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Estado de Minas

Pa�s reage � crise econ�mica sem deter preconceito racial

Renda dos trabalhadores negros foi, em m�dia, de 56,6% do sal�rio dos brancos de outubro a dezembro de 2017, ante 57,2% em 2016. Em Minas, diferen�a piorou, de 60,7% para 59,6%


postado em 12/05/2018 07:00 / atualizado em 12/05/2018 08:58

"� o jeito de olhar e conversar com a gente. Percebo, ent�o, que a cor j� foi colocada como uma barreira" - J�ssica Ribeiro - 23 anos (foto: Marta Vieira/EM/D.A Press)
A percep��o de que foi a cor da pele de J�ssica Ribeiro, de 23 anos, o motivo de ter sido preterida na entrevista de emprego surgiu da pr�pria troca de olhares com a entrevistadora respons�vel pela sele��o dos candidatos �s vagas para embalar marmitas na cozinha de um restaurante de Belo Horizonte. A cunhada branca de J�ssica come�ou a trabalhar no dia seguinte e logo depois outra trabalhadora alva completou o quadro de pessoal da empresa. Hist�ria parecida se repetiu no dia em que o motorista Jo�o Esteves Miranda, de 38, esperava a sonhada promo��o e perdeu o lugar para o colega branco.

“Preferi achar que ele (o colega) era mais esperto do que eu, mas d� um aperto no cora��o ver como as pessoas brancas t�m mais oportunidades de estudar, trabalhar e prosseguir na carreira”, contou Jo�o, enquanto se cadastrava, na semana passada, numa ag�ncia de emprego da capital mineira. O desemprego e os sal�rios baixos persistem numa economia que voltou a crescer, mas que n�o consegue conter o aumento da desigualdade no mercado de trabalho entre os afrodescendentes e a popula��o de cor branca.

O pa�s completa amanh� 130 anos desde a aboli��o da escravatura, com um balan�o perverso no mercado de trabalho do ponto de vista racial. As empresas de Minas encerraram o quarto trimestre do ano passado pagando aos trabalhadores de cor preta 59,6% do sal�rio que d�o aos funcion�rios de cor branca. A diferen�a na m�dia do pa�s � de 56,6%. Os dados se referem ao mais recente levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).

H� cinco anos, em 2012, �ltimo per�odo de crescimento da economia antes da recess�o recente, a disparidade salarial era menor. Os trabalhadores de cor preta ganharam em Minas, no fim daquele ano, 60,7% do vencimento dos companheiros brancos de trabalho. No pa�s, a m�dia foi de 57,22% do vencimento dos trabalhadores de cor branca. Trata-se de um sacrif�cio duplo dos afrodescendentes num momento em que o pa�s anda de lado em busca de recupera��o.

O crescimento econ�mico, sozinho, n�o resolve a desigualdade no trabalho e na renda motivado por preconceito de cor, alerta o pesquisador Aguinaldo Nogueira Maciente, coordenador de Trabalho e Desenvolvimento Rural do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea). “Estudos bem controlados do Ipea mostram que, de fato, h� motivos para as diferen�as salariais que n�o s�o explicados pela falta de qualifica��o. Elas existem em raz�o do fato de se tratar de trabalhadores negros ou pardos”, afirma. O instituto conduziu levantamentos com base nas experi�ncias de trabalhadores que t�m a mesma qualifica��o e tempo de trabalho.

Aguinaldo Maciente destaca que houve momentos no Brasil da �ltima d�cada em que os empregos de menor remunera��o – em geral aqueles oferecidos aos trabalhadores de cor preta e parda – tiveram reajustes superiores aos aplicados nos vencimentos relativos a cargos que exigem n�vel universit�rio. Da mesma forma, a economia melhorou a condi��o desses trabalhadores, dependendo da forma��o escolar, e a diferen�a de escolaridade em rela��o aos brancos diminuiu, mas n�o trouxe igualdade ao mercado de trabalho.

Pol�ticas p�blicas


De acordo com os dados do IBGE para Minas Gerais, os trabalhadores de cor preta representavam universo de 1,173 milh�o dentro da popula��o ocupada no estado, o equivalente a 11,7% do grupo de 10,005 milh�es ao todo no quarto trimestre de 2017. Entre os desempregados, eles somavam 183 mil, ou seja, 15,4% do total de 1,293 milh�o sem trabalho. As desigualdades que sacrificam os afrodescendentes tornam-se exponenciais naqueles locais do pa�s que carecem de oportunidades de qualifica��o e acesso � educa��o.

A situa��o de Minas se agrava pelo fato de o estado reunir regi�es ricas, a exemplo do Tri�ngulo e do Sul de Minas, e �reas muito pobres como o Jequitinhonha, um retrato de desigualdade social. “� um grande primeiro passo dar acesso � educa��o de qualidade, mas por fim � desigualdade exige pol�ticas p�blicas como as voltadas para as cotas, que tendem a diminuir as diferen�as, e programas que valorizam experi�ncias de sucesso nas empresas que n�o se movem pelo preconceito racial”. O professor da UFMG M�rio Rodarte, especialista em mercado de trabalho, tamb�m defende o sistema de cotas e amplas pol�ticas de combate � discrimina��o.

A falta de oportunidades de emprego, como observa M�rio Rodarte, � sentida principalmente entre as mulheres, negros e jovens, refor�ando as diferen�as observadas na hist�ria do Brasil. Outro fator � a concentra��o da renda no pa�s, que amplia o fosso existente entre os extremos da pir�mide social, pela diferencia��o por cor, considerando-se que os mais ricos s�o, em geral, os brancos. “A desigualdade entre negros e n�o negros � estrutural e hist�rica porque existe ainda um mecanismo ativo e muito azeitado que conduz a desigualdade do passado para o presente e futuro. Para emperrar essas engrenagens que reproduzem a desigualdade, precisamos ampliar a��es como o Bolsa-Fam�lia, que gerem renda para as fam�lias, com a condi��o de que as crian�as permane�am em escolas de boa qualidade.”

Na luta pelos sonhos  


� procura de emprego com a carteira de trabalho assinada, J�ssica Ribeiro diz que j� perdeu a conta das entrevistas para as quais foi selecionada sem jamais ter sido escolhida para a vaga. “� o jeito de olhar e de conversar com a gente. Percebo, ent�o, que a cor j� foi colocada como uma barreira”, reclama. A busca por trabalho com direitos sociais garantidos se transforma numa luta para a jovem m�e de tr�s filhos, que tem desempenhado trabalhos eventuais como cabeleireira, cuidadora de idosos e atendente no com�rcio.

Sem trabalho fixo h� quatro anos, J�ssica n�o completou o segundo grau, parou de estudar e adia os sonhos de abrir o pr�prio sal�o de beleza e frequentar a faculdade de medicina ou advocacia. O motorista Jo�o Esteves Miranda se v� em id�ntica situa��o, for�ado a esperar pela possibilidade de comprar um carro e trabalhar por conta pr�pria. A desesperan�a com os pol�ticos o fazer pensar que ser� muito dif�cil voltar a estudar e ver o Brasil crescer.

O coordenador da �rea de trabalho do Ipea, Aguinaldo Maciente, lembra que os setores que empregam m�o de obra mais abundante, em especial o com�rcio e o setor de servi�os, sofreram bastante na crise recente do pa�s e a despeito da rea��o observada no fim do ano passado precisam de retomada do crescimento de longo prazo para se firmarem. S�o esses segmentos que oferecem as ocupa��es menos qualificadas, desempenhadas em maior n�mero pela popula��o de pretos e pardos. 

Atr�s de inclus�o 


Desejo de João Esteves é comprar um carro e trabalhar por conta própria
Desejo de Jo�o Esteves � comprar um carro e trabalhar por conta pr�pria
Realizar o sonho de ser dono do pr�prio neg�cio tem se mostrado, para a popula��o negra, porta de entrada num mundo de inclus�o e ascens�o social. O n�mero de empreendedores afrodescendentes no pa�s cresceu 47% entre 2001 e 2014, de 8,7 milh�es para 12,8 milh�es, com base nos dados mais recentes do IBGE que serviram � elabora��o do estudo Donos de Neg�cio por Ra�a/Cor, divulgado em 2017. Em id�ntico per�odo, evoluiu modestos 3% o universo de brancos donos do neg�cio. A popula��o de negros empreendedores avan�ou de 43% para 51%.

O sonho realizado n�o significa, contudo, se livrar das desigualdades. Rafael Greg�rio Malaquias, analista de educa��o do Sebrae Minas, chama a aten��o para o fato de que as condi��es dos negros donos do neg�cio refletem a estrutura social racista no pa�s e seu impacto no desejo desse grupo de empreender. Na atividade, os brancos ganham o dobro dos afrodescendentes.

“H� o reflexo de um estado de pol�ticas p�blicas que o pa�s n�o teve, assim como a dificuldade de acesso dessa popula��o � renda para financiamentos e conhecimento sobre conte�dos importantes para a gest�o de uma empresa”, afirma.  Trabalhando numa perspectiva de mudan�a, o Sebrae prepara um programa batizado de Sebrae de Plurais, para identificar a diversidade que caracteriza a sociedade, seja no atendimento a negros, mulheres e � comunidade LGBT, e assim prestar assist�ncia mais dirigida a esses p�blicos. 

 

 

 

 

 

 

 

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