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Estado de Minas

Criadora de arte, realizadora de sonhos

Mineira que conquistou o mundo com sua arte ainda dan�a aos 90 anos


12/05/2019 05:06 - atualizado 01/12/2024 23:29
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Angel Vianna olha para a câmera
Angel Vianna desenvolveu ao lado do marido, Klauss Vianna, m�todo que impactou o trabalho de bailarinos, atores e terapeutas (foto: Maur�cio Maia/Divulga��o)

A mineira Maria �ngela Abras Vianna, mais conhecida como Angel Vianna, desde menina queria ser artista. Perfeccionista, tudo o que fazia era da melhor forma poss�vel: excelente aluna, �tima pianista, exemplo de filha e muito boa escultora. Por�m, era inquieta. Sabia que queria mais e foi na dan�a que se descobriu. Come�ou no bal� cl�ssico e foi ali, driblando a fam�lia, que encontrou seu caminho e voou t�o alto que criou seu pr�prio estilo. Do bal� cl�ssico passou para o bal� moderno e para a dan�a contempor�nea. Da express�o corporal, como era chamada nos anos 1970, para a Metodologia Angel Vianna/MAV. Hoje, possui uma faculdade de dan�a que leva seu nome, que ter� at� mestrado. Est� com uma exposi��o sobre sua vida no Rio de Janeiro e em breve ser� lan�ado um livro sobre ela. Foi casada com um dos �cones da dan�a no Brasil, o tamb�m mineiro Klauss Vianna.

Como era sua fam�lia?

Sou a terceira filha entre quatro, Violeta, Nicolau e a ca�ula Wadia Alice. Como na maioria das fam�lias libanesas, minha m�e Margarida se casou com o primo Nicolau Elias Abras, tudo em fam�lia. A fam�lia Abras trabalhava no ramo de tecidos, t�nhamos uma no Centro da cidade, a Loja Abras e Cia, na Rua dos Caet�s.

O que gostava de fazer quando era crian�a?
Desde crian�a, tinha muita necessidade de arte. Uma das coisas que realmente lembro era que tocava piano com o professor Francisco Masferrer, um excelente professor de piano. Queria ser uma bel�ssima concertista! Tudo na minha ideia foi sempre querer ser alguma “coisa” al�m da t�cnica, queria ser uma artista.

Gostava de estudar?

Muito. Tentei fazer tudo da melhor maneira. Na parte do piano, o que mais aprendi foi justamente a ouvir. Em cada coisa que estudei, busquei conhecer a import�ncia daquilo que estava fazendo e o porqu�.   Fui uma aluna dedicada. Fiz os primeiros estudos no Grupo Afonso Pena. Em seguida, segundo a tradi��o na �poca, estudei em regime de internato para meninas no Col�gio Santa Maria, de freiras dominicanas.  Nessa �poca, por gostar muito do col�gio, cheguei a desejar ser freira... Depois, estudei em um col�gio misto, o Instituto Padre Machado, onde conheci Klauss (Vianna). Lembro com muito carinho do grande mestre Otto Lara Resende.

Quando percebeu que gostava de dan�a?
Quando sa� do gin�sio e fui estudar dan�a. Apareceu uma professora de dan�a em Bel� (Belo Horizonte), que veio acompanhando o marido, o maestro Arthur Bosmans, e me matriculei.

Seus pais apoiaram ou enfrentou oposi��o? Como lidou com isso?

No in�cio, foi tudo escondido, pois esse neg�cio de dan�a, bailarina, n�o existia na minha fam�lia, existia uma boa pianista. E para burlar a vigil�ncia do meu pai fazia aulas escondida, com a desculpa de que iria fazer gin�stica acompanhada de um amigo da fam�lia.

Como foi estudar com Carlos Leite?
Foi fant�stico! Muito especial. Come�amos em 1948, a primeira turma do Carlos Leite do Ballet Minas Gerais. Fiquei fascinada pela dan�a. Foi assim que come�ou a se formar a primeira turma, eu, V�tor, Klauss Vianna, Dulce Beltr�o, Sigrid Hermany... Com Carlos Leite aprendi a amar a dan�a. E a pessoa que mais me acompanhava nas aulas era a Marilene Martins, a Nena, minha grande amiga, n�o s� da dan�a, mas da vida.

Voc� � da dan�a livre, moderna e contempor�nea. Como foi aprender o bal� cl�ssico?
O bal� cl�ssico foi o in�cio de tudo. Eu me divertia muito. N�o imaginava que seria capaz de fazer um trabalho t�o perfeito nesta t�cnica, mas, quando estudo algo, quero aprender de verdade. Era muito importante entender o bal�, saber o por qu� das coisas. O Carlos Leite foi fundamental na minha vida. Mas n�o imaginava o tanto que a minha dan�a iria mudar: do bal� cl�ssico para o bal� moderno e a dan�a contempor�nea. Da express�o corporal, como cham�vamos nos anos 1970, para a Metodologia Angel Vianna/MAV. � um conhecimento que tem a ver com a percep��o da estrutura �ssea, da pele, a grande liberadora de tens�es e os sentimentos, uma percep��o da totalidade do corpo.

Como foi a aceita��o deste novo estilo de dan�a?

Nosso trabalho, meu e do Klauss, nos anos 1970, aqui no Rio, era conhecido como express�o corporal. No meio da dan�a fomos chamados de “os intelectuais da dan�a” e o meio da dan�a tradicional, ou seja, do bal�, n�o considerava o que faz�amos como dan�a, era uma “n�o-dan�a”. O per�odo de estranhamento maior foi nesta fase, basicamente dos anos 1970. Est�vamos inovando, tanto no campo da dan�a quanto no teatro. Colaborei muito com o campo da sa�de e principalmente da sa�de mental. Vale ressaltar que, na d�cada de 1980, foi criado o curso t�cnico em bailarino contempor�neo e, no in�cio da d�cada de 1990, o t�cnico em reeduca��o motora e terapia atrav�s da dan�a (uma das grandes inova��es da Escola Angel Vianna). Esse curso foi pioneiro na forma��o de bailarinos que se inseriram na �rea da sa�de, com posto concursado na rede Sarah Kubitschek, por exemplo. Esses cursos faziam parte da Escola Angel Vianna (1985), que hoje faz parte da Faculdade Angel Vianna. Na d�cada de 1980, passei a chamar meu trabalho de Conscientiza��o do Movimento e Jogos Corporais. O que hoje, no s�culo 21, � conhecido como Conscientiza��o do Movimento e Jogos Corporais: Metodologia Angel Vianna.

O que levou voc� a fazer belas artes?
Entrei para a escola do Guignard porque as artes me fascinavam em geral. Era no Parque Municipal, bem livre. Tinha o Franz Weissman que dava escultura, o Guignard com pintura e outras tantas pessoas, como o Sans�o Castelo Branco... eu adorava a escultura. Fiquei encantada com o trabalho das m�os na escultura e uma frase do Weissman me marcou para sempre, quando perguntei a ele: “Professor, o senhor me ensina a fazer escultura?” E ele respondeu: “N�o, Angel, vou te ensinar a utilizar o material para que voc� fa�a o seu pr�prio trabalho, porque a escultura quem faz � voc�...”

Qual o estilo de escultura que voc� faz?
Em barro e argila, com o molde de cimento, ferro e madeira. Para a sustenta��o, punha-se uma parte de madeira. Veja s�, o primeiro trabalho que fiz na escola de belas artes e que foi premiado no 1º Festival Universit�rio de Arte foi um p� de bailarina, com todos os m�sculos poss�veis e imagin�veis de uma colega de dan�a do Carlos Leite. Porque achava o p� dela firme, com uma “batata da perna” forte. J� tinha um trabalho anat�mico na escultura e queria aprender mais sobre isso, um trabalho de tocar, de saber como se move.

Como e quando conheceu o Klauss?
Conheci Klauss quando estudei em um col�gio misto, o Instituto Padre Machado, na d�cada de 1940. Depois, nos reencontramos nas aulas de bal� do Carlos Leite e, em 1955, nos casamos. �ramos grandes amigos, de uma amizade profunda, de contar tudo. Foi t�o forte que virou casamento.

Foi dif�cil a decis�o de abrir o Ballet Klauss Vianna?
A Escola Ballet Klauss Vianna foi o in�cio de tudo. Participei ativamente da cria��o da escola e do Ballet Klauss Vianna (1959-1963), onde assumi diversas fun��es: dei aulas, dancei, coreografei, administrei, criei figurinos. O momento mais marcante foi quando dancei Neblina de Ouro (1959) de Klauss. Uma coisa muito especial. Me lembro de um sentimento t�o forte ao dan�ar – que me fez chorar em cena –  junto com o p�blico que assistia (inclusive minha m�e).

O que levou voc�s para a Bahia?
Durante o 1º Encontro de Escolas de Dan�a do Brasil, organizado por Paschoal Carlos Magno, em 1962, em Curitiba, levamos o pas-de-deux “Mar�lia de Dirceu” (em que eu dan�ava) e uma aula-demonstra��o com dez alunas (de 10 a 16 anos) da nossa escola em Bel�. Foi uma aula com Klauss e a musicista Susy Botelho. E o Rolf Gelewsky, ent�o diretor do curso de dan�a da Universidade Federal da Bahia (UFBA), fez uma proposta de irmos para Salvador para lecionarmos bal� cl�ssico, a partir da nossa pesquisa do movimento. Era um convite bastante interessante, trabalhar numa universidade, mas t�nhamos que largar nossa escola em Bel� e o Bal� Klauss Vianna, que tinha conquistado o pr�mio de “Melhor Personalidade Art�stica do Ano” de 1961. O Rolf me convidou para a companhia dele (Grupo Juventude Dan�a). A Bahia foi fant�stica. Estar l�, aprofundar os estudos com a m�sica, a parte anat�mica, o contato com a capoeira, o candombl�. Mas, depois de dois anos, na hora de assinar o contrato, comecei a perceber que Klauss n�o conseguiria dar continuidade � sua pesquisa coreogr�fica. E a Nena (Marilene Martins), que j� estava no Rio de Janeiro, foi a pessoa que mais me estimulou a conhecer a cidade de perto. Fiquei muito curiosa.

Como foi o recome�o no Rio de Janeiro?
Me deu uma curiosidade de vir para o Rio, n�o uma curiosidade � toa. Desde a inf�ncia, o Rio me surpreendia de tanto o meu pai falar que era uma cidade perversa. Ele n�o me deixava vir aqui sozinha, apenas com pessoas da fam�lia.

Como foi a abertura do Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educa��o?
Em 1975, j� tinha estourado um bom trabalho da “express�o corporal” e o Klauss falou sobre abrir uma escola onde pudesse desenvolver esse trabalho. Junto com Tereza D’Aquino, abrimos o Centro de Pesquisa Corporal Arte e Educa��o, em Botafogo, a primeira escola no Rio de Janeiro. Chamavam, na �poca, de “O corredor cultural do Rio de Janeiro”.

O Grupo Teatro do Movimento come�ou com o Grupo Brincadeiras, em 1975, formado por pessoas que acompanhavam as minhas aulas de express�o corporal, desde a �poca em que trabalhava no est�dio de Tatiana Leskova. A segunda forma��o j� foi a do Grupo Teatro do Movimento – que realizou a pesquisa “Significado e fun��o de uma linguagem gestual” entre 1977 e 1978, investigando o gestual do carioca em escolas, academias, comunidades e espa�os urbanos. Queria muito retomar o grupo de Bel� (o Ballet Klauss Vianna). Foi � convite do secret�rio de cultura, Paulo Afonso Grisolli, que formamos o grupo. Foi o in�cio do movimento da dan�a contempor�nea aqui no Rio, com obras marcantes como a coreografia “Dom�nio P�blico”, de Oscar Araiz, em 1976, que recebeu o pr�mio de melhor coreografia no Concurso Nacional de Dan�a da Bahia. Coreografei “Constru��o”, em 1978, com m�sica do Egberto Gismonti. Era a constru��o da vida, do ser humano, do espa�o, da m�sica, da pr�pria dan�a brasileira. Essa hist�ria ser� contada no livro “Grupo Teatro do Movimento: um gesto expressivo de Klauss e Angel Vianna na dan�a brasileira” escrito por Marina Magalh�es (doutoranda na Universidade de Lisboa) e Joana Ribeiro (professora da Unirio, que publicou um livro sobre o Klauss), com lan�amento ainda este ano, durante o Semin�rio da Faculdade Angel Vianna, em setembro, no Rio.

Como foi perder um companheiro de vida e de trabalho?
Prefiro n�o falar sobre esse assunto. A passagem de Klauss Vianna, v�tima do cora��o, foi uma perda grande para todos.

Como foi o processo de funda��o da sua faculdade?
A Faculdade Angel Vianna abriu em 2001, com os cursos de bacharelado e licenciatura plena em dan�a. Setenta alunos se inscreveram no primeiro vestibular e duas turmas foram compostas, em sua maioria, por ex-alunos e professores da escola. Hoje temos cerca de 300 alunos, 200 na gradua��o e 100 nas p�s-gradua��es (lato sensu). Vem gente do Brasil todo e do estrangeiro para estudar na FAV. Hoje em dia, temos egressos atuando em cursos superiores em dan�a em v�rias universidades nacionais e no exterior. Quem me ajudou muito neste processo, as grandes colaboradoras para a cria��o da Faculdade Angel Vianna foram: Dulce Aquino (UFBA), Julieta Costa Calazans (Uerj), Helena Katz (PUC/SP), Ausonia Bernardes (Unirio) e �ngela Ferreira (UCAM). Atualmente, a FAV est� sob a vice-dire��o de M�rcia Feij� e coordena��o de gradua��o de Ana Bevilaqua.  Durante este processo, foi muito importante ter recebido o t�tulo de “Not�rio Saber” em 2003, pela UFBA.

Quais os cursos voc� oferece?
Oferecemos dois cursos de gradua��o (bacharelado e licenciatura plena em dan�a) e seis de p�s-gradua��o/especializa��o: corpo, educa��o e diferen�as; prepara��o corporal nas artes c�nicas; sistema Laban/Bartenieff; terapia atrav�s do movimento; dan�as de sal�o e a metodologia Angel Vianna/MAV. Temos ainda dois cursos t�cnicos em bailarino contempor�neo e em reeduca��o motora e terapia atrav�s da dan�a. Afora cursos livres e oficinas. Temos um site novo, que vale a pena ser visto: www.angelvianna.com.br.

Ainda d� aulas?
Sim. E tamb�m dan�o muito. O que precisar fazer eu fa�o. Gosto muito de criar aulas novas. Aulas em que descubro o corpo, porque gente � como nuvem, sempre se transforma. Estou sempre inventando coisa nova.

De todos os trabalhos que fez, qual voc� destaca?
Dif�cil escolher um trabalho, cada um � cada um e especial. Todos os trabalhos foram importantes, como: “Movimento Cinco: Mulher” (1987), coreografia de meu filho Rainer Vianna; “Divina Com�dia” (1991), de Regina Miranda; os solos “Angel, Simplesmente Angel” (1997) e “Mem�ria em Movimento (1998); “Inscrito” (1999), de Paulo Caldas; “Impromptus” (2002) e “A Tempo” (2007), de Alexandre Franco; “Qualquer Coisa a Gente Muda” (2010), de Jo�o Saldanha; “Ferida S�bia” (2012), de Ana Vit�ria; e “O Tempo N�o D� Tempo” (2018), de Duda Maia. Em 2016, estreei o espet�culo “Amanh� � outro dia”, dirigido por Norberto Presta, com a colabora��o de Andr�a Elias, onde conto um pouco da minha vida. Tem tamb�m filmes como “Em tr�s atos (2015), de L�cia Murat, e “Figuras da Dan�a: Angel Vianna”(2010), de In�s Bog�a e Moira Toledo, e os novos filmes que est�o sendo lan�ados, como “Angel Vianna, voando com os p�s no ch�o”(2018), dire��o de Cristina Leal, e “Movimento do Invis�vel”, de Fl�via Guayer e Let�cia Monte, produzido pela Espiral, com estreia no canal Curta, no segundo semestre deste ano. Adoraria se a exposi��o do Ita� Cultural e os filmes fossem exibidos em Belo Horizonte.

Como se sente com a exposi��o que abriu dia 9, no Pa�o Imperial, que � uma mostra de toda sua vida?

Estou muito feliz. � a continuidade da Ocupa��o Angel Vianna, uma iniciativa do Ita� Cultural S�o Paulo, em 2018, s� que agora aqui no Rio, no Pa�o Imperial. A curadoria foi da core�grafa Ana Vit�ria, que lan�ou minha biografia  em 2005. Na exposi��o, a minha trajet�ria na dan�a brasileira � contada a partir da fam�lia, escolas, pedagogia, parte criativa, tudo que fiz nestes 90 anos. A exposi��o traz momentos importantes da minha vida, com muito material de v�deos, fotos, documentos, esculturas, desenhos, pinturas, cartas, textos e manuscritos do meu acervo pessoal.

Tem algo que ainda gostaria muito de fazer?
Sim, v�rias. No momento, estamos preparando um mestrado profissional em dan�a na Faculdade Angel Vianna. Um sonho que se realiza. Gostaria de agradecer a todas as pessoas que v�m colaborando comigo h� tanto tempo e dizer como o ser humano � �nico e especial.


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