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Estado de Minas LINGUAGENS, C�DIGOS E SUAS TECNOLOGIAS

Interpretar textos no Enem

Os n�o-ditos que dizem e os que insinuam


postado em 22/10/2015 15:35 / atualizado em 22/10/2015 16:44

A prova de Linguagens, c�digos e suas tecnologias no Exame Nacional do Ensino M�dio (Enem) avalia, sobretudo, a aptid�o de ler textos; e a de Reda��o, especificamente, a habilidade de produzi-los. Aqui nos centraremos na leitura, na interpreta��o da complexa ferramenta comunicativa que � o texto.

A profici�ncia ao ler textos implica a capacidade de perceber, de compreender os significados inscritos, ora na superf�cie textual – ao que chamamos informa��es expl�citas – , ora no por tr�s das palavras – os impl�citos , que exigem sofistica��o interpretativa para entend�-los de fato.

A compreens�o dos impl�citos textuais exige que o leitor recupere informa��es em seu repert�rio cultural, fazendo associa��es, estabelecendo compara��es, promovendo discuss�es intertextuais, por exemplo. � sabido por n�s, sujeitos sociais, que a quantidade de informa��es de que dispomos � mais expressiva (margeia o sobrenumer�vel) que outrora. A dificuldade em assimil�-las, por�m, � percept�vel, e essa dificuldade tem g�nese no fato de muitos leitores n�o saberem hierarquiz�-las, isto �, n�o saberem construir as correla��es adequadas, n�o saberem diferir as que se implicam das que se excluem... � no interior dos textos, objeto essencialmente complexo, que essas articula��es, essas habilidades, essas compet�ncias se efetivam.

Compreendamos, ent�o, como os impl�citos podem se revelar, como os “n�o-ditos” tornam-se ditos. Primeiramente, o impl�cito pode estar pressuposto; depois, subentendido.

Os pressupostos s�o aquelas informa��es que se revelam por tr�s de marcas lingu�sticas, as quais asseguram, as quais confirmam ser poss�vel a leitura feita por quem percorre com os olhos o texto. Em outras palavras, a interpreta��o que se faz � de responsabilidade de quem “escreveu”, visto que o produtor deixou ali marcas lingu�sticas que autorizam a infer�ncia. Quando se diz, assim, que Ant�nio tornou-se um bom redator, enuncia-se explicitamente que Ant�nio escreve bem e, implicitamente, que ele n�o era bom escritor. Essa �ltima leitura vem da maraca lingu�stica representada pelo verbo “tornar-se”, que traz a carga sem�ntica da mudan�a, do mut�vel, da transforma��o: n�o se transforma em, n�o se torna algo que j� se era num passado, mas sim se transforma em, torna-se algo que n�o era anteriormente.

Os subentendidos, por sua vez, compreendem aquelas leituras, aquelas interpreta��es poss�veis – pois est�o insinuadas – , todavia n�o comprov�veis pelo texto. Este induz, contudo n�o se afirma se a inten��o foi, efetivamente, aquela � qual o leitor foi induzido. Isso significa dizer que a interpreta��o � de responsabilidade do leitor, porque n�o h� marcas lingu�sticas que asseguram a verdadeira intencionalidade do autor do texto. Por exemplo, a frase Todos foram convidados para a comemora��o de fim de ano da empresa, at� Ang�lica deixa impl�citas algumas informa��es: n�o era esperado que Ang�lica fosse convidada para a festa, leitura pressuposta pelo marcador “at�”, que inclui Ang�lica no evento; pode-se subentender, por assimila��o de outros contextos, de outras situa��es, por exemplo, sociais, que Ang�lica n�o � uma pessoa agrad�vel, ou que ela estava doente – mas se recuperou e, agora, pode ir � festa – , por�m n�o � poss�vel confirmar essas interpreta��es, pois o texto carece de dados para faz�-lo. Por mais que, socialmente, um indiv�duo ser agrad�vel ou estar doente seja um motivo para n�o convid�-lo a uma festividade, n�o podemos generalizar e dizer que os motivos restringem-se a estes, inclusive, ao caso de Ang�lica na frase estudada.

Para ilustrar como esses conceitos vivem e convivem nas escritas maiores que as frases, analisaremos a seguir dois textos, apontando as diferen�as entre leituras pressupostas e leituras subentendidas.

Texto 1

Li reportagem no jornal e me surpreendi, pois moro pr�ximo ao local de infesta��o de carrapatos-estrela no Jardim Eulina, e sei que existem muitas capivaras, mesmo dentro da �rea militar. Surpreendi-me ainda ao saber que v�o esperar o laudo daqui a 15 dias para saber por que ou do que as pessoas morreram. Gente, sa�de p�blica � coisa s�ria! N�o seria o caso de remanejar esses bichos imediatamente, como preven��o, uma vez que est�o em zona urbana? (Carrapatos, M., M.) (texto publicado em 7 de agosto de 2006, no Correio Popular de Campinas.)

Nesse fragmento textual, podemos perceber, por exemplo, que o texto comunica mais por aquilo que est� impl�cito do que pelas in forma��es que est�o na superf�cie dele. Na passagem “e sei que existem muitas capivaras, mesmo dentro da �rea militar”, o adv�rbio “mesmo” estabelece o pressuposto de que, para o enunciador, n�o era esperada a presen�a de capivaras em �rea militar. Diante disso, o autor deixa pressuposto tamb�m que os militares, conscientes de se tratar de animais potencialmente nocivos � sa�de humana, tomariam medidas para afastar capivaras de sua vizinhan�a. J� no excerto “uma vez que est�o em zona urbana”, o verbo estar evidencia um estado breve, passageiro. Ao referir-se �s capivaras, pressup�e o conhecimento, por parte do locutor, de que tais animais n�o s�o comuns em �reas urbanas. Podemos ainda explorar outros impl�citos marcados linguisticamente no fragmento: o verbo “surpreender” deixa claro que o enunciador sabia da exist�ncia de capivaras no local, entretanto desconhecia a infesta��o de carrapatos em seu bairro; causa espanto o prazo de 15 dias para a divulga��o do laudo, j� que esse prazo � conflitante com a sua expectativa do autor do texto.

Essa an�lise permite-nos afirmar e entender a complexidade que envolve o processo de comunica��o. Existe um texto expl�cito e outro impl�cito; este muitas vezes com mais informa��es que aquele.

Texto 2

(foto: Luis Fernando Veríssimo/As cobras)
(foto: Luis Fernando Ver�ssimo/As cobras)

Nessa tira de Luiz Fernando Ver�ssimo, vemos, ao mesmo tempo, pressupostos e subentendidos. Analisemos. A personagem Flecha deixa impl�cita a opini�o de que existem diferen�as entre os sexos. Como? O adjetivo “t�pica” instaura o pressuposto de que a pergunta elaborada por Shirlei � exclusividade das mulheres, assim s� uma mulher poderia faz�-la. Isso significa que Flecha deixa transparecer sem dizer, isto �, ele insinua no discurso sua cren�a real: a da exist�ncia de diferen�as entre homens e mulheres numa perspectiva machista; machista, pois � t�pico dessa conduta diferenciar aquilo que � do homem daquilo que � da mulher. Essa informa��o que se deixa surgir contraria a informa��o explicitada no segundo quadrinho, a de que n�o existe qualquer diferen�a entre os g�neros. Resumidamente, em teoria, Flecha � contra o machismo; na pr�tica discursiva, entretanto, ela deixa pressuposto que existem perguntas pejorativamente “t�picas” do universo feminino. Isso, a contradi��o entre o dito e o pressuposto e o subentendido permite-nos entender, mas n�o afirmar, categoricamente, que a personagem � machista. Isso porque nem toda diferen�a apontada entre homem e mulher revela machismo; h� a necessidade de se acrescentar � diferencia��o sua intencionalidade.

Esses conceitos acima desenvolvidos ajudam-nos a perceber e a reiterar a necessidade de um olhar atento sobre o tecido textual que nos � colocado nas provas de interpreta��o de textos, com destaque para as do Enem. Termos a consci�ncia desses recursos ajuda-nos a n�o sermos um leitor desavisado, aquele que se perde nos distratores e na leitura extrapolativa, inimigos da compreens�o eficiente do texto; aquele que se ocupa mais da pr�pria opini�o que daquela colocada pelo texto lido. Atenha-se, para uma leitura fiel ao texto, �quilo que o texto diz expl�cita ou implicitamente, lembrando que h� limites para o impl�cito. Boas leitura, sucesso nos exames!

Alison Leal � professor de Portugu�s do Percurso Pr�-vestibular e Enem.

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