
Documentos sigilosos do governo militar guardados no Arquivo Nacional comprovam que todas as atividades do arquiteto eram monitoradas e que as declara��es, os projetos e as entrevistas de Oscar causavam enorme desconforto entre os integrantes da alta c�pula. O Correio teve acesso a arquivos liberados gra�as � Lei de Acesso � Informa��o que revelam a vis�o dos militares a respeito do arquiteto: Niemeyer era considerado um inimigo, com contato pr�ximo aos "escal�es avan�ados da subvers�o estudanti" e dono de um perigoso discurso antiamericanista. Al�m das posi��es pol�ticas, nem mesmo o trabalho de Oscar escapou de questionamentos e acusa��es. Os documentos revelam uma grave acusa��o que teve repercuss�o entre os militares da �poca: um coronel se empenhou em divulgar o boato de que trabalhos de Niemeyer seriam um pl�gio dos projetos do arquiteto su��o Le Corbusier.
Um documento do Servi�o Nacional de Informa��es (SNI) de 1973, cujo assunto era "Oscar Niemeyer", esmiu�a em quatro p�ginas os passos do arquiteto. O of�cio detalha principalmente entrevistas, encontros e suas atividades. "O presente documento de informa��es trata dos aspectos ideol�gicos das atividades de Oscar Niemeyer, n�o tendo sido focalizados os casos de natureza t�cnico-administrativa ligados a Bras�lia, como o pl�gio de Le Corbusier", diz o documento localizado pela reportagem no Arquivo Nacional.
Pl�gio de Le Corbusier
A acusa��o dos militares de que Niemeyer teria copiado trabalhos do colega su��o � apenas mencionada no of�cio, que n�o traz detalhes sobre o caso. Mas o Correio apurou que o trecho � refer�ncia a uma not�cia propalada � �poca pelo coronel Miguel Pereira Manso Neto, que foi assessor do governo M�dici. Segundo amigos de Niemeyer, e de acordo com o pr�prio arquiteto, o militar reuniu croquis e fotos para tentar provar que Oscar plagiava Le Corbusier. Ele dizia que a Igrejinha da Asa Sul seria %u201Cuma c�pia%u201D de um templo projetado pelo su��o para a cidade indiana de Chandigarh.
Niemeyer se lembra do caso com palavras cheias de revolta."A indignidade atinge limites inimagin�veis quando o coronel Manso Neto arranja um croqui com o qual pretende provar que copio Le Corbusier. O plano prossegue e, na prefeitura, c�pias s�o distribu�das aos ministros e pessoas importantes", relembra Oscar Niemeyer em seu livro de mem�rias Curvas do tempo. "S� tomei conhecimento dessa indignidade muito tempo depois e, como n�o consegui c�pia, nada foi poss�vel fazer. A hostilidade orquestrada pelo coronel Manso Neto me revoltou. Viv�amos um clima s�rdido demais."
O arquiteto Carlos Magalh�es, amigo, ex-genro e representante do escrit�rio de Niemeyer em Bras�lia, diz que a acusa��o de pl�gio difundida por militares foi um dos epis�dios que mais o indispuseram com a ditadura. "CO coronel Manso Neto virou inimigo pessoal porque atingiu a obra do Oscar, a coisa que ele mais prezava", conta Magalh�es. "O que existia era uma rela��o de mestre e aluno. Le Corbusier era uma inspira��o. Mas � claro que n�o houve pl�gio, o Oscar � dono de um talento enorme, era inventivo, tinha uma cabe�a muito pulsante", comenta Magalh�es.
Guerra fria
A rela��o do arquiteto com a ditadura oscilava entre um contato diplom�tico para a execu��o de obras de monumentos e pr�dios p�blicos at� o conflito declarado, com artigos revoltados de Oscar Niemeyer contra posicionamentos do governo militar. O epis�dio mais conhecido de atritos entre ele e a ditadura foi a constru��o do Aeroporto de Bras�lia. O projeto de um terminal circular, desenhado pelo arquiteto, acabou recusado pelo governo."A solu��o de um aeroporto deve ser extens�vel", justificou � �poca o diretor de Engenharia da Aeron�utica, brigadeiro Henrique Castro Neves.
A recusa ao projeto abriu uma guerra entre os militares e Oscar Niemeyer em 1967. O arquiteto, com o apoio de um grupo de colegas, recorreu � Justi�a por meio de uma a��o popular, em que pedia o direito de executar seu projeto. "Um aeroporto extens�vel, j� naquela �poca, era solu��o superada que deviam rejeitar. Circular era a solu��o correta. Recorri � Justi�a. Apresentamos uma a��o popular contra a Aeron�utica, mas perdemos. O juiz se deu ao rid�culo - que calhorda - de nos condenar a pagar as custas do processo", relembra Niemeyer, em seu livro de mem�rias.
Um ministro militar declarou � �poca que lugar de arquiteto comunista era em Moscou, frase que irritou Niemeyer. Depois do epis�dio do aeroporto, ele passou a ser perseguido de forma mais ostensiva. "Viv�amos os tempos de M�dici, governo fascista. Meus trabalhos come�aram ent�o a ser recusados e eu, amea�ado de demiss�o".
As rusgas entre Niemeyer e a Aeron�utica persistiram nos anos seguintes. No Arquivo Nacional, a reportagem localizou um of�cio confidencial datado de setembro de 1969, que determinava a abertura de inqu�rito policial militar "para apurar, com profundidade, as atividades subversivas praticadas pelo arquiteto Oscar Niemeyer". As posi��es pol�ticas do arquiteto "haviam sido relatadas na exposi��o apresentada pelo excelent�ssimo senhor major brigadeiro-do-ar engenheiro Henrique de Castro Neves". Justamente o militar que decidira vetar o aeroporto de Niemeyer dois anos antes.
A invas�o da Universidade de Bras�lia pelos militares e a persegui��o contra professores e estudantes tamb�m atingiram Oscar, que foi docente da institui��o. "J� tinha comparecido � pol�cia pol�tica v�rias vezes. E a press�o continuou. A universidade foi invadida, nossos colegas exonerados e, dela, um dia, nos demitimos, cerca de 200 professores, em protesto contra tanta brutalidade", recorda-se o arquiteto no livro Curvas do tempo.
Em 1969, os militares abriram inqu�rito policial para identificar "os respons�veis pelas agita��es comuno-estudantis ocorridas na Universidade de Bras�lia em mar�o de 1968". O documento est� no Arquivo Nacional. O nome de Niemeyer � citado v�rias vezes. O inqu�rito diz que ele era "um dos influenciadores de fora para dentro da UnB" e que Oscar e outros membros da Associa��o dos Arquitetos de Bras�lia "colaboraram, sobretudo, com a FAU (Faculdade de Arquitetura), que � �rg�o subversivo".