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Estado de Minas DETERMINISMO

O perigo de definirmos nossa identidade pelo trabalho

Muitas vezes vemos nossa carreira como um detalhe que define quem somos, mas vincular nossas identidades ao trabalho pode ser perigoso


28/05/2021 11:09 - atualizado 28/05/2021 12:24


Vincular nossas identidades ao trabalho pode ser perigoso, alertam especialistas(foto: Alamy)
Vincular nossas identidades ao trabalho pode ser perigoso, alertam especialistas (foto: Alamy)

O sobrenome mais popular na Alemanha e na Su��a � M�ller, enquanto na Ucr�nia � Melnik; ambos podem ser traduzidos como empregado ou propriet�rio de moinho. Na Eslov�quia, o sobrenome mais comum � Varga, palavra que significa sapateiro.

E no Reino Unido, na Austr�lia, na Nova Zel�ndia, no Canad� e nos Estados Unidos, � Smith — que remete a ferreiro, ourives e chaveiro em ingl�s.

Esses nomes datam da Idade M�dia, quando o trabalho de uma pessoa era uma caracter�stica t�o marcante, que se tornava sua identidade literal.

Hoje, nossos empregos n�o ditam nossos nomes — embora uma pesquisa sobre o fen�meno do determinismo nominativo diga que o oposto pode ser verdadeiro; pense em um meteorologista chamado 'Blizzard' (nevasca, em ingl�s) ou um arque�logo chamado 'Graves' (t�mulos, em ingl�s) — mas, muitas vezes, eles ainda se tornam uma parte importante de nossas identidades.

N�o � � toa que uma das primeiras perguntas que costumamos fazer quando conhecemos algu�m �: "O que voc� faz?"

De muitas maneiras, parece natural ver a profiss�o de uma pessoa como um detalhe definidor de quem ela �.

Pode ser uma pista sobre seus valores, interesses ou origem (ou simplesmente ajudar dois estranhos a passar o tempo em uma festa).

Mas muitos de n�s acabam realmente se definindo por suas ocupa��es — o que geralmente acontece �s nossas pr�prias custas.

Como o trabalho ficou t�o emaranhado com a identidade — e ser� que � tarde demais para separar as percep��es que temos de n�s mesmos de nossas vidas profissionais?

Marcador de identidade

Historicamente, a maioria das pessoas n�o escolhia seus empregos, diz Anne Wilson, professora de psicologia da Universidade Wilfrid Laurier, em Ont�rio, no Canad�.

"Costumava ser geracional — seu pai era carpinteiro, ent�o voc� era carpinteiro", explica.

"Ou, voc� simplesmente pegaria um emprego com base nas oportunidades dispon�veis."

Mas o maior acesso � educa��o no s�culo passado levou ao surgimento dos mais variados empregos e, consequentemente, de mais faixas de renda.

Assim, as carreiras se tornaram um marcador significativo de identidade mais sutil.

Quando algu�m diz que � um cirurgi�o, voc� geralmente sup�e que a pessoa tenha uma boa educa��o e alta renda — duas m�tricas que podem determinar a posi��o de algu�m na sociedade e afetar como voc� subsequentemente julga essa pessoa.

� claro que � uma via de m�o dupla: muitos recebem bem esse julgamento, porque desejam se associar � riqueza e � realiza��o que seus t�tulos profissionais sugerem.

"Isso � especialmente verdade entre a 'elite educada'", afirma Wilson.

"Para pessoas que t�m um certo tipo de trabalho e determinada classe, muitas vezes � sobre como voc� se identifica e como os outros te identificam."

No entanto, aqueles que permitem que seus empregos consumam suas identidades podem estar fazendo isso �s pr�prias custas.


O trabalho está tão arraigado em nossa identidade que uma das primeiras coisas que fazemos ao conhecer uma pessoa é perguntar o que ela faz(foto: Alamy)
O trabalho est� t�o arraigado em nossa identidade que uma das primeiras coisas que fazemos ao conhecer uma pessoa � perguntar o que ela faz (foto: Alamy)

Quando as pessoas investem uma quantidade desproporcional de tempo e energia em suas carreiras, explica Wilson, isso pode levar a um estado psicol�gico denominado 'enredamento', em que as fronteiras entre trabalho e vida pessoal ficam turvas.

"Isso tende a acontecer especialmente com pessoas com empregos que s�o relativamente autodeterminados, em que voc� n�o bate ponto �s 9h e �s 17h", diz ela.

Pessoas em cargos executivos de alto escal�o, advogados, m�dicos, empres�rios, acad�micos e outros que estabelecem seus pr�prios hor�rios "podem acabar deixando seu trabalho ocupar muito — ou a maior parte — do tempo de suas vidas".

A armadilha do enredamento

Segundo Wilson, h� alguns sinais comuns de enredamento, como pensar no trabalho quando voc� n�o est� l� e mencionar seu trabalho nos primeiros tr�s minutos de uma conversa.

O enredamento permite que o trabalho "consuma o tempo e a identidade de algu�m, deixando menos espa�o para hobbies e interesses".

"Isso torna mais dif�cil se conectar com pessoas que n�o fazem parte da sua vida profissional."

Quando voc� fica t�o enredado no trabalho a ponto de ele come�ar a te definir, voc� tamb�m pode come�ar a permitir que ele determine seu pr�prio valor. Isso pode ter efeitos desastrosos.

"Se voc� vincular [sua autoestima] � sua carreira, os sucessos e fracassos que voc� vivenciar v�o afetar diretamente sua autoestima", adverte Wilson.

"E como vivemos em uma sociedade em que as carreiras t�m pouca probabilidade de ser vital�cias, se mudarmos ou ficarmos sem emprego, isso tamb�m pode se tornar uma crise de identidade."

E o enredamento n�o amea�a apenas a forma como nos sentimos a n�vel pessoal.

Janna Koretz, fundadora da Azimuth Psychological, uma cl�nica com sede em Boston, nos EUA, focada na sa�de mental de pessoas em empregos de alta press�o, diz que vincular a autoestima � carreira pode transformar um obst�culo na carreira em algo consideravelmente mais dif�cil de superar.

"Inevitavelmente, algo vai acontecer", diz ela.

"Haver� demiss�es, uma recess�o, sua empresa ser� comprada e, de repente, seu emprego n�o � mais o que costumava ser. Vira uma quest�o realmente existencial para as pessoas, e elas t�m estrat�gias de enfrentamento ruins porque � catastr�fico. Ent�o isso leva � depress�o, ansiedade e at� mesmo ao uso abusivo de subst�ncias."

Mas at� que haja um problema, a maioria das pessoas que adota uma identidade centrada na carreira nem sequer percebe que isso est� acontecendo.

"Trabalhamos com pessoas que n�o se sentem confort�veis %u200B%u200Bcom o quanto s�o definidas por seu trabalho", diz Koretz.

Ironicamente, ela acrescenta, a maioria tamb�m diria que est� fazendo o "trabalho dos sonhos", ou algo que ama.

Uma nova identidade cultural

No entanto, podemos ter uma rara oportunidade de dissociar quem somos do que fazemos.

O dist�rbio causado pela pandemia de covid-19 em todos os setores de nossas vidas — no trabalho, especialmente — fez com que muitos indiv�duos avaliassem o que � realmente importante para eles.

Alguns adotaram novos hobbies; outros refor�aram os la�os com a fam�lia e os amigos.


Profissionais de 'elite' estão entre os mais propensos a vivenciar o enredamento(foto: Alamy)
Profissionais de 'elite' est�o entre os mais propensos a vivenciar o enredamento (foto: Alamy)

"Quando enfrentamos experi�ncias que nos lembram que nossa exist�ncia mortal � transit�ria e que a trag�dia pode nos atingir com pouco ou nenhum aviso, tendemos a ficar motivados a avaliar o que faz a vida valer a pena", escreveu Clay Routledge, professor de psicologia na Universidade Estadual da Dakota do Norte, nos EUA.

Routledge � um dos coautores de um estudo recente sobre como os adultos americanos buscam significado em suas vidas.

Portanto, embora nossas carreiras ainda sejam relevantes, � claro, podemos estar em um momento em que nossos empregos se tornaram apenas uma pe�a importante do quebra-cabe�a de nossas vidas.

Wilson ressalta que fazer um trabalho que voc� ama n�o � algo ruim, tampouco considerar o que voc� faz para viver uma parte importante de quem voc� �.

Mas, segundo ela, deixar para tr�s um sistema em que as pessoas s�o definidas sobretudo — ou exclusivamente — por seus empregos exigir� mais do que perceber que h� um problema ou redefinir as prioridades em consequ�ncia da pandemia.

Tamb�m exigir� uma mudan�a cultural abandonar a ideia de que cada pessoa tem uma "voca��o" profissional, ditada por quem elas s�o, e que o objetivo da vida deve ser encontr�-la.

"Muitas vezes preparamos uma armadilha para que as pessoas se sintam insatisfeitas; se elas n�o se encontrarem no emprego perfeito, elas fracassaram de alguma forma", explica.

A mudan�a dessa narrativa precisa come�ar, na verdade, muito antes de as pessoas entrarem no mercado de trabalho.

Pesquisas mostram que a press�o para encontrar "uma voca��o" faz com que estudantes se sintam perdidos e deprimidos.

At� mesmo as crian�as pequenas recebem a mensagem de que a carreira que escolherem far� parte de quem elas se tornar�o; pare para pensar quantas vezes as crian�as de hoje ouvem a pergunta: "O que voc� quer ser quando crescer?"

Conversar sobre as diferentes profiss�es com as crian�as — especialmente meninas — pode ajud�-las a ver as in�meras possibilidades que seu futuro reserva.

Mas Wilson diz que perguntar aos jovens o que eles querem ser pode ter um efeito colateral.

"A quest�o � que quando queremos que as crian�as determinem um curso de vida, isso pode influenciar o grau em que, como adultos, acabamos vinculando tanto nossa identidade ao trabalho."

Enquanto os pais podem come�ar a adotar essas mudan�as com os filhos, os adultos que se sentem enredados demais em suas carreiras tamb�m t�m alguns recursos dispon�veis.

Reservar deliberadamente um tempo para relaxar e socializar fora do trabalho pode ajudar.

Pode ser dif�cil fazer amigos na idade adulta, mas entrar para grupos ou clubes pode dar uma m�ozinha. Arranjar hobbies tamb�m pode ser muito �til, desde que n�o tenham nada a ver com seu trabalho.

Koretz explica que as identidades se desenvolvem com o tempo e adverte contra tentar mudar demais, muito r�pido. Ela incentiva seus clientes a adicionar novos elementos de identifica��o aos poucos.

"Em vez de mudan�as dr�sticas e muito complicadas, adquira hobbies pouco a pouco, fa�a amigos pouco a pouco", sugere.

"Em �ltima an�lise, � parecido com diversificar uma carteira de investimentos financeiros. Voc� tem que diversificar sua vida. Se diversificar."

Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Work Life.

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