Lula olhando para o lado em cena noturna

O presidente Lula viaja no final desta semana para a China

EPA

No pr�ximo domingo (26/03), o presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) inicia sua viagem oficial � China.

Al�m da delega��o formada por ministros e ministras e pol�ticos, quase 200 empres�rios de diferentes setores da economia brasileira far�o parte de uma miss�o empresarial ao pa�s.

A BBC News Brasil teve acesso � lista completa de empres�rios que v�o � China e, em meio a dezenas de nomes, dois deles chamam aten��o por conta das empresas que representam.

S�o executivos da Novonor, atual nome da Odebrecht, aquela que j� foi a maior empreiteira do pa�s e que esteve no centro do esquema investigado durante a Opera��o Lava Jato, que levou l�deres do PT, inclusive Lula, � pris�o.

Os executivos da Novonor (atual nome da Odebrecht) que est�o na lista de empres�rios que ir�o � China s�o: H�ctor Nu�ez e Cl�udio Medeiros, CEO e diretor de Rela��es Exteriores do grupo, respectivamente.

Na lista recebida pela reportagem da BBC News Brasil tamb�m aparece o nome "Odebrecht S.A" e OEC S.A, novo nome da Construtora Odebrecht, entre as empresas que participar�o do evento.

Fontes ouvidas pela reportagem apontam que eles far�o parte de eventos oficiais que est�o sendo organizados pelos governos brasileiro e chin�s. Nenhum dos dois foi investigado ou processado pela Opera��o Lava Jato.

Procurada, a Novonor n�o respondeu �s quest�es enviadas pela reportagem. Nos �ltimos anos, com o afastamento da fam�lia Odebrecht do comando da companhia e a implementa��o de medidas de compliance exigidas pelas autoridades brasileiras e norte-americanas, a Novonor vem tentando recuperar sua participa��o no mercado nacional e internacional.

"A melhora da reputa��o ap�s uma crise sem precedentes � uma constru��o di�ria e permanente e vemos como um reconhecimento das a��es de integridade e condutas de todo o nosso time", disse Nu�ez em entrevista ao jornal O Globo, em julho de 2022.

Apesar de a Novonor ainda ser um dos maiores grupos empresariais do Brasil, a poss�vel reaproxima��o de executivos da empresa com um governo petista chama aten��o nove anos depois da deflagra��o da Opera��o Lava Jato.

Mas afinal: o que executivos do grupo que sucedeu a Odebrecht far�o na China?

Prospec��o de neg�cios

A reportagem da BBC News Brasil apurou que os executivos Novonor ir�o � China participar de eventos oficiais organizados pelos governos da China e do Brasil. A previs�o � de que eles participem de pelo menos duas reuni�es do tipo: um semin�rio e uma rodada de neg�cios.

Em princ�pio, n�o h� previs�o de os executivos viajarem juntamente com integrantes do governo. Durante um briefing concedido pelo Itamaraty na semana passada, a expectativa � de que os empres�rios que acompanhar�o a comitiva brasileira � China banquem suas pr�prias viagens e estadias.

Fontes ouvidas pela BBC News Brasil afirmam que a ida dos executivos da empresa � China faz sentido do ponto de vista comercial considerando o fato de que a Novonor � um dos maiores conglomerados econ�micos do pa�s e que a chamada "nata" do empresariado brasileiro estar� nesta comitiva.

Atualmente, a Novonor atua em setores como a constru��o civil, ind�stria naval, petroqu�mica (por meio da Braskem), servi�os para a ind�stria de �leo e g�s, empreendimentos imobili�rios e infraestrutura e mobilidade.

Placa da Odebrecht em frente a prédio

Antiga fachada da sede da Odebrecht em S�o Paulo. Em 2018, companhia mudou de nome e passou a se chamar Novonor. Odebrecht j� foi a maior empreiteira do pa�s e teve 130 mil funcion�rios

Reuters

H�, tamb�m, a expectativa de que a antiga Odebrecht possa prospectar neg�cios juntos aos chineses em algumas das �reas de atua��o do grupo.

Um dos exemplos dados foi o fato de que a OEC S.A, bra�o de engenharia do grupo, tem fornecedores de equipamentos chineses em obras que executa em pa�ses africanos.

A rela��o entre a antiga Odebrecht e os chineses tamb�m remonta ao per�odo em que a empresa se viu em apuros durante a Opera��o Lava Jato.

Em 2017, em meio a dificuldades financeiras e pressionada pelas investiga��es no pa�s vizinho, a companhia vendeu uma hidrel�trica no Peru para o grupo chin�s China Three Gorges por US$ 1,4 bilh�o.

Rela��es estreitas

A Novonor foi o nome escolhido para a Odebrecht ap�s o sobrenome da tradicional fam�lia baiana ser associado a crimes de corrup��o durante o auge da Opera��o Lava Jato.

Entre 2014 e 2018, executivos da empresa, entre eles o ent�o presidente da empreiteira, Marcelo Bahia Odebrecht, foram presos sob acusa��es de terem pago propina a agentes p�blicos e pol�ticos em troca de contratos com o governo e estatais como a Petrobras.

Ap�s quase dois anos preso, Marcelo assinou um acordo de dela��o premiada com autoridades brasileiras. Dezenas de executivos do grupo fizeram o mesmo, al�m de um acordo envolvendo o Departamento de Estado norte-americano. No total, a empreiteira se comprometeu a devolver aproximadamente R$ 7 bilh�es.

Na �poca, a empresa divulgou uma nota afirmando que havia identificado "necessidade de implementar melhorias em suas pr�ticas".

Nos acordos, os executivos confessaram terem pago vantagens indevidas a agentes pol�ticos em diversos pa�ses do mundo onde a empresa operava, entre eles o Brasil. Em sua dela��o, Marcelo chegou a afirmar que disponibilizou um total de R$ 300 milh�es para serem usados pelo PT tanto a t�tulo de doa��es oficiais como por meio de caixa 2.

Ao longo das investiga��es, foi revelada a liga��o entre l�deres do PT como Lula e executivos da Odebrecht, como o ex-presidente do Conselho de Administra��o da companhia, o empres�rio Em�lio Odebrecht.


Marcelo Odebrecht sorrindo contidamente enquanto caminha

Marcelo Odebrecht foi presidente da companhia e liderou o processo de dela��o premiada dos executivos da empresa

Reuters

Foi justamente essa proximidade entre a companhia e Lula que deu origem a uma das suas condena��es na Justi�a Federal.

Em 2019, Lula foi condenado a 12 anos e 11 meses de pris�o por corrup��o passiva e lavagem de dinheiro no caso de um s�tio em Atibaia usado pela fam�lia do ent�o ex-presidente e que havia sido reformado por empreiteiras como a OAS e a Odebrecht.

Lula e sua defesa negaram qualquer envolvimento em qualquer irregularidade. Em mar�o de 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Edson Fachin, anulou as condena��es de Lula sob a alega��o de que os casos n�o deveriam ter tramitado na Justi�a Federal do Paran�.

A anula��o abriu espa�o para que Lula recuperasse seus direitos pol�ticos e disputasse as elei��es de 2022.

Segundo os dados de 2021, o grupo teve uma receita l�quida de R$ 113 bilh�es e atua em 20 pa�ses, entre eles o Brasil, Estados Unidos, al�m de pa�ses na Europa e na �frica.

A empresa alega ter hoje, aproximadamente 25,5 mil funcion�rios, bem distante dos quase 130 mil que a Odebrecht chegou a ter durante o auge da constru��o civil da primeira d�cada dos anos 2000.

Atualmente, h� apenas um membro da fam�lia Odebrecht no conselho de administra��o da Novonor. Maur�cio Odebrecht � filho de Em�lio Odebrecht e irm�o de Marcelo Bahia Odebrecht.

Uma holding vinculada a integrantes da fam�lia Odebrecht ainda tem quase 80% das a��es da Novonor.

Figuras da Lava Jato

A coordenadora de projetos do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Get�lio Vargas (Ibre-FGV), Ana Maria Castelo, afirma que a ida de executivos da Novanor � China durante a visita presidencial faz sentido do ponto de vista estrat�gico.

"� uma das maiores empresas do setor no Brasil e na regi�o. O novo governo vem refor�ando a necessidade de retomada do setor de infraestrutura. � natural que a empresa v� � China e possa buscar poss�veis investidores em projetos no Brasil ou em outros pa�ses", afirmou Castelo.

Segundo ela, apesar da sombra das investiga��es da Opera��o Lava Jato, o ambiente de neg�cios no setor de infraestrutura no Brasil � diferente daquele observado nas primeiras d�cadas dos anos 2000.

"Houve uma s�rie de mudan�as, inclusive de compliance, que foram exigidas pelos acordos e pelo pr�prio mercado. Hoje, o cen�rio de mercado � muito diferente. O governo n�o tem mais condi��es de fomentar um volume grande de investimentos em infraestrutura. O contexto mudou muito", explica.

A Novonor (antiga Odebrecht) n�o � a �nica empresa que foi investigada pela Opera��o Lava Jato a vai enviar executivos para a comitiva de Lula � China.

Na semana passada, o jornal O Globo revelou que os empres�rios Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, est�o na lista que comp�e a comitiva de executivos e empresas brasileiras.

Os dois foram figuras centrais da dela��o da J&F, que controla a JBS. Eles revelaram que teriam pago vantagens indevidas a dezenas de agentes p�blicos e pol�ticos.

Entre acordos de leni�ncia e multas, o grupo pagou aproximadamente R$ 12,4 bilh�es aos cofres p�blicos do Brasil e dos Estados Unidos. Entre 2017 e 2018, os dois chegaram a ser presos, mas foram liberados.

O jornal Folha de S. Paulo revelou nesta ter�a-feira (21/03) que a processadora de prote�na animal Marfrig tamb�m enviar� empres�rios para a viagem.

Segundo a reportagem, o fundador da empresa, Marcos Molina admitiu � Pol�cia Federal ter pago R$ 617 mil ao operador L�cio Funaro para obter a libera��o de empr�stimos na Caixa Econ�mica Federal (CEF). Ele n�o est� na lista de empres�rios que ir�o � China.


Homem de costas em canteiro de obras com uniforme da Odebrecht

Oper�rio trabalha em obra da Odebrecht em Angola em 2017. O pa�s africano foi um dos principais mercados da construtora

BBC

Ele firmou um acordo com a Justi�a em que se comprometeu a ressarcir preju�zos e ficou livre de puni��es judiciais.

Para o presidente da organiza��o n�o-governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, a anula��o de processos no �mbito da Opera��o Lava Jato "avalizou" a reaproxima��o entre pessoas investigadas no passado e o atual governo.

"A Lava Jato evidenciou, no m�nimo, uma enorme proximidade de integrantes do governo do PT com empres�rios que foram investigados na Opera��o, alguns, inclusive, condenados e at� presos. O desfecho da Lava Jato, entretanto, inocentou ou anulou processos de investigados e condenados. Assim sendo, a Justi�a brasileira, viabilizou - e at� de certa forma avalizou - essa reaproxima��o", disse Castelo Branco.

Para o cientista pol�tico e professor da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) Marco Antonio Teixeira, a presen�a de executivos de empresas que j� foram alvo de processos e investiga��es � reflexo do empresariado brasileiro.

"Isso reflete o que � a realidade do ambiente empresarial brasileiro. Estamos falando de segmentos como o de carnes, infraestrutura e outros neg�cios que, por mais que tenham sido atingidos pela Opera��o Lava Jato, s�o empresas que seguiram suas vidas e, de alguma maneira, pagaram pelo que fizeram, mas suas atividades permaneceram", afirmou.

Em nota, o Minist�rio das Rela��es Exteriores (MRE) disse que a participa��o de empres�rios na comitiva que vai acompanhar Lula � "reflexo da densa rela��o econ�mico-comercial entre Brasil e China".

"A visita oferece oportunidade para que o setor privado brasileiro estabele�a interlocu��o com dirigentes empresariais chineses e identifique oportunidades de neg�cios e de investimentos", diz um trecho da nota.

O Itamaraty disse ainda "que entende que os empres�rios dever�o viajar por meios pr�prios".

O Pal�cio do Planalto n�o respondeu �s perguntas enviadas pela reportagem.

- Este texto foi publicado em

https://www.bbc.com/portuguese/articles/cyrpxlj8m4po