
O dom para o com�rcio e o desejo de trabalhar foram a mola propulsora da m�e de Berenice Surette, para abrir uma loja em seu apartamento, em uma �poca na qual a maioria das mulheres n�o trabalhava. Assim nasceu a butique Mary Caetano, que celebra 50 anos de eleg�ncia. Berenice s� entrou no neg�cio depois que teve seus tr�s filhos e que eles chegaram a uma idade que tornava poss�vel uma aus�ncia maior da m�e. Mesmo com toda essa idade, a empresa se rejuvenesceu, � uma cinquentona com corpinho de 18. Hoje, a terceira gera��o da fam�lia j� atua no neg�cio, em um processo de transi��o suave, da mesma forma que Mary passou tudo para sua filha.
Hoje, as netas j� atuam com prazer na butique que n�o perdeu seu foco: uma loja para mulheres elegantes, acima dos 40 anos, com itens de qualidade e bom gosto.
Como foi sua inf�ncia e adolesc�ncia?
Normal. Como mor�vamos ao lado do Minas T�nis Clube – na �poca s� tinha a unidade de Lourdes –, vivia no clube. Jogava t�nis, v�lei, nadava, fazia gin�stica com o Seu Macedo (quem conhece vai entender o que eu estou falando). Enfim, passava grande parte do tempo l�. Conheci meu marido, Marco Aur�lio Surette, no Minas e come�amos a namorar muito cedo. Ele tinha 16 e eu 13 para 14 anos, foi o meu primeiro e �nico namorado, e tamb�m nos casamos cedo, eu tinha 18 e ele 21 anos.
Como come�ou a loja?
Minha m�e, Mary, come�ou sua vida comercial no nosso apartamento, vendendo produtos importados, dos quais 90% eram novidades. Na �poca, Maria Eunice Medrado tamb�m tinha uma loja em sua casa, com os mesmos produtos, inclusive compravam nos mesmos fornecedores do Rio de Janeiro, que eram pessoas que viajavam e traziam as pe�as. Desde o come�o atendia a uma classe m�dia alta. As duas n�o eram s�cias, por�m traziam produtos dos Estados Unidos de meia, em “tranques”, tipo os cont�ineres atuais. Elas compravam juntas de importadores e dividiam a mercadoria ao meio. Eu tinha uns 12 anos quando ela come�ou. A loja � fruto de seu grande desejo de trabalhar, e de seu dom que sempre foi o com�rcio.
O que era vendido?
Enxoval, lingerie americana e italiana, vestu�rio, enfim, todo e qualquer produto importado utilit�rio para casa que n�o se encontrava por aqui. As clientes eram mulheres da sociedade, classe AB, as coisas n�o eram baratas e ela vendia tudo. Hoje, tem pessoas que vem � loja e dizem que a av� comprou o enxoval da filha com minha m�e. Ela ficou alguns anos com a loja em casa. Eu era pequena, estudava e por isso nunca ajudei. Depois ela passou a vender roupas das melhores marcas que existiam, como Gucci, Em�lio Pucci, Chanel, Belini. As aeromo�as traziam as pe�as, deviam comprar com pre�o bom no exterior, e minha m�e comprava tudo para revender.
O que a levou a abrir a loja?
Loja em casa � uma coisa muito dif�cil. �ramos meu irm�o Eduardo, eu e meus pais. Era um entra e sai de mulheres, at� que um dia meu pai, Alberto Caetano, falou que n�o dava mais para ficar ali, porque estavam criando a fam�lia e o apartamento n�o era enorme, e que se ela realmente quisesse continuar mexendo com loja, eles procurariam um local mais adequado. Nessa �poca, a Savassi estava come�ando, estava o m�ximo, e eles decidiram comprar uma loja por ali. Mas as coisas quando t�m de acontecer Deus fala am�m. Um dia, um amigo de meu pai viu que a casa que ocupamos hoje, que era dos Mar�ola e estava � venda. Decidiram comprar a casa e chamaram a Consuelo Garzon para fazer a reforma. Mas reforma de casa antiga consome muito dinheiro, foi pesado porque investiram muito mais do que previam. Ele gastou quase tudo o que tinha na �poca. Mas tinha que ser uma loja muito elegante por causa do tipo de clientela que minha m�e tinha. O neg�cio da Mary sempre foi o com�rcio, ela dizia que nos amava, e que tinha tido s� dois filhos porque n�o tinha muita paci�ncia. J� quis abrir uma lanchonete na Savassi quando n�o existia nem o Xod�. E a vida foi encaminhando e a colocou nesse ramo. Na �poca em que abriram a loja eu j� era casada e tinha duas filhas – tenho um rapaz tamb�m.
E voc� foi trabalhar com ela?
N�o, estava com os filhos pequenos. Meu marido, Marco Aur�lio Surette, trabalhava com mercado de capitais, mas sempre teve muito jeito para o com�rcio e minha m�e o chamou para ajud�-la a fazer uma butique bacana, ela ficaria com a parte feminina e ele criaria uma �rea para roupas masculinas. O lado feminino ficou bem maior, porque j� tinha uma grande clientela, e o masculino em espa�o menor, mas muito bem montado, com coisas lindas.
Surette mergulhou de cabe�a?
Sim. A fam�lia dele � de comerciantes, e ele herdou esse gen. Foi desbravando essa �rea, porque na �poca n�o existia nenhuma loja boa de roupa masculina. Marco Aur�lio ia para S�o Paulo e trazia roupas da Elle et Lui, Dijon, todas as marcas importantes do mercado. Foi uma das melhores lojas do segmento durante anos. A sociedade masculina em peso comprava aqui. Ele sempre foi muito simp�tico, fez amizade com os colunistas sociais, Eduardo Couri e Wilson Frade, entre outros, e eles deram muita for�a para n�s. Os jogadores de futebol vinham aqui. Ele fazia, h� mais de 40 anos, o que hoje � muito comum, pequenos coquet�is na loja, para segmentos espec�ficos. Um dia chamava m�dicos, no outro, advogados, engenheiros, e todos vinham. Ele ficou amigo das pessoas.
Quando voc� entrou?
Pouco tempo depois, quando meus meninos cresceram mais. Acho que somos a �nica loja que est� no mercado h� 50 anos, conseguimos ficar no mercado inovando sempre, e isso � dif�cil, quantas crises n�s enfrentamos em cinco d�cadas... Plano Bresser, Collor, Real, cada hora era uma coisa, e n�s enfrentando tudo isso com muita dificuldade. Meu pai, como mexia na �rea financeira, sempre ajudava muito e consegu�amos sair dessas crises.
Como era trabalhar com sua m�e?
Muito bom. Sempre fomos muito amigas e nos d�vamos muito bem. Ela me levava para fazer as compras e sempre perguntava a minha opini�o. Me passou todos os seus conhecimentos na �rea. Foi um tempo delicioso, de uni�o e cumplicidade. �s vezes ela entusiasmava demais, n�o foram poucas as vezes em que comprava algumas roupas dizendo “se n�o vender pelo menos vai dar uma vitrine maravilhosa”, e eu a trazia para a realidade. Naquela �poca se permitia isso, hoje o pensamento � completamente diferente. Na �poca do Eduardo Couri fizemos uns dois desfiles grandes no Autom�vel Clube em benef�cio da Jornada Solid�ria Estado de Minas, e ela gastava uma fortuna comprando s� roupas importadas de primeira linha. Tinha a Maria Italiana, quem comprava pe�as dela era o top do top. Nunca brigamos por ter gostos diferentes. Ela foi muito s�bia, e como sempre teve uma personalidade muito forte, soube a hora certa em que precisou afastar um pouco para que eu tivesse mais espa�o. Ela soube fazer essa transi��o muito bem, de forma tranquila e sutil.
E a expans�o?
Quando o BH Shopping abriu, nos convidaram para ter uma loja l�. Abrimos a butique e ficamos 20 anos l�, por�m a roupa da loja n�o condizia com o p�blico do shopping. Pag�vamos um aluguel e um condom�nio car�ssimos e quem frequentava o local n�o consumia tanto quanto deveria. Nossos clientes preferiam a loja da Cl�udio Manoel. Quando abriu o Diamond Mall fomos convidados, e por ser um shopping menor e mais elitizado, abrimos uma filial, que funcionou por cerca de 12 anos. Chegamos � conclus�o de que nosso lugar n�o � shopping e abrimos a loja de Lourdes. Ficamos uns 12 anos com a maison de Lourdes. Meu pai faleceu e meu irm�o assumiu a �rea administrativa e financeira da Mary Caetano. Quando come�ou esta crise que estamos vivendo at� hoje, Eduardo fez uma an�lise e decidimos fechar a loja e ficar s� aqui no Bairro Funcion�rios, enquanto est�vamos bem capitalizados. Esta sempre foi a loja que mais vendeu e o espa�o aqui � muito grande.
Hoje, s�o voc� e seu irm�o cuidando de tudo?
N�s somos os donos, aqui � uma empresa bem familiar, mas minha filha Luciana est� conosco h� quase 20 anos, me ajudando em tudo, ela � meu bra�o direito. Se eu quiser parar de trabalhar e ficar s� conversando ela d� conta do recado direitinho. Duas cabe�as funcionam melhor que uma. Tive a felicidade de ter uma filha que gosta do neg�cio, e com isso sabemos que se precisarmos parar por causa de doen�a ou pelo peso da idade, j� temos a continuidade. Minha m�e sempre disse que estava montando uma empresa para deixar para n�s, diante disso fez da melhor forma poss�vel e isso deu a minha miss�o, levar esta loja at� o fim. Por sinal, as coisinhas mais chatas como reposi��o e devolu��o de mercadoria j� passei para ela. Minha sobrinha Paula, filha de Eduardo, que morava em S�o Paulo voltou para Belo Horizonte e agora tamb�m trabalha conosco. Apesar de ser jornalista, � ela quem cuida da �rea da Lenny Niemeyer e das nossas redes sociais.
Fizeram uma reformula��o abrindo espa�os especiais. Como foi isso?
O que garante todo esse tempo de exist�ncia, al�m da qualidade do produto e no atendimento, � estar sempre se atualizando e modernizado, sem, contudo, perder o foco. A Lena Pinheiro fez um novo projeto e decidimos abrir tr�s espa�os separados para algumas marcas. A primeira que veio foi a Lenny. Quando fecharam a loja de Lourdes, nos propuseram trazer a marca pra c�. Achamos interessante. Como nunca trabalhamos com moda praia, achamos que seria melhor criar um espa�o separado para eles, deu muito certo e a� decidimos criar “c�rneres” para outras marcas. A loja adquiriu uma nova cara, mais moderna, mas nosso foco � atender a mulher acima dos 40 anos, com roupas elegantes.
E como atravessaram esta crise?
A crise ainda n�o acabou, estamos vivendo ela h� cinco anos, mas estamos bem, gra�as � nossa clientela fidelizada. Representantes e at� clientes perguntam se n�o temos crise na empresa, porque sempre tem gente na loja. Respondo que temos sim, mas que temos que saber trabalhar com a crise. Estar aqui, no mesmo local, h� 45 anos, olha o tanto de gente que nos conhece nesse tempo todo e acabam falando para as amigas. Para quem est� firme no mercado a chance de continuar � muito grande em rela��o a quem est� come�ando, porque temos uma hist�ria muito grande que come�ou com minha m�e, passou pelo meu marido e continuou comigo. Agora, j� est� vindo a terceira gera��o e elas t�m tudo para levar a loja para frente.
Esta casa foi tombada. Atrapalhou para voc�s?
Foi sim, h� dois anos. A casa � de 1911. Tivemos que voltar algumas partes no estilo da �poca, mas conseguimos um bom acordo para n�o ter que colocar janelas, para n�o escurecer muito o espa�o interno, foi poss�vel manter as vitrines, mas tivermos que colocar grades, mexer na pintura. Vale a pena porque o im�vel � muito bonito e tem uma hist�ria importante na arquitetura da cidade.
Quais os novos planos?
Com certeza n�o abriremos nenhuma outra loja, mas queremos abrir mais um espa�o exclusivo para uma grife que ainda estamos escolhendo, para o pr�ximo ver�o. Temos que selecionar bem, porque o tiro tem que ser certeiro, � o risco calculado. O mais importante de tudo isso � manter o amor no que fazemos, e n�o deixar que o maior patrim�nio que nossos pais nos deixaram, que � a loja e nome forte criado pela mam�e, perca o peso e a qualidade. Temos clientes de uma vida. H� pouco tempo, tivemos duas clientes de 100 anos cada uma. Um delas, a filha veio primeiro, escolheu algumas coisas e depois voltou com a m�e, que chegou aqui toda animada dizendo que n�o queria nada de velha. Nosso foco � continuar atendendo nossas clientes cada vez com mais qualidade.