
Para a autora, ainda que feministas negras e ativistas trans possam adotar estrat�gias pol�ticas distintas em certos momentos, isso n�o impede que sejam aliadas.
"Solidariedade n�o significa semelhan�a", diz Collins, em entrevista na Universidade Federal de S�o Paulo, em Guarulhos. "Apoiar as pessoas trans � nossa volta � condizente com o feminismo negro."
Professora em�rita da Universidade de Maryland, Collins est� no Brasil para uma s�rie de aulas p�blicas na Unifesp. Na sexta-feira, �s 15h, ela fala na Feira do Livro organizada pela Associa��o Quatro Cinco Um na pra�a Charles Miller.
A autora � uma das respons�veis pela populariza��o do termo interseccionalidade, que analisa hierarquias sociais a partir da intersec��o entre diferentes sistemas de opress�o. "Precisamos discutir ra�a, g�nero e sexualidade conjuntamente", explica.
N�o � novidade que ativistas trans t�m uma rela��o tumultuosa com parcelas do movimento feminista. Posturas abertamente hostis a pessoas trans s�o comuns por parte de adeptas do chamado feminismo radical -as "radfem"- e de figuras ligadas ao feminismo liberal, como a autora brit�nica J.K. Rowling.
Por outro lado, pensadoras negras geralmente s�o vistas por ativistas trans como aliadas de primeira hora, argumenta Jaqueline Gomes de Jesus, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autora de "Transfeminismo: Teorias e Pr�ticas", primeiro livro em l�ngua portuguesa sobre o tema.
"O debate sobre quem � mulher vem desde o s�culo 19, com Sojourner Truth. J� bell hooks questionou por que algumas mulheres, no caso as mulheres negras, n�o estavam presentes no feminismo. Quando Collins fala sobre interseccionalidade, isso tamb�m diz respeito �s pessoas trans", afirma Jesus. Segundo ela, "o transfeminismo se inspira desde sempre no feminismo negro".
Collins acredita que a rec�proca � verdadeira. "O movimento trans, particularmente as mulheres trans negras, tem contribu�do para uma an�lise interseccional sobre as rela��es de poder", afirma.
Ela diz estar aprendendo aos poucos sobre a tem�tica LGBTQIA+, seja por meio de artigos acad�micos ou de programas de televis�o. F� do reality show americano RuPaul's Drag Race, Collins v� na cultura pop um terreno importante para desconstruir preconceitos. "Esse � o tipo de linguagem que a juventude usa para se expressar", afirma.
Se, por um lado, a maior visibilidade da comunidade LGBTQIA+ pode ajudar a promover a inclus�o, Collins alerta para a rea��o de grupos conservadores movidos pelo "medo do desconhecido".
A autora v� com preocupa��o a ofensiva antitrans que tem ganhado for�a nos Legislativos dos EUA e do Brasil, mas tem esperan�a de que a comunidade LGBTQIA+ ser� vitoriosa no longo prazo. "H� um n�mero crescente de pessoas que est�o se fazendo enxergar e ouvir, e elas n�o v�o simplesmente desaparecer", diz.
Segundo Collins, a extrema direita que hoje ataca os direitos dessa parcela da popula��o passou a se organizar nos EUA antes mesmo da chegada de Donald Trump ao poder. Ela diz que a elei��o de Barack Obama, em 2008, foi vista por supremacistas brancos como uma afronta.
"Esses grupos est�o tentando desfazer as conquistas do movimento por direitos civis. Querem minar o direito ao voto e os direitos reprodutivos", diz.
Ainda assim, a autora evita endossar candidatos. Para ela, nem o governo de Joe Biden, nos EUA, e nem o de Lula, no Brasil, podem resolver sozinhos os problemas estruturais que afetam grupos minorizados. "N�o existe varinha m�gica."
Por outro lado, acredita que ambos os governantes merecem cr�dito pelo enfrentamento � crise do clima e pela �nfase no combate � pobreza.
A pesquisadora j� esteve no Brasil muitas vezes. Entre suas refer�ncias no pa�s, ela cita a escritora Concei��o Evaristo, a pedagoga Nilma Lino Gomes e a fil�sofa Djamila Ribeiro, que � colunista da Folha.
A obra de Collins � editada no Brasil pela Boitempo e inclui t�tulos como "Pensamento Feminista Negro", "Interseccionalidade" e "Bem Mais que Ideias".
No primeiro livro, publicado originalmente em 1990, a autora discorre sobre os pap�is sociais reservados �s mulheres negras. � o que ela chama de "imagens de controle": roteiros pr�-definidos e refor�ados pela m�dia que restringem as mulheres negras a um lugar de subservi�ncia ou hipersexualiza��o.
Hoje, tr�s d�cadas ap�s a publica��o da primeira edi��o do livro, Collins diz que a principal mudan�a observada por ela � a maior consci�ncia sobre o poder das imagens. A internet deu �s mulheres negras a possibilidade de reivindicar a pr�pria imagem e contar a pr�pria hist�ria.
Nesse sentido, expressa sua admira��o pelas cantoras Beyonc� e Lizzo. "Tem todo um grupo de mulheres negras que est�o n�o apenas desafiando essas imagens de controle, mas fazendo arte com o que querem ver e debater."