As queimadas na Amaz�nia Legal, regi�o estabelecida no in�cio do s�culo XX, com o intuito de facilitar a produ��o de pol�ticas p�blicas de desenvolvimento econ�mico e social para essa por��o do territ�rio nacional, sempre foi algo presente na realidade das mais de 20 milh�es de pessoas que moram na regi�o. A expans�o da fronteira agr�cola, que desenha no territ�rio nacional um arco de desmatamento no qual � chamado tamb�m de “arco do fogo”, teve o seu come�o na d�cada de 1960 com a expans�o das lavouras de soja e de �reas de pasto no estado do Mato Grosso - que, depois de 1977, foi dividido em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Com o acesso a aparatos tecnol�gicos e t�cnicas agr�colas mais modernas - sendo tal moderniza��o na produ��o conceituada de Revolu��o Verde -, a produtividade do setor prim�rio cresceu vertiginosamente na regi�o. O solo �cido, caracter�sitico da �rea do bioma do cerrado, que antes era um empecilho � produtividade, fora corrigido com a calagem – aplica��o de calc�rio no solo para neutraliz�-lo, no intuito de otimizar o desenvolvimento das culturas - ; as sementes ficaram mais resistentes com as pesquisas da EMBRAPA acerca do hibridismo e de formas avan�adas de poliniza��o cruzada; piv�s de irriga��o reduziram a depend�ncia do homem quanto �s varia��es clim�ticas e as pragas passaram a ser domadas com o uso de novos pesticidas. O progresso econ�mico trazia, portanto, a produtividade agr�cola e a consolida��o do meio t�cnico � regi�o, o movimento imigrat�rio cada vez mais crescente de sulistas e nordestinos, o crescimento das cidades, a gera��o de empregos assalariados no campo e o crescimento da agroind�stria, impulsionando o PIB nacional para n�veis nunca vistos, contribuindo para o milagre econ�mico do final da d�cada de 1960 at� 1973.

Contudo, como o progresso econ�mico � dicot�mico, ele traz tamb�m consigo o desmatamento desenfreado do cerrado (e hoje tamb�m da amaz�nia e de �reas da mata de cocais), a falsifica��o de escrituras de propriedade de terras em �reas que s�o de controle do Estado (tamb�m chamado de grilagem de terras devolutas), formas de trabalho an�logas � escravid�o em algumas propriedades rurais, substitui��o do homem pela m�quina nas lavouras, aumentando o crescimento estrutural, garimpos ilegais, expans�o do narcotr�fico (Sim, narcotr�fico! Se a popula��o da regi�o cresce, o consumo de drogas tamb�m), conflitos entre ind�genas, garimpeiros e fazendeiros, corte de �rvores e venda de madeira de forma ilegal,e, ademais, as queimadas. Sendo assim, � poss�vel perceber, com uma breve an�lise geogr�fica da Amaz�nia Legal, que o problema das queimadas na regi�o n�o � algo isolado e muito menos caracter�stico de 2019, ele faz parte de um processo maior, ancorado na forma como ocorre a expans�o de v�rias atividades econ�micas na regi�o (legais e ilegais), desde a d�cada de 1960, e as consequ�ncias disso para a realidade do pa�s, principalmente para as mais de 20 milh�es de pessoas que moram ali.

O que intriga � a seguinte quest�o: se tais problemas sempre foram perenes na realidade da Amaz�nia Legal, portanto, na brasileira, por quais motivos os olhares do Brasil e o do mundo se voltaram com tamanha dedica��o para a regi�o agora? O desmatamento na Amaz�nia Legal, desde 2004, segundo dados do minist�rio do meio ambiente, teve uma queda significativa de 27.772 Km² para 7.900 Km² em 2018. Contudo, entre agosto de 2017 e julho de 2018, houve um aumento de 13,7%. Em 2019, a quest�o veio � tona com a declara��o do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – de um aumento expressivo dessa taxa. Tal declara��o gerou cr�ticas do governo federal quanto � metodologia usada pelo INPE para a produ��o dos dados e a divulga��o dos mesmos, j� que, segundo o governo, a repercuss�o de tal informa��o s� deteriora a imagem do pa�s no exterior. Al�m desse imbr�glio, soma-se a desonera��o do antigo diretor do INPE, Ricardo Galv�o, e a associa��o da fuma�a gerada pelas queimadas na Amaz�nia Legal como uma das causas do fen�meno meterol�gico ocorrido na cidade de S�o Paulo, no dia 19 de agosto, que reduziu dr�sticamente a visibilidade atmosf�rica na capital, dando ares de noite � tarde paulistana. � interessante ressaltar que tais fatos, ocorridos em 2019, catalizadores do debate nacional com rela��o ao desmatamento/queimadas, foram acontecimentos internos, ou seja, tiveram a sua g�nese e o seu desfexo (ou n�o) dentro do Brasil. Fatos internacionais tamb�m contribu�ram para o pulsar do debate, como, por exemplo, a forma��o de uma �rea de livre com�rico entre o MERCOSUL (bloco econ�mico no qual o Brasil � signat�rio) e a Uni�o Europeia, dando in�cio a redu��es de tarifas alfandeg�rias entre os dois entes internacionais, e o reclame dos principais pa�ses europeus produtores de carne, dentre eles, a Fran�a, em n�o assinar o acordo comercial internacional, por conta dos problemas ambientais presentes na Amaz�nia Legal.

Sendo assim, � not�rio que os acontecimentos sucedidos em 2019 produziram uma grande eferversc�ncia no debate sobre o desmatamento na Amaz�nia Legal e as suas consequ�ncias ambientais, sendo algumas delas: contribui��o para o aumento do efeito estufa, j� que o desmatamento a partir de queimadas aumenta a emiss�o de CO² e reduz a captura de CO² pela vegeta��o (processo da fotossintese); redu��o da evapotranspira��o feita pela vegeta��o da floresta, ou seja, diminuindo a capacidade da floresta de produzir umidade a partir da traspira��o vegetacional (sendo esta fundamental para umidificar as regi�es sudeste e sul do pa�s, fen�meno este chamado de “rios voadores”); redu��o da biodiversidade, dentre outros. Contudo, como j� fora mencionado, a expans�o da fronteira agr�cola n�o � algo de agora, sendo assim, os problemas que giram em torno dela tamb�m n�o. O pa�s e, principalmente, os mais de 20 milh�es de habitantes da Amaz�nia Legal, n�o podem esperar que somente a partir de acontecimentos nacionais e internacionais pontuais, a problem�tica que envolve a amaz�nia seja discutida. Todos os anos, as cidades localizadas em tal regi�o sofrem com as fuma�as oriundas da queima do cerrado, da floresta equatorial e da mata de cocais; a violencia na regi�o � crescente, haja vista o mun�c�pio de Altamira, localizado no Par�, em plena fronteira agr�cola, que � considerado o segundo mais viol�nto do pa�s, com uma taxa de homic�dio de 133,7 num grupo de 100 mil habitantes (a do munic�pio do Rio de Janeiro � de 35,6 num grupo de 100 mil habitantes), segundo o Atlas da Viol�ncia dos Munic�pios Brasileiros de 2019. A proposta de elimina��o das �reas de reserva legal, que, segundo o c�digo florestal, � de 80% das propriedades rurais, deve ser melhor discutida entre o Estado e a sociedade. A discuss�o e o olhar da sociedade brasileira devem ser constantes para a regi�o, e n�o somente em momentos pontuais nacionais e internacionais. A floresta e a popula��o da Amaz�nia Legal n�o come�aram a clamar por ajuda nesse ano, e sim, desde a d�cada de 1960.
Artigo do Prof. Igor Beloni para o Percurso Pr�-Vestibular e Enem.