No primeiro jogo da sele��o portuguesa, Cristiano Ronaldo fez um gol de p�nalti e foi considerado o primeiro jogador a marcar gols em cinco mundiais diferentes. Com a confirma��o da escala��o de Daniel Alves como capit�o da sele��o brasileira, ele se tornou o brasileiro mais velho a disputar uma partida de Copa do mundo. Correto? As afirma��es exemplificam o apagamento que o futebol feminino enfrenta no mundo.
Marta, atacante da sele��o brasileira, conquistou o feito antes de Cristiano Ronaldo, em 2019. Ela marcou gols nas Copas de 2003, 2007, 2011, 2015 e 2019. A canadense Christine Sinclair foi a segunda pessoa a marcar gols em cinco mundiais. Tamb�m em 2019, a meia Formiga foi a atleta brasileira mais velha a disputar um mundial pelo Brasil, com 40 anos, mais velha inclusive que Daniel Alves com seus atuais 39.
Al�m disso, Marta foi eleita melhor jogadora do mundo por seis vezes, mais que o maior vencedor do pr�mio na categoria masculina: Lionel Messi com cinco bolas de ouro da FIFA, e � a maior artilheira da hist�ria das copas, entre homens e mulheres, com 17 gols, em segundo vem o alem�o Miroslav Klose, com 16 gols. Entretanto, esses feitos s� s�o reconhecidos quando realizados por um homem.
“Isso acontece porque modalidade masculina � tida como a refer�ncia, a feminina n�o conta. Sempre que um homem alcan�a alguma coisa que nenhum outro homem alcan�ou, n�o se pensa em conferir se alguma mulher j� fez aquilo”, reflete Ana Carolina Vimieiro, professora e pesquisadora da UFMG, e coordenadora do Coletivo Marta.
Misoginia no futebol
A profissionaliza��o do futebol no Brasil ocorreu no in�cio do s�culo XX, com a cria��o dos primeiros est�dios e posteriormente dos primeiros campeonatos. Entretanto, a pr�tica do futebol foi proibida para mulheres at� 1979, sendo regulamentada apenas em 1983. Para efeito de compara��o a jogadora Formiga nasceu em 1978, quando o esporte ainda era proibido para mulheres.
Ana Carolina explica que existia uma ideia muito forte, at� a d�cada de 50, de que o esporte deveria servir para prepara��o das mulheres para a maternidade. Os esportes recomendados para mulheres seriam os considerados mais delicados, como gin�stica, nata��o ou t�nis. Modalidades vistas como mais violentas eram associadas ao mundo mais masculino e � virilidade, entre elas o futebol.
“A FIFA vai come�ar a enxergar a categoria feminina, quando ela come�a a aparecer como uma possibilidade mercadol�gica. Ent�o todos os incentivos que a gente vai ver no futebol de mulheres, desde dos anos 80 do s�culo passado, s�o incentivos do ponto de vista mercadol�gico”, explica Renata Lemos, Especialista em Estudos Interdisciplinares do Esporte pela UNESAV e integrante do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT/UFMG).
Mudan�a de cen�rio
Apesar da constru��o do futebol feminino no Brasil ter se dado de forma gradativa, ainda hoje existe uma grande falta de incentivo. Para acompanhar os jogos in loco, nem sempre elas jogam em locais acess�veis, nem sempre h� comercializa��o f�cil de ingressos, n�o h� divulga��o dos jogos, tornando dif�cil at� para quem quer acompanhar um time feminino .
Apenas em 2016 a Conmebol obrigou todos os times que disputam a Copa Libertadores a terem um time feminino. Em 2019 a FIFA tornou obrigat�ria a presen�a de times femininos nos times que disputam campeonatos nacionais na s�rie A. Este ano, pela primeira vez, a final do campeonato mineiro feminino ocorreu no Mineir�o, algo comum na modalidade masculina.
“A gente v� a obrigatoriedade da profissionaliza��o vinda da FIFA, depois da Conmebol e a� a CBF e as federa��es estaduais e regionais. Come�a-se a enxergar a categoria feminina porque foram obrigados. � um passo inicial, temos muito ainda a desenvolvermos, mas precisamos comemorar o que foi conquistado”, afirma Renata.
Para al�m das atletas
Para al�m do campo, o futebol � constitu�do por todo um sistema, incluindo comentaristas, narradores, jornalistas, torcedores, entre outros. E mesmo nestes espa�os a presen�a de mulheres � m�nima. A copa do Catar � a primeira a ter um time de arbitragem feminino apitando em um jogo masculino. � tamb�m a primeira vez que temos uma narradora na TV aberta, Renata Silveira, pela Rede Globo, que det�m os direitos de transmiss�o da competi��o no Brasil.
Outro problema enfrentado pelas mulheres no universo do futebol � a frequente descredibiliza��o. As mulheres precisam sempre se provar quando um homem questiona uma mulher se ela realmente entende do assunto, ou s�o imensamente criticadas quando cometem um erro, qualquer deslize, por m�nimo que seja � usado para desqualificar todas as profissionais como uma prova de que n�o pertencem � esses lugares.
“Isso acontece com os homens tamb�m, mas em uma propor��o muito menor. As cr�ticas s�o mais duras para as mulheres, elas precisam provar o tempo inteiro que elas entendem, que s�o capazes, enquanto o homem ‘naturalmente’ j� entende de futebol”, afirma Renata. “As mulheres s�o afastadas do futebol o tempo inteiro, inclusive em 2022. � uma barreira que a gente precisa superar, por mais que a gente tenha conquistado algum espa�o”, completa.
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