n�o cria imediatamente naquela pessoa a consci�ncia e o conhecimento sobre a maneira como a sociedade funciona e como as l�gicas de opress�o atravessam aquela sua viv�ncia. O professor Marco Prado diz que a homofobia n�o s� nos impede de ver, mas impede de ver que n�o vemos. As pessoas que integram esse movimento est�o t�o imersas na cultura cisheteronarmativa que, muitas vezes, n�o percebem que est�o colaborando para reproduzir viol�ncias contra si mesmo e que est�o sendo usadas para legitimar um governo que propaga a sua pr�pria morte. N�o podemos tamb�m ignorar o sentimento de coletividade e de pertencimento que esses movimentos produzem

O que voc� pensa em rela��o �s viol�ncias sofridas por pessoas LGBTQIA ?
Repudio toda e qualquer viol�ncia. Precisamos come�ar por a�. E � importante reconhecer tamb�m que a viol�ncia sofrida por pessoas LGBTQIA n�o � qualquer viol�ncia, ela tem caracter�sticas e fun��es espec�ficas. Quando analisamos os assassinatos de pessoas LGBTQIA percebemos o seu alto grau de crueldade, genit�lia mutilada, rosto desfigurado, paus enfiados nos anus e por a� vai. Existe uma raz�o para isso ser assim, porque esse n�o � um crime comum, mas � um crime de �dio, � um recado para a sociedade de que nossas vidas n�o valem a pena ser vividas. As outras viol�ncias, n�o letais, tamb�m funcionam como um mecanismo de controle da fronteira do que � “normal” e “aceit�vel” em nossas sociedade, s�o uma puni��o para aquela pessoa que ousou cruzar essas fronteiras e um recado para outras pessoas que n�o cometam o mesmo erro. Essas viol�ncias precisam ser repudiadas, investigadas e punidas, n�o podemos continuar normalizando viol�ncias contra pessoas LGBTQIA .
 
 
A viol�ncia contra pessoas LGBTQIA aumentou durante o governo Bolsonaro?
� muito dif�cil dar uma resposta exata para essa pergunta, porque o estado brasileiro n�o produz dados oficiais sobre a viol�ncia contra pessoas LGBTQIA. O Estado n�o se interessa em saber se houve viol�ncia, se aumentou ou diminuiu. Um dos poucos mecanismos federais que coleta esse tipo de viol�ncia, o Disque 100, � um mecanismo importante, mas n�o � muito confi�vel, porque � desconhecido pela popula��o geral e mesmo quem conhece frequentemente n�o v� raz�es de acionar por acreditar que n�o vai produzir resultados. H� tamb�m uma preocupa��o com o uso ideol�gico do Disque 100 para perseguir ativistas LGBTQIA, registrando den�ncias por “ideologia de g�nero”. 
 
Mas ter�amos algum indicativo? 
O que sabemos da viol�ncia contra a popula��o LGBTQIA no Brasil, sabemos por iniciativas dos movimentos sociais de coletar e produzir relat�rios independentes, geralmente a partir dos casos que s�o noticiados em ve�culos de m�dia. Isso, por si s�, j� cria uma distor��o da realidade, pois vemos apenas aquilo que se tornou vis�vel pela m�dia, excluindo todo um universo de viol�ncias que n�o foram noticiadas ou que at� foram, mas que n�o foi poss�vel identificar a orienta��o sexual e a identidade de g�nero da v�tima. Os dados do Grupo Gay da Bahia mostram que 2017 e 2018 tiveram um n�mero anormalmente alto de viol�ncia contra pessoas LGBTQIA, com mais de 400 casos identificados, j� os anos seguintes seguem a tend�ncia que se consolidou desde 2010, de uma m�dia de 243 mortes por ano. 
Se os assassinatos aparentemente seguem relativamente est�veis, outras formas de viol�ncia parecem ter sim aumentado. Uma pesquisa da G�nero e N�mero, realizada em 2019, argumenta que 92,5% das pessoas LGBTQIA entrevistadas relataram terem percebido um crescimento da viol�ncia, al�m disso mais da metade dos entrevistados relataram ter sofrido algum tipo de viol�ncia por causa de sua orienta��o sexual e identidade de g�nero. 


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