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Estado de Minas DISPENSA COLETIVA

'Fui demitida com 35 colegas por v�deo': as demiss�es em massa por startups brasileiras

Sem recursos em meio � alta global de juros, empresas novatas demitem �s centenas. Funcion�rios se sentem desrespeitados pela forma como muitas dispensas coletivas est�o sendo conduzidas.


21/06/2022 05:15 - atualizado 21/06/2022 08:52


Mulher observa reunião por vídeo na tela de um computador
Sem recursos em meio � alta global de juros, empresas novatas demitem �s centenas. Funcion�rios se sentem desrespeitados pela forma como muitas dispensas coletivas est�o sendo conduzidas (foto: Getty Images)

"Era uma empresa bem bacana. A cultura deles era o que chamava mais a aten��o. O acesso aos l�deres era muito f�cil, os benef�cios eram bem bons tamb�m."

"O �nico problema era que as mudan�as eram muito r�pidas, e n�o eram comunicadas. Um dos valores da empresa era a transpar�ncia, mas isso era s� no papel. Quando aconteciam as mudan�as, a gente era sempre pego de surpresa. Foi exatamente isso que aconteceu com as demiss�es", conta uma trabalhadora demitida recentemente de uma startup de servi�os residenciais.

"Marcaram de �ltima hora uma reuni�o por v�deo com 36 funcion�rios. Foi onde eles comunicaram a demiss�o em massa de todo mundo", diz a ex-funcion�ria, que optou pelo anonimato.

Segundo ela, o dono da empresa explicou que um grande investimento esperado n�o aconteceu e, por conta disso, e das mudan�as do mercado, a empresa estava mudando seu modelo de neg�cios.

"Para mim, foi uma forma muito cruel de demiss�o. Todo funcion�rio sabe que a qualquer momento pode ser demitido. Mas a not�cia n�o deveria ser dada na frente de todo mundo, ap�s dias sem informa��o", afirma.

"� inevit�vel que voc� se sinta injusti�ada, diminu�da, por conta da situa��o. Ningu�m p�de falar nada, porque os microfones foram bloqueados. Ent�o a gente s� p�de ouvir e aceitar tudo que estava acontecendo. Faltou transpar�ncia e empatia."

A demiss�o relatada pela trabalhadora � uma de centenas que t�m sido feitas nos �ltimos meses pelas startups brasileiras, em uma onda que afeta tamb�m outros pa�ses.

Entre as empresas novatas que demitiram em massa recentemente no pa�s est�o Facily, Kavak, Vtex, Favo, QuintoAndar, Loft, Olist, Mercado Bitcoin, Zak, Bitso, TGroup, Sami e Sanar. Todas dispensaram dezenas, e em alguns casos at� centenas, de funcion�rios ao longo do primeiro semestre de 2022.

Os trabalhadores demitidos dizem compreender o cen�rio macroecon�mico, as dificuldades enfrentadas pelas empresas e a natureza vol�til de neg�cios novos e inovadores. Mas criticam a forma considerada desrespeitosa como muitas dessas demiss�es coletivas t�m sido conduzidas.

O caso da funcion�ria demitida por v�deo e em grupo n�o � isolado.

A startup Zak, de gest�o de restaurantes, por exemplo, anunciou para seus funcion�rios em 13 de maio, em uma reuni�o por v�deo, que um investidor havia voltado atr�s num aporte de recursos e que, por conta disso, a empresa iria demitir 40% do quadro.

Na sequ�ncia, os que seriam demitidos receberam convites para reuni�es de 20 pessoas, onde os gestores oficializaram as demiss�es, relatam ex-funcion�rios.

"Tinha gente que come�ou na segunda-feira e foi demitida na sexta. E eles estavam fazendo recrutamento ativo, trazendo pessoas de outras empresas. Eu mesma estava em uma empresa h� mais de um ano e fui abordada por um recrutador da Zak. Fiquei pouco mais de 30 dias e aconteceu essa demiss�o em massa", conta uma funcion�ria demitida que tamb�m optou pelo anonimato.

Procurada pela BBC News Brasil, a Zak afirmou em nota que vem sofrendo as consequ�ncias de um cen�rio macroecon�mico adverso. "Estamos comprometidos a apoiar todos os colaboradores afetados e reiteramos que esta decis�o foi tomada com extremo cuidado e pondera��o, e como �ltimo recurso", completou a empresa.

Juros em alta e fuga de investidores

Felipe Matos, presidente da Abstartups (Associa��o Brasileira de Startups), destaca que a onda de demiss�es coletivas em startups � um fen�meno global, resultado do aumento das taxas de juros pelos governos para combater a infla��o.

"Quando os juros sobem, os investimentos de risco costumam ser penalizados. Basicamente, do ponto de vista dos investidores, vale mais a pena deixar o dinheiro em aplica��es mais seguras, como t�tulos do tesouro e outras aplica��es indexadas �s taxas de juros, do que arriscar investir em uma startup ou no sistema produtivo, que s�o investimentos de risco muito maior", diz Matos.

Al�m de impactar o balan�o entre risco e retorno dos investimentos, a alta de juros tamb�m afeta o valor das empresas ("valuation", no jarg�o de mercado em ingl�s). Isso porque esse valor � estimado calculando o fluxo de caixa futuro da empresa, descontada a taxa de juros. Assim, quanto maiores os juros, menor a avalia��o das companhias.

O aumento dos juros tamb�m implica em desacelera��o da atividade econ�mica, j� que fica mais caro para fam�lias e empresas tomarem empr�stimos para consumir e investir. Com isso, a pr�pria gera��o de caixa das empresas � prejudicada e muitos planos de crescimento precisam ser revistos.

"Enquanto antes tinha um paradigma em que valia mais a pena crescer do que ser lucrativo, porque existiam investidores dispostos a bancar esse crescimento, mesmo com caixa negativo, agora isso n�o � mais verdade. As empresas precisam ter mais aten��o ao caixa, mesmo que isso signifique crescer mais devagar", afirma.

"� basicamente por isso que temos visto essa onda de demiss�es", diz o representante. "Ningu�m sabe exatamente quanto tempo esse ciclo vai durar, nem o qu�o profundo ele ser�, se viveremos uma crise maior. � dif�cil prever, mas as empresas est�o se preparando, congelando investimentos e conservando caixa para atravessar essa fase em que se espera que haver� menos capital dispon�vel."


Trabalhadores em fila segurando cada um uma caixa num escritório vazio
'Quando vem uma crise e a empresa precisa cortar, muitas vezes ela corta pessoas que t�m um bom desempenho. Isso sempre vai causar desconforto', diz Felipe Matos, da Abstartups (foto: Getty Images)

Para Matos, o desconforto de trabalhadores com a forma como algumas demiss�es em massa t�m sido conduzidas est� relacionado � pr�pria natureza da demiss�o coletiva por quest�es econ�micas ou de reestrutura��o das empresas.

"� um problema de qualquer demiss�o em volume. Uma coisa � demitir algu�m por quest�o de performance, em que a pessoa recebe um feedback [retorno], existe uma avalia��o. Essa � uma demiss�o que est� dentro do esperado. Quando vem uma crise e a empresa precisa cortar, muitas vezes ela corta pessoas que t�m um bom desempenho. Isso sempre vai causar desconforto."

'Me senti descartado, foi humilhante'

Desconforto � pouco para descrever o que sentiu o carioca Vinicius Mota ao ser demitido da Kavak, startup de revenda de carros usados.

"Me senti usado e descartado. Ser mandado embora � normal, todo contrato uma hora chega ao fim. Mas a forma como foi conduzido foi humilhante. N�o s� para mim, mas para 90% dos colaboradores", diz o t�cnico em manuten��o automotiva de 28 anos.


Vinicius Mota
'Ser mandado embora � normal, todo contrato uma hora chega ao fim. Mas a forma como foi conduzido foi humilhante', diz Vinicius Mota, demitido da Kavak (foto: Arquivo pessoal)

Mota, que trabalhou por cinco meses como inspetor de qualidade na Kavak at� ser demitido, conta que os funcion�rios j� vinham percebendo uma queda de movimento nas vendas, mas eram repetidamente assegurados pela ger�ncia de que estava tudo bem e dentro do planejado.

Em 6 de maio, a empresa inclusive realizou um grande evento no Rio de Janeiro, reunindo toda a equipe com um farto caf� da manh� e assegurando que ningu�m seria demitido, relata.

Um m�s depois, em 7 de junho, a equipe foi chamada para uma reuni�o, sem informa��o do que seria discutido. Na chegada, os funcion�rios foram recebidos por seguran�as, portando listas com nomes. Os funcion�rios eram ent�o encaminhados ao 6º andar ou ao interior da loja — posteriormente, ficaram sabendo que no 6º andar estavam os "salvos" e na loja, os demitidos.

Os cerca de 50 funcion�rios reunidos dentro da loja tiveram que aguardar por quase uma hora, cercados por seguran�as, sendo impedidos de bater o ponto, tomar caf� ou ir ao banheiro sem acompanhamento, lembra o t�cnico em manuten��o.

Objetos e carros haviam sido retirados da loja, o que fez os trabalhadores — a maioria de opera��o e vindos de bairros populares do Rio — sentissem que havia um temor de que eles pudessem roubar ou destruir algo, embora naquele momento ainda fossem funcion�rios da empresa.

Por fim, os funcion�rios foram divididos em grupos de 12 a 15 pessoas e a demiss�o feita atrav�s da leitura — por gerentes que n�o eram os gestores diretos dos demitidos — de uma carta formal, que dizia que a estrat�gia da empresa havia mudado.

Estima-se que a empresa tenha demitido 300 pessoas no Rio e em S�o Paulo nesse �ltimo m�s, mas a Kavak n�o confirma o n�mero oficial. Procurada pela BBC News Brasil, a assessoria de imprensa da empresa respondeu em nota que "a Kavak prefere n�o comentar".

Mota conta que alguns colegas pensam em entrar com processo contra a empresa por ass�dio moral no momento da demiss�o. Ele se concentra na busca por um novo emprego, mas quer agora ficar longe de startups. "Prefiro passar longe, como profissional eu n�o confio mais", afirma.

O que diz a legisla��o sobre demiss�es coletivas

Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho na FMU, observa que, ap�s a reforma trabalhista de 2017, a demiss�o individual e a coletiva passaram a ser consideradas equivalentes, sendo dispensada autoriza��o pr�via por parte do sindicato profissional.


Trabalhadores reunidos em escritório para ouvir um anúncio
Ap�s a reforma trabalhista de 2017, a demiss�o individual e a coletiva passaram a ser consideradas equivalentes, sendo dispensada autoriza��o pr�via por parte do sindicato profissional (foto: Getty Images)

Em 8 de junho deste ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) ratificou esse entendimento, mas estabeleceu que os sindicatos devem ser comunicados sobre dispensas coletivas.

Nas startups, que s�o empresas jovens, com alta rotatividade e onde os trabalhadores em geral n�o est�o ligados a sindicatos, Calcini avalia que acaba prevalecendo o texto da reforma trabalhista.

"Sem representatividade [sindical], com n�mero reduzido de funcion�rios e um giro grande, quando o Supremo fala que tem que comunicar o sindicato, para as startups ficou algo vazio", afirma.

O especialista lembra que os dispensados em demiss�es coletivas t�m todos os direitos normais de uma demiss�o: aviso pr�vio de 30 dias indenizado, 13º sal�rio proporcional, f�rias proporcionais acrescidas do ter�o constitucional, multa de 40% do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Servi�o), libera��o das guias para saque do FGTS e saldo de sal�rio.

Quanto � possibilidade de ir � Justi�a por situa��es abusivas no momento da demiss�o, Calcini afirma que � preciso avaliar caso a caso.

"A Justi�a do Trabalho entende uma conduta como assediante quando ela passa do razo�vel. Toda vez que houver excesso ou abuso do exerc�cio do poder de dispensa, isso pode configurar dano moral e ser pass�vel de indeniza��o correspondente. Mas isso tem que ser avaliado caso a caso."

'Responsabilidade emocional'

Marina Proen�a, cofundadora da Favo, startup de venda direta de produtos de supermercado para a classe C, passou pela experi�ncia da demiss�o coletiva neste in�cio de junho, mas na outra ponta.


Trecho de postagem no LinkedIn onde a co-fundadora da Favo anunciou a suspensão da operação da empresa no Brasil
Trecho de postagem no LinkedIn onde a co-fundadora da Favo anunciou a suspens�o da opera��o da empresa no Brasil, que resultou na demiss�o de 171 funcion�rios (foto: Reprodu��o LinkedIn)

Com a decis�o da empresa de encerrar atividades no Brasil e focar no neg�cio peruano, a empreendedora demitiu em um dia 171 funcion�rios diretos e comunicou a suspens�o da opera��o brasileira aos mais de 7 mil representantes comerciais e 40 motoristas parceiros.

"Fizemos um plano muito detalhado, para cuidar que nada fosse feito de maneira grosseira. Fizemos todas as conversas com os funcion�rios um a um, com a comunica��o majoritariamente feita em dupla — o gestor direto e mais uma pessoa para ajudar a tirar d�vidas. Tudo foi feito em um dia, para evitar que as pessoas ficassem ansiosas", conta Marina.

As conversas foram feitas por v�deo, pois a empresa n�o tem escrit�rio, e tiveram dura��o de 5 a 10 minutos cada, com espa�o para os demitidos falaram o que quisessem. Alguns grupos pediram para ter conversas mais longas posteriormente.

Aos funcion�rios diretos, o plano de sa�de e o vale alimenta��o foram estendidos por alguns meses e os computadores e celulares, oferecidos para compra por valores reduzidos.

Para os representantes comerciais com situa��o de renda mais cr�tica, foi criado um plano de "desmame" com a manuten��o da opera��o reduzida por mais 30 dias. A empresa tamb�m tenta ajudar na recoloca��o de funcion�rios, representantes comerciais e motoristas, inclusive atrav�s de parcerias com empresas concorrentes.

A empresa criou ainda uma lista oficial de talentos para apresentar seus funcion�rios a poss�veis novos contratantes. A lista foi publicada no site Layoffs Brasil, criado pelo carioca Jo�o Gabriel Santos, de 21 anos, para ajudar na recoloca��o dos demitidos em massa por startups.

"Eu fiquei com muito medo, tanto de fazer as demiss�es, como de avisar os vendedores. Porque � muito triste, as pessoas doam muito do seu afeto. Mas combinamos de ser extremamente transparentes, apesar da dor", diz a fundadora.

"N�o consigo nem imaginar fazer de outro jeito, apesar de j� ter passado por isso em outros lugares quando n�o era minha empresa. Infelizmente, acho que a menor parte dos l�deres e dos empreendedores t�m uma responsabilidade emocional com a empresa. Quando a gente fala em seguran�a psicol�gica, a maioria n�o sabe nem o que � isso", afirma.

� poss�vel demitir em massa de maneira humanizada?

Para Rafael Souto, especialista em recursos humanos e presidente da Produtive, consultoria especializada em recoloca��o no mercado de trabalho, a demiss�o n�o deve ser encarada pelas empresas como um evento isolado, mas como um processo, que requer preparo dos gestores.

"A demiss�o pode ser feita por v�deo, mas n�o pode de forma alguma ser feita de forma coletiva", diz o consultor.

"Os gestores de cada �rea devem fazer a comunica��o individualmente, porque uma das premissas para uma demiss�o respons�vel � voc� comunicar a decis�o sem enrola��o, explicar os motivos de forma clara e escutar a pessoa. Faz parte da demiss�o humanizada dar espa�o para a pessoa falar e � importante ouvir", acrescenta.

Segundo Solto, a comunica��o individualizada � importante tamb�m para que a pessoa seja orientada adequadamente sobre os pr�ximos passos — como a entrega de documentos necess�rios ao processo de demiss�o —, que devem ser apresentados em uma sequ�ncia organizada.

Quanto a benef�cios adicionais ao m�nimo legal estabelecido pela CLT (Consolida��o das Leis do Trabalho), o consultor explica que eles podem ser de tr�s tipos: b�nus em dinheiro; extens�o de benef�cios como plano de sa�de, vale alimenta��o e aux�lio educa��o; e apoio � recoloca��o.

"A demiss�o tem v�rios envolvidos: o desligado, os familiares, a sociedade e os empregados que ficam", diz Souto.

"Ent�o cuidar da sa�da de uma forma profissional, humanizada e com responsabilidade tamb�m impulsiona a marca empregadora, para quem est� saindo e leva a imagem da empresa ao mercado; para quem fica e sabe que o colega que saiu foi tratado de maneira respeitosa e com apoio; e para a marca perante a sociedade como um todo."

'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61849289'

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