O Enem (Exame Nacional do Ensino M�dio), que neste domingo (28/11) trar� as quest�es de ci�ncias da natureza e matem�tica, � uma prova geralmente considerada dif�cil pelos estudantes.
Mas Samidy Reis Ribeiro, de 19 anos, de Itabuna (BA), que presta o exame pela quinta vez, se deparou com um obst�culo extra em 2021.
"Tive mais dificuldade neste ano, n�o necessariamente com o conte�do, mas com a minha confian�a sobre o conte�do, depois do ensino remoto", diz ela � BBC News Brasil a respeito da primeira prova do Enem (de ci�ncias humanas, linguagem e reda��o), no domingo passado (21/11).
"E inseguran�a � algo que a gente n�o pode ter na prova. Mesmo sabendo o conte�do, n�o ter a convic��o sobre ele atrapalha o racioc�nio e o tempo de prova", conta a estudante do ensino t�cnico do Instituto Federal de Ilh�us (BA), que sonha em cursar Direito ou Letras.
Marcia Maia, professora de Samidy no instituto, diz que o que mais escutou de seus alunos depois da primeira prova do Enem � que eles s� querem voltar a falar do assunto quando sair a corre��o oficial das quest�es.
"Ouvi deles: 'quero esquecer o dia de hoje' (domingo passado). N�o porque eles tenham ido pessimamente na prova, mas porque se viram diante de algo para o qual eles sabiam que poderiam estar infinitamente mais preparados", relata Maia.
O fechamento das escolas durante a pandemia de coronav�rus teve um efeito particularmente grave nas escolas p�blicas do pa�s e nos alunos de baixa renda, que viram o abismo aumentar em rela��o �s escolas privadas e aos alunos de renda m�dia e alta - que conseguiram migrar com mais facilidade para o ensino remoto e manter o aprendizado acontecendo com mais intensidade e regularidade.
Passado um ano e meio desde o in�cio da pandemia, mais da metade (51%) dos alunos da rede p�blica segue sem ter acesso a um computador com internet, apontou uma pesquisa publicada no in�cio de novembro, realizada pelo Datafolha sob encomenda de institutos educacionais.
Outra pesquisa, do Instituto de Estudos Socioecon�micos (Inesc), calcula que um em cada cinco alunos (ou 20%) do ensino m�dio da rede p�blica brasileira ficou sem aulas durante a pandemia - propor��o que aumenta para 26,8% entre estudantes da zona rural.

Para efeitos comparativos, esse �ndice foi a metade (11,8%) na rede privada.
Em m�dia, os alunos da rede p�blica estudaram uma hora a menos por dia do que os da rede privada (3,18 horas contra 4,28 horas), uma diferen�a de 35%.
Com menos tempo de aula, teve conte�do que simplesmente n�o foi abordado com profundidade.
"Por mais que a gente tenha trabalhado o conte�do (do Enem) com a professora Marcia, teve coisas que, por causa da pandemia, a gente teve que suprimir", agrega a estudante Samidy.
"No presencial acho que teria dado tempo de ver todo o conte�do. Mas (no ensino remoto) muitas quest�es (do Enem) eram sobre coisas que n�o deu tempo de estudar ou revisar", conta Thifany Gomes, de 17 anos, aluna do 2� ano na rede estadual de Belo Horizonte (MG), que presta o Enem como treineira.
O Enem ocorre, tamb�m, em meio a uma crise sem precedentes no Inep, instituto governamental respons�vel pela prova (por conta de den�ncias de tentativas de interfer�ncia do governo federal no conte�do das quest�es e de ass�dio moral contra servidores) e com uma queda expressiva no n�mero de candidatos.
Foram menos de 3,5 milh�es de inscritos no Enem 2021, o n�mero mais baixo desde 2005. A prova j� chegou a ter 8,7 milh�es de participantes.
E a absten��o no �ltimo domingo foi expressiva: um entre cada 4 alunos inscritos desistiu de prestar a primeira prova, �ndice que pode aumentar nas provas de matem�tica e ci�ncias da natureza, neste domingo.
Prova 'mais dif�cil'?
No domingo passado, quando fez uma enquete sobre o grau de dificuldade da primeira prova do Enem 2021, Vinicius de Andrade - que, desde 2016, comanda o Salvaguarda, projeto de inser��o de alunos da rede p�blica no ensino superior - se surpreendeu com as respostas que recebeu dos alunos.
Dos mais de 110 que responderam, apenas dois consideraram a prova de linguagens e ci�ncias humanas f�cil, bem menos do que nos outros anos.
"Imagina, ent�o, como vai ser na prova de exatas (neste domingo)?", pondera.
O motivo mais prov�vel dessa percep��o de dificuldade maior, diz ele, � justamente "o abismo" que aumentou no ensino remoto: se antes os professores da rede p�blica j� se esfor�avam para cumprir com todo o curr�culo escolar em um contexto de evas�o e defasagem de ensino, o desafio ficou muito maior na pandemia.

"A pandemia tornou pior o que j� n�o era bom", conta o professor Maicon Roberto Poli de Aguiar, que d� aula de Hist�ria no ensino m�dio da rede estadual de Blumenau (SC).
"A maioria dos meus alunos n�o conseguiu acessar as aulas, por n�o ter escolhas (ou meios para se conectar) ou porque come�aram a trabalhar mais de um turno" em meio � crise econ�mica, explica Aguiar.
Assim, uma dificuldade antiga, de fazer os alunos se sentirem pertencentes ao universo do Enem e do ensino superior, aumentou muito.
"Fiz tr�s simulados do Enem neste ano. E o dia em que tive mais alunos, eles eram apenas seis", conta Aguiar. "Muitos nem prestaram o Enem. N�o percebem esse universo como poss�vel para eles."
"A pandemia impactou muito a minha autoestima - de n�o me sentir boa o suficiente para fazer a prova e competir com as outras pessoas", conta Fernanda Karem Amparo da Costa, de 18 anos, outra aluna do Instituto Federal da Bahia. "Um col�gio (privado) aqui da minha cidade, Itabuna, prepara os alunos especificamente para o Enem, faz simulados. Ent�o, eu estou competindo com pessoas mais preparadas."
Por enquanto, como Fernanda ainda tem mais um semestre de estudos no instituto em 2022, ainda n�o precisa contar com a nota do Enem deste ano. Mas teme ter dificuldades em aumentar sua dedica��o aos estudos no Enem de 2022, esse sim decisivo para seu futuro.
"Se eu n�o me sair bem na prova deste ano, como vou fazer para conciliar a minha prepara��o com os estudos e com o est�gio no ano que vem? � uma prova que vai definir o meu futuro."
Estudos competem com o trabalho
Outro problema � que, com a crise econ�mica e a dificuldade em acessar o ensino remoto, mais alunos acabaram acelerando sua entrada no mercado de trabalho, para o lamento do professor Aguiar, de Blumenau.
"Como eles n�o se veem na universidade, no ensino m�dio eles j� compartilham o seu tempo com o trabalho - ou porque precisam (sustentar a fam�lia) ou porque dizem querer ter 'dinheiro para comprar minhas coisas'. Eles n�o calculam o impacto disso no m�dio e longo prazo, de que n�o v�o ter tempo para estudar", diz.
Ainda em maio de 2020, a OCDE (Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico) havia alertado para o perigo de a pandemia criar uma "gera��o perdida de jovens", for�ados a entrar precocemente no mercado profissional em empregos prec�rios e de baixa remunera��o, que propiciam poucas oportunidades de ascens�o social e que absorvem tempo e energia que poderiam ser dedicados � educa��o.
No Brasil, a pesquisa do Inesc concluiu que mais de um ter�o (37%) dos alunos do ensino m�dio p�blico brasileiro conciliam o estudo com algum trabalho, 12 pontos percentuais a mais do que os jovens da rede privada.
Nesse contexto, diz Aguiar, est� mais dif�cil que os jovens vejam o ensino m�dio como um ambiente atraente. E fica mais dif�cil, tamb�m, enxergar o ensino como algo al�m de um mero diploma - "como se o objetivo da escola fosse s� a aprova��o, e n�o o intuito de aprender, de uma educa��o com uma inten��o mais ampla", desabafa.
Marcia Maia observa realidade semelhante entre seus alunos no instituto federal de Ilh�us.
"Nunca, nos nossos dez anos, a gente teve um volume t�o grande de estudantes trabalhando enquanto estudam", conta.
"Eles s�o empurrados ao mercado informal e t�m que conciliar isso com as aulas e com todo o aspecto emocional (do Enem). Tudo converge para que achem o processo todo muito dif�cil, para achar que n�o tiveram um preparo adequado. (...) Isso recai sobre parte do nosso p�blico como uma esp�cie de condena��o pr�via."
Apesar desses obst�culos, Maia exalta o comprometimento de muitos estudantes.
"Eles fizeram a prova (de domingo passado), encararam o desafio dessa etapa importante e n�o deixaram (o contexto negativo) se tornar um impedimento", diz a professora.
"Havia um clima de des�nimo antes da prova, ent�o demos (professores) um g�s para eles no nosso grupo de WhatsApp, dizendo o quanto eles se superaram nesses dois �ltimos anos. Eles s�o guerreiros - tenho muito orgulho desses meninos e meninas. Se n�s, adultos, sofremos quando somos avaliados, imagina ent�o para esses jovens, que est�o com a sua vida nas m�os?"
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