
Eu tinha sete anos quando comecei a aprender a ler, como prop�e a escola alternativa Steiner que frequentei.
Minha filha frequenta uma escola padr�o inglesa e come�ou aos quatro anos, como � t�pico na maioria das escolas brit�nicas.
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V�-la memorizar letras e pronunciar palavras, numa idade em que minha ideia de educa��o era subir em �rvores e pular em po�as, me fez pensar sobre como nossas diferentes experi�ncias nos moldam.
Ser� que ela est� ganhando uma vantagem inicial crucial que vai render benef�cios ao longo da vida? Ou ela est� exposta a quantidades indevidas de potencial estresse e press�o, em um momento em que deveria estar desfrutando de sua liberdade? Ou simplesmente estou me preocupando demais, e n�o importa com que idade come�amos a ler e escrever?
N�o h� d�vida de que a linguagem em toda a sua riqueza — escrita, falada, cantada ou lida em voz alta — desempenha um papel fundamental em nosso desenvolvimento inicial.
Os beb�s j� respondem melhor � linguagem a que foram expostos no �tero. Os pais s�o incentivados a ler para seus filhos antes mesmo de nascerem e quando s�o beb�s.
As evid�ncias mostram que o quanto ou qu�o pouco conversem com a gente na inf�ncia pode ter efeitos duradouros no desempenho educacional futuro.
Os livros s�o um aspecto particularmente importante desta rica exposi��o lingu�stica, uma vez que a linguagem escrita geralmente inclui um vocabul�rio mais amplo, matizado e detalhado do que a linguagem falada cotidiana.
Isso pode, por sua vez, ajudar as crian�as a aumentar seu alcance e profundidade de express�o.
Uma vez que a experi�ncia precoce de uma crian�a com a linguagem � considerada t�o fundamental para seu sucesso posterior, tornou-se cada vez mais comum que as pr�-escolas comecem a ensinar �s crian�as habilidades b�sicas de alfabetiza��o antes mesmo do in�cio da educa��o formal.
Quando as crian�as entram para a escola, a alfabetiza��o � invariavelmente o foco principal.
Este objetivo de garantir que todas as crian�as aprendam a ler e escrever se torna ainda mais premente � medida que os pesquisadores alertam que a pandemia causou uma lacuna de desempenho cada vez maior entre as fam�lias mais ricas e as mais pobres, aumentando a desigualdade acad�mica.

Em muitos pa�ses, a educa��o formal come�a aos quatro anos. Em geral, o pensamento � que come�ar cedo oferece �s crian�as mais tempo para aprender e se destacar.
O resultado, no entanto, pode ser uma "corrida armamentista educacional", com os pais tentando oferecer aos filhos vantagens precoces na escola por meio de treinamento e ensino privado — com alguns pais at� pagando para que crian�as de quatro anos tenham aulas particulares adicionais.
Se voc� comparar isso com a educa��o infantil mais voltada para brincadeiras de v�rias d�cadas atr�s, ver� uma grande mudan�a na pol�tica, baseada em ideias muito diferentes do que nossas crian�as precisam para sair na frente.
Nos EUA, esta urg�ncia se acelerou com mudan�as nas pol�ticas, como a lei de 2001 conhecida como "nenhuma crian�a � deixada para tr�s", que promoveu testes padronizados como forma de medir o rendimento e o progresso educacional.
No Reino Unido, as crian�as s�o avaliadas no segundo ano de escola (entre 5 e 6 anos) para verificar se est�o alcan�ando o n�vel de leitura esperado.
Os cr�ticos advertem que testes precoces como este podem dissuadir as crian�as de ler, enquanto os defensores da pr�tica argumentam que ajuda a identificar aquelas que precisam de apoio adicional.
No entanto, muitos estudos mostram pouco benef�cio em um ambiente excessivamente acad�mico precoce.
Um relat�rio dos EUA de 2015 diz que as expectativas da sociedade sobre o que as crian�as devem alcan�ar no jardim de inf�ncia mudaram, o que est� levando a "pr�ticas inadequadas de sala de aula", como a redu��o do aprendizado baseado em brincadeiras.
O risco da 'escolariza��o'
A forma como as crian�as aprendem e a qualidade do ambiente s�o extremamente importantes.
"Que as crian�as aprendam a ler � uma das coisas mais importantes que a educa��o prim�ria faz. � fundamental para que as crian�as progridam na vida", diz Dominic Wyse, professor de educa��o prim�ria da University College London (UCL), no Reino Unido.
Em parceria com a professora de sociologia Alice Bradbury, tamb�m da UCL, ele publicou uma pesquisa propondo que a maneira como ensinamos a ler e escrever realmente importa.
Em um artigo de 2022, eles afirmam que o intenso enfoque do sistema escolar ingl�s na fon�tica — m�todo que envolve corresponder o som de uma palavra ou letra falada a letras escritas individuais, por meio de um processo chamado "sondagem" — pode estar prejudicando algumas crian�as.
Uma raz�o para isso, diz Bradbury, � que a "escolariza��o dos primeiros anos" resultou em um aprendizado mais formal mais cedo.
Mas os testes usados %u200B%u200Bpara avaliar esta aprendizagem precoce podem ter pouco a ver com as habilidades realmente necess�rias para ler e apreciar livros ou outros textos significativos.
Por exemplo, os testes podem pedir aos alunos para soletrar palavras sem sentido, para evitar que simplesmente adivinhem ou reconhe�am palavras familiares.
Como as palavras sem sentido n�o s�o uma linguagem significativa, as crian�as podem achar a tarefa dif�cil e confusa.
Bradbury descobriu que a press�o para ganhar estas habilidades de decodifica��o — e passar nos testes de leitura — tamb�m significa que algumas crian�as de tr�s anos j� est�o sendo expostas � fon�tica.
"Acaba n�o sendo significativo, acaba sendo memorizar em vez de entender o contexto", diz Bradbury.
Ela tamb�m receia que os livros usados %u200B%u200Bn�o sejam particularmente atraentes.

Nem Wyse nem Bradbury defendem a aprendizagem tardia propriamente dita, mas destacam que devemos repensar a maneira como as crian�as s�o ensinadas a ler e escrever.
A prioridade, segundo eles, deve ser estimular o interesse e a familiaridade com as palavras, por meio de livros de hist�ria, m�sicas e poemas — tudo o que ajuda a crian�a a captar os sons das palavras, al�m de ampliar seu vocabul�rio.
Esta ideia � respaldada por estudos que mostram que os benef�cios acad�micos da pr�-escola desaparecem mais tarde.
As crian�as que frequentam centros pr�-escolares intensivos n�o apresentam habilidades acad�micas melhores nas s�ries posteriores do que aquelas que n�o frequentaram essas pr�-escolas, mostram v�rios estudos agora.
A educa��o infantil pode, no entanto, ter um impacto positivo no desenvolvimento social — o que, por sua vez, contribui para a probabilidade de se formar na escola e na universidade, al�m de estar associado a taxas mais baixas de criminalidade.
Em suma, frequentar a pr�-escola pode ter efeitos positivos no desempenho posterior na vida, mas n�o necessariamente nas habilidades acad�micas.
Muita press�o acad�mica pode, inclusive, causar problemas a longo prazo.
Um estudo publicado em janeiro de 2022 sugeriu que alunos que frequentaram uma pr�-escola financiada pelo estado com forte �nfase acad�mica apresentaram resultados acad�micos mais baixos alguns anos depois, em compara��o com aqueles que n�o conseguiram uma vaga.
Este resultado coincide com pesquisas sobre a import�ncia da aprendizagem baseada em brincadeiras nos primeiros anos.
Pr�-escolas voltadas para atividades l�dicas apresentam melhores resultados do que pr�-escolas com foco acad�mico, por exemplo.
Um estudo de 2002 mostrou que "o sucesso escolar posterior das crian�as parece ter sido aprimorado por experi�ncias de aprendizagem precoce mais ativas e iniciadas pela crian�a", e que a aprendizagem excessivamente formal poderia ter retardado o progresso.
O estudo concluiu que "pressionar as crian�as cedo demais pode realmente sair pela culatra quando as crian�as passam para o �ltimo ano do ensino fundamental".
Da mesma forma, outro estudo pequeno mostrou que crian�as desfavorecidas nos EUA que foram aleatoriamente designadas para um ambiente mais l�dico tiveram menos problemas comportamentais e defici�ncias emocionais aos 23 anos, em compara��o com crian�as que foram aleatoriamente designadas para um ambiente de "instru��o direta" .
Estudos pr�-escolares como estes n�o esclarecem o impacto da alfabetiza��o precoce propriamente dita, e estudos pequenos em um �nico lugar devem sempre ser tratados com cautela, mas sugerem que a forma como se ensina � importante.
Uma raz�o pela qual a educa��o precoce pode gerar resultados sociais positivos mais tarde na vida pode n�o ter nada a ver com o ensino, mas com o fato de que proporciona cuidados infantis.
Isso significa que os pais podem trabalhar continuamente e proporcionar uma renda familiar mais alta.
Anna Cunningham, professora s�nior de psicologia da Nottingham Trent University, no Reino Unido, que estuda a alfabetiza��o precoce, argumenta que, se um ambiente for muito focado academicamente no in�cio, isso pode fazer com que os professores fiquem preocupados %u200B%u200B%u200B%u200Bcom testes e resultados, o que pode afetar as crian�as.
"� claro que n�o � bom julgar uma crian�a de cinco anos por seus resultados", diz ela.
A ansiedade dos pais em rela��o ao desempenho do filho na escola tamb�m pode contribuir para isso: de acordo com uma pesquisa encomendada por uma institui��o beneficente educativa no Reino Unido, o desempenho escolar � uma das principais preocupa��es dos pais.

Come�o tardio leva a melhores resultados?
Nem todo mundo privilegia come�ar cedo. Em muitos pa�ses, incluindo Alemanha, Ir� e Jap�o, a educa��o formal come�a por volta dos seis anos.
Na Finl�ndia, muitas vezes aclamada como o pa�s com um dos melhores sistemas educacionais do mundo, as crian�as entram na escola aos sete anos.
Apesar desta aparente defasagem, os alunos finlandeses obt�m pontua��es mais altas em compreens�o de leitura do que os estudantes do Reino Unido e dos EUA aos 15 anos.
De acordo com essa abordagem centrada na crian�a, os anos do jardim de inf�ncia finland�s s�o repletos de jogos e nenhuma instru��o acad�mica formal.
Seguindo este modelo, uma revis�o de estudos da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, de 2009 prop�s que a idade escolar formal fosse adiada para seis anos, dando �s crian�as no Reino Unido mais tempo "para come�ar a desenvolver as habilidades de linguagem e estudo essenciais para seu progresso posterior", j� que come�ar cedo demais poderia "amea�ar minar a confian�a das crian�as de cinco anos e causar danos de longo prazo � sua aprendizagem".
As pesquisas respaldam esta ideia de come�ar mais tarde. Um estudo de 2006 sobre o jardim de inf�ncia nos EUA mostrou que houve uma melhora na pontua��o dos testes de crian�as que atrasaram a entrada em um ano.
Outra pesquisa que comparou leitores precoces versus leitores tardios descobriu que leitores tardios alcan�am n�veis compar�veis %u200B%u200Bmais tarde — at� mesmo superando ligeiramente os leitores precoces em habilidades de compreens�o.
O estudo mostra que aprender mais tarde permite que as crian�as relacionem de maneira mais eficiente seu conhecimento de mundo — sua compreens�o — com as palavras que aprendem, explica Sebastian Suggate, principal autor do estudo, da Universidade de Regensburg, na Alemanha.
"Faz sentido", diz ele. "A compreens�o de leitura � linguagem, eles precisam desbloquear as ideias por tr�s disso."
"� claro que se voc� passar mais tempo focando na linguagem mais cedo, estar� construindo uma base s�lida de habilidades que leva anos para se desenvolver."
"A leitura pode ser aprendida rapidamente, mas para a linguagem (vocabul�rio e compreens�o) n�o h� truques f�ceis. � um trabalho �rduo", diz Suggate.
Antes cedo do que tarde?
Em outro estudo que analisou as diferentes idades de entrada na escola, ele descobriu que aprender a ler cedo n�o trazia benef�cios discern�veis aos 15 anos.
A quest�o ent�o permanece: se a capacidade de leitura n�o melhora com a aprendizagem precoce, por que come�ar cedo? A varia��o individual do gosto e capacidade de leitura � um aspecto importante.
"As crian�as s�o extremamente diferentes em termos de habilidades fundamentais quando entram para a escola ou come�am a aprender a ler", explica Cunningham.
Em seu estudo com crian�as educadas pelo ensino Steiner, que s� come�a a educa��o formal por volta dos sete anos, ela teve que excluir 40% da amostra porque as crian�as j� sabiam ler.
"Acho que � porque elas estavam prontas para isso", diz ela.
Cunningham tamb�m descobriu que as crian�as mais velhas estavam mais preparadas "para aprender o processo de leitura em termos de suas habilidades lingu�sticas subjacentes" porque tiveram tr�s anos extras de exposi��o � linguagem.

Estudos tamb�m mostram que a capacidade de leitura est� mais intimamente ligada ao vocabul�rio de uma crian�a do que � sua idade, e que as habilidades de linguagem falada s�o um alto indicador de habilidades liter�rias posteriores.
No entanto, sabemos que muitas crian�as que entram na escola est�o atrasadas em suas habilidades lingu�sticas, especialmente aquelas de origens desfavorecidas.
Alguns argumentam que o ensino formal permite que essas crian�as tenham acesso ao apoio e �s habilidades que outras podem adquirir informalmente em casa.
Esta linha de pensamento � defendida pelas autoridades educacionais do Reino Unido, que dizem que ensinar a ler cedo para aqueles que est�o atrasados %u200B%u200Bem sua linguagem falada � "o �nico caminho eficaz para fechar essa lacuna [de capacidade lingu�stica]".
Outros preferem a abordagem oposta, de mergulhar as crian�as em um ambiente em que possam desfrutar e desenvolver sua compreens�o da linguagem, que �, no fim das contas, fundamental para o sucesso da leitura.
� exatamente isso que um ambiente de aprendizagem l�dico ajuda a incentivar.
"O trabalho de ensinar � avaliar onde seus filhos est�o e oferecer a eles o ensino mais adequado em rela��o ao seu n�vel de desenvolvimento", diz Wyse.
A revis�o de Cambridge de 2009 reiterou isso e afirmou: "N�o h� evid�ncias de que uma crian�a que passa mais tempo aprendendo por meio de aulas — em vez de aprender por meio de brincadeiras — 'se sair� melhor' a longo prazo".
Cunningham, cuja filha tamb�m come�ou recentemente a aprender a ler, tem uma vis�o generosa e tranquilizadora da idade ideal para a leitura:
"N�o importa se voc� come�a a ler aos quatro, cinco ou seis, desde que o m�todo de ensino seja um m�todo bom e comprovado. As crian�as s�o t�o resilientes que v�o encontrar oportunidades para brincar em qualquer contexto."
Nossa obsess�o com a alfabetiza��o precoce parece ent�o ser um tanto infundada — n�o h� necessidade, nem benef�cio claro de apressar as coisas.
Por outro lado, se seu filho est� come�ando a ser alfabetizado cedo, ou mostra interesse pela leitura antes de ser ensinado na escola, tudo bem tamb�m, desde que haja sempre muitas oportunidades para fazer uma pausa e se divertir ao longo do caminho.
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
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