
“Preferi achar que ele (o colega) era mais esperto do que eu, mas d� um aperto no cora��o ver como as pessoas brancas t�m mais oportunidades de estudar, trabalhar e prosseguir na carreira”, contou Jo�o, enquanto se cadastrava, na semana passada, numa ag�ncia de emprego da capital mineira. O desemprego e os sal�rios baixos persistem numa economia que voltou a crescer, mas que n�o consegue conter o aumento da desigualdade no mercado de trabalho entre os afrodescendentes e a popula��o de cor branca.

H� cinco anos, em 2012, �ltimo per�odo de crescimento da economia antes da recess�o recente, a disparidade salarial era menor. Os trabalhadores de cor preta ganharam em Minas, no fim daquele ano, 60,7% do vencimento dos companheiros brancos de trabalho. No pa�s, a m�dia foi de 57,22% do vencimento dos trabalhadores de cor branca. Trata-se de um sacrif�cio duplo dos afrodescendentes num momento em que o pa�s anda de lado em busca de recupera��o.
O crescimento econ�mico, sozinho, n�o resolve a desigualdade no trabalho e na renda motivado por preconceito de cor, alerta o pesquisador Aguinaldo Nogueira Maciente, coordenador de Trabalho e Desenvolvimento Rural do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea). “Estudos bem controlados do Ipea mostram que, de fato, h� motivos para as diferen�as salariais que n�o s�o explicados pela falta de qualifica��o. Elas existem em raz�o do fato de se tratar de trabalhadores negros ou pardos”, afirma. O instituto conduziu levantamentos com base nas experi�ncias de trabalhadores que t�m a mesma qualifica��o e tempo de trabalho.
Aguinaldo Maciente destaca que houve momentos no Brasil da �ltima d�cada em que os empregos de menor remunera��o – em geral aqueles oferecidos aos trabalhadores de cor preta e parda – tiveram reajustes superiores aos aplicados nos vencimentos relativos a cargos que exigem n�vel universit�rio. Da mesma forma, a economia melhorou a condi��o desses trabalhadores, dependendo da forma��o escolar, e a diferen�a de escolaridade em rela��o aos brancos diminuiu, mas n�o trouxe igualdade ao mercado de trabalho.
Pol�ticas p�blicas
De acordo com os dados do IBGE para Minas Gerais, os trabalhadores de cor preta representavam universo de 1,173 milh�o dentro da popula��o ocupada no estado, o equivalente a 11,7% do grupo de 10,005 milh�es ao todo no quarto trimestre de 2017. Entre os desempregados, eles somavam 183 mil, ou seja, 15,4% do total de 1,293 milh�o sem trabalho. As desigualdades que sacrificam os afrodescendentes tornam-se exponenciais naqueles locais do pa�s que carecem de oportunidades de qualifica��o e acesso � educa��o.
A situa��o de Minas se agrava pelo fato de o estado reunir regi�es ricas, a exemplo do Tri�ngulo e do Sul de Minas, e �reas muito pobres como o Jequitinhonha, um retrato de desigualdade social. “� um grande primeiro passo dar acesso � educa��o de qualidade, mas por fim � desigualdade exige pol�ticas p�blicas como as voltadas para as cotas, que tendem a diminuir as diferen�as, e programas que valorizam experi�ncias de sucesso nas empresas que n�o se movem pelo preconceito racial”. O professor da UFMG M�rio Rodarte, especialista em mercado de trabalho, tamb�m defende o sistema de cotas e amplas pol�ticas de combate � discrimina��o.
A falta de oportunidades de emprego, como observa M�rio Rodarte, � sentida principalmente entre as mulheres, negros e jovens, refor�ando as diferen�as observadas na hist�ria do Brasil. Outro fator � a concentra��o da renda no pa�s, que amplia o fosso existente entre os extremos da pir�mide social, pela diferencia��o por cor, considerando-se que os mais ricos s�o, em geral, os brancos. “A desigualdade entre negros e n�o negros � estrutural e hist�rica porque existe ainda um mecanismo ativo e muito azeitado que conduz a desigualdade do passado para o presente e futuro. Para emperrar essas engrenagens que reproduzem a desigualdade, precisamos ampliar a��es como o Bolsa-Fam�lia, que gerem renda para as fam�lias, com a condi��o de que as crian�as permane�am em escolas de boa qualidade.”
Na luta pelos sonhos
� procura de emprego com a carteira de trabalho assinada, J�ssica Ribeiro diz que j� perdeu a conta das entrevistas para as quais foi selecionada sem jamais ter sido escolhida para a vaga. “� o jeito de olhar e de conversar com a gente. Percebo, ent�o, que a cor j� foi colocada como uma barreira”, reclama. A busca por trabalho com direitos sociais garantidos se transforma numa luta para a jovem m�e de tr�s filhos, que tem desempenhado trabalhos eventuais como cabeleireira, cuidadora de idosos e atendente no com�rcio.
Sem trabalho fixo h� quatro anos, J�ssica n�o completou o segundo grau, parou de estudar e adia os sonhos de abrir o pr�prio sal�o de beleza e frequentar a faculdade de medicina ou advocacia. O motorista Jo�o Esteves Miranda se v� em id�ntica situa��o, for�ado a esperar pela possibilidade de comprar um carro e trabalhar por conta pr�pria. A desesperan�a com os pol�ticos o fazer pensar que ser� muito dif�cil voltar a estudar e ver o Brasil crescer.
O coordenador da �rea de trabalho do Ipea, Aguinaldo Maciente, lembra que os setores que empregam m�o de obra mais abundante, em especial o com�rcio e o setor de servi�os, sofreram bastante na crise recente do pa�s e a despeito da rea��o observada no fim do ano passado precisam de retomada do crescimento de longo prazo para se firmarem. S�o esses segmentos que oferecem as ocupa��es menos qualificadas, desempenhadas em maior n�mero pela popula��o de pretos e pardos.
Atr�s de inclus�o

O sonho realizado n�o significa, contudo, se livrar das desigualdades. Rafael Greg�rio Malaquias, analista de educa��o do Sebrae Minas, chama a aten��o para o fato de que as condi��es dos negros donos do neg�cio refletem a estrutura social racista no pa�s e seu impacto no desejo desse grupo de empreender. Na atividade, os brancos ganham o dobro dos afrodescendentes.
“H� o reflexo de um estado de pol�ticas p�blicas que o pa�s n�o teve, assim como a dificuldade de acesso dessa popula��o � renda para financiamentos e conhecimento sobre conte�dos importantes para a gest�o de uma empresa”, afirma. Trabalhando numa perspectiva de mudan�a, o Sebrae prepara um programa batizado de Sebrae de Plurais, para identificar a diversidade que caracteriza a sociedade, seja no atendimento a negros, mulheres e � comunidade LGBT, e assim prestar assist�ncia mais dirigida a esses p�blicos.