'N�o h� possibilidade de ser ter al�quota �nica'
Luiz Cl�udio Rodrigues de Carvalho, ex-secret�rio da Fazenda de S�o Paulo e do Rio, diz que reforma tribut�ria tem pontos positivos, mas pode ser inviabilizada
Luiz Cl�udio Rodrigues de Carvalho, ex-secret�rio da Fazenda de SP e do RJ
Arquivo Pessoal
A proposta de reforma tribut�ria a partir das propostas de Emenda � Constiui��o (PEC) 45 e 110 que tramitam no Congresso tem pontos positivos, como a unifica��o dos impostos e a garantia do direito ao cr�dito tribut�rio, mas corre o risco de ser inviabilizada por press�o de setores que ser�o mais prejudicados pela mundan�a, como servi�os, especialmente educa��o e sa�de, e agroneg�cio. A avalia��o � do ex-secret�rio da Fazenda de S�o Paulo e do Rio de Janeiro Luiz Cl�udio Rodrigues de Carvalho.
“H� muito mito, muita fake News – n�s estamos falando de fake news – tem muita fake news tamb�m nisso. Os setores est�o articulados, est�o se articulando para combater a reforma. Eu acho um risco a gente jogar o beb� com a �gua do banho fora”, afirma Luiz Cl�udio, que � formado em direito e atuou na �rea de fiscaliza��o e administra��o tribut�ria.
Para ele, a proposta de al�quota �nica n�o deve ser aprovada no Congresso e os conflitos de interesse podem jogar por terra a perspectiva de aprova��o de mudan�a na estrutura tribut�ria do Brasil. Luiz Cl�udio considera ainda que a proposta de cashback tribut�rio pode representar uma nova depend�ncia da popula��o menos favorecida em rela��o ao governo.
“N�o h� possibilidade de se ter uma al�quota �nica. Independente de um ou dois imposto”, avalia Luiz Cl�udio. Ele considera tamb�m que h� risco de as mudan�as n�o alterarem a depend�ncia de estados e munic�pios de repasses da Uni�o. Veja abaixo a entrevista com Luiz Cl�udio.
Qual a avalia��o que voc� faz da reforma tribut�ria baseada nas duas PECs na PEC 46 e na PEC 110?
As duas s�o propostas que foram a elaboradas ainda no governo Bolsonaro. Elas t�m muita semelhan�as e algumas dessas semelhan�as s�o princ�pios que eu acho que s�o importantes na reforma, por exemplo, a unifica��o das bases de consumo de mercadoria e servi�os, ou seja ICMS e ISS, assim como PIS/Confins e IPI. Princ�pio de destino que eu acho importante tamb�m ressaltar. E o princ�pio do cr�dito financeiro, direito ao cr�dito amplo, n�o mais no modelo que � o ICMS hoje em que uma parte razo�vel daquilo que � compra n�o d� direito a cr�dito, para abatimento do imposto nas etapas posteriores.
Esses s�o princ�pios que nas duas est�o acolhidos. A grande diferen�a entre elas � que a PEC 110 fala num imposto dual, ou seja um imposto de compet�ncia de estados e munic�pios compartilhado, que seria o IBS, imposto sobre bens e servi�os e uma contribui��o de compet�ncia federal que substituiria o PIS/Confins e IPI. Em princ�pio eu vejo pontos positivos nessas dessas duas propostas.
H� algum ponto que merece criticas?
H� bastante gente que criticas. Um dos pontos, eu acho que a cr�tica � correta � de que ela vem com um ou dois impostos, mas com al�quotas �nicas, tanto em um quanto no outro. Isso eu acho que � compreens�vel na proposta, mas ela n�o vinga. A l�gica por tr�s, discut�vel ou n�o, mas a l�gica por tr�s disso � que haveria uma simplifica��o radical do sistema, o que eu concordo.
Se voc� tem uma al�quota �nica, seja l� de 25% ou de 29%, todo mundo pagando igual, que h� uma simplifica��o � inequ�voco. Mas, por outro lado, e eu acho que � isso que est� sendo pouco levado em considera��o pela equipe do Bernardo Appy. � que setores ser�o muito impactados. Se mant�m tem uma arrecada��o m�dia, alguns ganhar�o outros perder�o. Os que ganhar�o, ganhar�o pouco e os que perder�o perder�o muito. Ent�o eu acho politicamente muito muito ruim, muito dif�cil.
Quais seriam esses setores?
Quem tem mais alertado s�o os setores de servi�os, basicamente educa��o e sa�de, agroneg�cio e o setor de transporte. Ent�o acho que esses s�o os que efetivamente seriam mais prejudicados. Mas o setor de servi�o como um todo ele � prejudicado. N�o s� educa��o e sa�de, esses eu acho que s�o mais gritantes, mas o setor de servi�o como um todo ele � prejudicado. Mas gente tem que qualificar um pouco mais o debate, eu n�o tenho visto isso muito muito bem debatido no Brasil, porque o setor de servi�os, apesar de ser mais onerado, ele tamb�m � aquele que mais adere ao Simples Nacional que n�o vai alterar, que n�o vai ser mudado.
Ent�o, qual � a alega��o do setor de servi�o, que vai subir cinco por cento para 25% 29% de al�quota, por mais que ele passe a ter direito a cr�dito, que atualmente ele n�o tem. O setor de servi�o tamb�m eu estou imaginando uma cabeleireira um uma manicure ou algo assim, n�o tem muito cr�dito, n�o compra muito insumo para abater. Mais por outro lado, dificilmente voc� vai ver uma manicure, uma cabeleireira que n�o esteja no Simples Nacional. Ent�o, o que eu acho hoje � que o debate ainda n�o est� amadurecido.
O Brasil tem debatido muito mal seus grandes temas, historicamente. Nesse momento, a reforma tribut�ria � tamb�m um exemplo de um debate que me parece tem que ser aprofundado. H� muito mito, muita fake News – n�s estamos falando de fake news – tem muita fake news tamb�m nisso. Os setores est�o articulados, est�o se articulando para combater a reforma. Eu acho um risco a gente jogar o beb� com a �gua do banho fora. Ent�o eu acho importante que a gente v� amadurecendo. Mas h� alguns pontos que me parecem que s�o fundamentais a serem enfrentados: n�o h� possibilidade de se ter uma al�quota �nica. Independente de um ou dois impostos al�quota �nica de cada um desses impostos.
Mas o que impede a ado��o de al�quota �nica?
Justamente por causa do impacto muito severo em alguns setores e esses setores politicamente s�o fortes, ser�o resistentes e s�o politicamente fortes e v�o fazer com que a reforma se inviabilize. Basicamente esses tr�s que s�o muito fortes, sa�de, educa��o e o agroneg�cio. O agroneg�cio tem dois pontos que tem que ser levados em considera��o. O primeiro deles � que ele � basicamente exportador. As duas propostas prop�e devolu��o autom�tica dos cr�ditos de imposto no momento da exporta��o.
Se isso acontecer, coisa que no modelo atual n�o ocorre, no ICMS isso n�o acontece, ent�o imaginando que a legisla��o preveja essa devolu��o autom�tica e isso se concretize, metade do problema est� resolvido a outra metade que � a produ��o de alimento para a popula��o brasileira, principalmente a popula��o de baixa renda, vai ter muito impacto. Efetivamente n�o faz sentido voc� onerar uma cadeia que � de produ��o de alimento para a popula��o de baixa renda, para a popula��o em geral. Mas quem mais ser� impactada � a popula��o de baixa renda.
Para resolver esse problema a equipe econ�mica estuda devolver parte do imposto. � vi�vel?
H� uma proposta est� sendo discutida de cashback. Ou seja, voc� cobra um imposto, voc� realmente onera a cesta b�sica e depois voc� devolve em conta digital, para popula��o de baixa renda mediante o fornecimento do CPF. Do ponto de vista de tecnologia de TI, isso � poss�vel, j� � feito h� muito tempo e foi evoluindo, mas do ponto de vista social voc� cria mais uma depend�ncia. � mais um Bolsa-Fam�lia, � mais uma devolu��o de dinheiro para uma parcela da popula��o arbitrariamente escolhida, porque qualquer escolha � arbitr�ria e ser�o R$ 3.500. A� quem recebe R$ 3.550, est� fora? Ou seja, por defini��o, qualquer escolha dessa � arbitr�ria, voc� vai ter que colocar um corte e quem t� acima do corte n�o recebe nada. Pronto, a� j� come�a o problema.
E conforme alguns t�m colocado e o Paulo Rabelo de Castro tem colocado isso de forma muito veemente e eu acho que ele t� correto, n�o tem cabimento voc� cobrar para devolver depois, ent�o n�o cobra. Ent�o eu acho que de novo, n�s estamos fazendo a� no linguajar dos economista, n�s estamos fazendo um trade off. Voc� faz uma escolha entre a simplicidade de um sistema que tem al�quota �nica, portanto todo mundo paga igual e n�o tem discuss�o mais de enquadramento de mercadoria aquelas coisas todas.
Por outro lado, voc� tem claramente uma onera��o de alguns setores que s�o bases da economia, os maiores empregadores do pa�s e que v�o sofrer demais. E a� tamb�m falando de econom�s, tamb�m, voc� tem uma necessidade de renda muito forte a� porque se voc� subir o pre�o por conta do aumento do imposto, ele vai ter redu��o de consumo. N�o � um produto inel�stico que quase que independentemente do pre�o o consumo acontece.
E no primeiro momento tem queda de arrecada��o?
Outro pressuposto das duas PECs � que a arrecada��o global n�o vai cair e nem aumentar. Ou seja se o total � de R$ 800 bilh�es, sei l� de arrecada��o, esses R$ 800 bi continuar�o sendo arrecadados. Vai ter que haver a� um ajuste de al�quota para manter essa arrecada��o. O problema � que a m�dia tamb�m � um por defini��o injusta. Porque uns ganham outros perdem tem uns que est�o acima da m�dia e outros que est�o abaixo da m�dia se n�o a m�dia n�o se perfaz.
E h� tamb�m nas duas PECs, propostas de que a arrecada��o de cada ente federado se mantenha e ainda seja mantida com crescimento da infla��o num per�odo a�... o Bernardo Appy tem falado em at� 50 anos, ou seja, do ponto de vista do ente p�blico, do estado, do munic�pio, da Uni�o, ele n�o tem perda mas tamb�m n�o tem ganho.
Ele n�o tem ganho nenhum, mas em compensa��o se acaba com a politica de guerra fiscal entre os estados?
Ai falo eu, � pessoal. Fui secret�rio de fazenda de dois estados e eu sempre fui contra guerra fiscal, eu acho que imposto sobre consumo n�o se presta para a pol�tica de desenvolvimento regional, existem outros mecanismos outras ferramentas muito mais eficientes. Por que que n�o prestam no meu entender; justamente porque traz uma complexidade enorme do sistema e chega o momento em que voc� n�o consegue mais aferir se aquele benef�cio fiscal tem efetividade ou n�o, se aquilo � simplesmente transfer�ncia de renda do estado para um contribuinte, para o empres�rio, dono da empresa, se realmente o desenvolvimento aconteceu.
Santa Catarina por exemplo foi extremamente eficiente na sua pol�tica de benef�cio fiscal? Foi, mas Minas Gerais, por exemplo, quebrou por causa disso. O estado de Minas Gerais quebrou, na �poca do (governador Fernando) Pimentel, por exemplo, n�o transferiu dinheiro para o munic�pio. Por qu�? Capturou muita empresa daqui de S�o Paulo, principalmente? Sim, capturou bastante. Diversificou sua base industrial? Sim, mas n�o conseguiu pagar a sua conta no final do m�s. Ou seja � uma pol�tica no ponto de vista macroecon�mico inteligente? No meu entender n�o.
Existe o risco de que estados e munic�pios continuem dependentes de Bras�lia?
Com certeza absoluta, tanto � que os impostos que s�o compartilhados pela Uni�o basicamente � IPI e Imposto de Renda s�o dois impostos federais que n�o crescem em sua base e a Uni�o, nesses 20 anos, desde Fernando Henrique Cardoso cresceu sempre PIS e Cofins, que s�o duas contribui��es n�o compartilhadas. Portanto, a Uni�o abre m�o da receita que ela tem que dividir e se concentra ou refor�a a receita que ela n�o tem que dividir.
E o Brasil vai ficando dependente cada vez mais do balc�o de neg�cio que � Bras�lia. Cada prefeito e cada governador de estado, se estiver de mal com a Uni�o est� perdido. Porque por mais que se diga que a receita, a transfer�ncia � vinculada, a Uni�o � obrigada a passar o dinheiro, entendeu, mas n�o importa, o dinheiro vai l� e volta como voc� bem colocou � isso � fato. Ou seja, n�s somos uma federa��o de cabe�a para baixo.
H� conflitos que podem inviabilizar a reforma tribut�ria?
S�o v�rios conflitos interfederativos que t�m que ser administrados, ou que tem que ser acomodados nessa reforma. Pelo menos uns cinco. Por exemplo, conflitos federativos entre as esferas de governo, entre as regi�es do pa�s, entre o contribuinte e o fisco. Entre setores econ�micos, e dentro desse conflito entre setores econ�micos existe claramente uma tentativa de melhorar a situa��o da ind�stria, que no mundo inteiro � o setor industrial que paga os melhores sal�rios que traz mais desenvolvimento tecnol�gico e tudo mais.
Agora no momento em que isso vai passar no Congresso e vai ter que passar no Congresso, a� � coisa vai ferver, porque eles s�o setores articulados, como a frente parlamentar do agroneg�cio, por exemplo tem mais de 170 deputados e se eles votarem em bloco j� n�o passa nada, dificilmente se aprova. Tem um risco enorme de a reforma tribut�ria ser inviabilizada. Porque, enfim os grupos diferentes est�o articulados e em dois sentidos. Na verdade um e como consequ�ncia o segundo. O primeiro � como tirar vantagem da reforma.
Como � que eu fa�o as minha situa��o melhorar? A�, se minha situa��o n�o melhorar como � que eu fa�o para inviabilizar ent�o? Eu acho que existem alguns setores. E a� eu n�o vou nominar quais, cada um tem a sua sensibilidade, mas existem alguns setores que que preferem que a reforma n�o aconte�a do que acontecer uma reforma que prejudique os seus interesses.
Ent�o podemos perder a chance de fazer a reforma?
Corre um ser�ssimo risco de n�o acontecer. O melhor momento dela foi no governo do Bolsonaro, porque parece que as pessoas n�o estavam muito atentas ao que estava acontecendo. E a� tem uma pessoa respons�vel por naufragar ela que chama-se Paulo Guedes. Paulo Guedes n�o quis n�o deixou brigou, detonou eu presenciei alguns movimentos dele. Ele n�o quis deixar a reforma passar e eu acho que foi um erro hist�rico, a gente tinha ambiente naquele momento. A gente tem discutido tamb�m muito a a transi��o, per�odo de transi��o.
Alguns prop�e per�odo de transi��o grande para que a gente teste a base, outros para que os benef�cios fiscais vigentes continuam produzindo efeito, s� que as cr�ticas s�o muito severas e eu concordo com elas. Se a gente gente j� tem um sistema complexo hoje, n�s vamos ter dois sistemas complexos convivendo enquanto a gente n�o faz a transi��o, isso n�o faz o menor sentido, voc� tem que virar a chave.
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