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Estado de Minas ENTREVISTA/ BEATRIZ ABI-ACL - 66 ANOS, GALERISTA

H� duas d�cadas em Belo Horizonte, galeria de arte ajuda a revelar talentos mineiros

A artista pl�stica Beatriz Abi-Acl sempre trabalhou para dar visibilidade a nomes que n�o tinham tanta oportunidade de exibir a sua obra de arte


postado em 15/09/2019 04:00 / atualizado em 12/09/2019 15:55

(foto: Edésio Ferreira/EM/D.A Pres)
(foto: Ed�sio Ferreira/EM/D.A Pres)
 
Desde que se tornou galerista, a artista pl�stica Beatriz Abi-Acl dedica o seu trabalho a talentos mineiros. O objetivo dela � dar visibilidade a nomes que n�o t�m tanta oportunidade de exibir a sua obra de arte. Localizada na Rua Santa Catarina, Bairro Lourdes, a Galeria de Arte Beatriz Abi-Acl acaba de completar duas d�cadas de hist�ria. Quando olha para tr�s, ela lembra que lan�ou muitos artistas e ajudou a mostrar para o Brasil e para o mundo o melhor de Minas. “Foram 20 anos de trabalho s�lido, de qualidade, s�rio e honesto. Disso tenho o maior orgulho”, destaca a fundadora. Em entrevista ao Estado de Minas, ela reconta a trajet�ria de menina do interior que gostava de desenhar a professora de artes e, depois de aposentada, dona de galeria. Por todo este tempo, Beatriz nunca parou de pintar.
 
Conte um pouco da sua hist�ria.
Sou de Senhora do Porto, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais. Estudei em col�gio interno em Concei��o do Mato Dentro, depois fiz o segundo grau, como se falava na �poca, em Guanh�es. Sa� de casa para estudar quando completei 11 anos. A� fui saber o que era viver, o que era gente, porque a minha cidade � muito pequenininha, e a minha fam�lia tinha o maior zelo com os filhos.

Desde a inf�ncia, voc� se interessava por arte?
Com oito anos, comecei a desenhar. Sentava na escada da minha casa e desenhava o c�u, o casario, sempre a mesma coisa. Ficava um pouco irritada porque a minha cidade tinha, no m�ximo, 100 metros de horizonte, ent�o, quando ia de Itabira para Senhora do Porto, me sentia entrando dentro da terra, sem horizonte. Lembro que ganhei uma poesia do meu tio. Ele escreveu: a tua pintura tem cor e matiz, um dia menina ser�s tu tamb�m pintora Beatriz.

Ent�o, o seu tio estava certo ao escrever que voc� seria pintora.
Sempre foi o meu desejo trabalhar com artes, me imaginava pintando e desenhando, mas na minha cidade n�o tinha universidade. A �nica da regi�o era em Te�filo Otoni e l� s� tinha curso de letras e pedagogia. Escolhi letras. Em 1971, surgiu um emprego em Contagem e vim para trabalhar como secret�ria de escola. A� conheci a Funda��o Mineira de Artes (Fuma) e n�o sa� de l� mais. Tinha um dia para fazer inscri��o no vestibular e passei. Larguei o curso de letras em Te�filo Otoni para fazer licenciatura em artes pl�sticas. Dei aula em v�rios col�gios em Contagem. Era a �nica professora concursada que estudava artes no munic�pio, ent�o era muito procurada. Trabalhei dentro de sala de aula por 19 anos. Depois disso fiz curso especializa��o em artes pl�sticas na UFMG, a� me convidaram para trabalhar na assessoria do governo de Contagem. Ent�o, achei por bem fazer comunica��o social na PUC e me formei em rela��es-p�blicas. Fiquei 10 anos entre a assessoria e a coordena��o de RP.

O que mais marcou a sua carreira?
Fui fundadora de uma escola-modelo em Minas, a Escola da Arte e Artesanato, voltada para alunos drogados e miser�veis, que ficavam na rua. Fiquei l� de 1983 e 1988 e, durante esses cinco anos, recebi atrav�s do Juizado de Menores 110 crian�as. L� tinha oficina de tecelagem, bordado, madeira, cestaria e tintura de tecido. Recebi prefeitos de todas as cidades polo de Minas e da Grande BH.

Como a arte ajudou essas crian�as?
Para construir o pr�dio da escola, tiveram que cortar v�rios eucaliptos e ficaram ra�zes no terreno. Selecionei os alunos mais violentos e mandei que arrancassem da terra as ra�zes. Entreguei, correndo todo o risco, fac�o, enxada, p� e eles fizeram desta madeira esculturas. Naquela �poca, a escola chegou a vender para o Rio de Janeiro. Pensava que o adolescente ia para o caminho do crime e das drogas porque n�o tinha o que fazer e, dessa forma, curamos muitos do v�cio. Foi um trabalho muito bonito.

Quando a galeria entrou na sua vida?
J� tinha tempo para aposentar, mas continuei trabalhando. At� que o novo prefeito de Contagem mandou embora mais ou menos 500 pessoas que ocupavam cargos de chefia, e eu estava no meio. Para voltar ao servi�o, teria que ser apresentada por um vereador de Contagem, mas preferi sair. N�o precisava ser apresentada por ningu�m, o meu trabalho falava por mim. Isso foi em dezembro de 1998. Fiquei um tempo na Fran�a, It�lia, Nova York e me voltei mais para a arte. Quando voltei para BH, decidi aproveitar o im�vel da minha fam�lia na Rua Santa Catarina. Em 1999, comecei a galeria Agnus Dei. Depois achei melhor colocar o meu nome. Percebia que muitos artistas bons de BH e Minas n�o encontravam espa�o para mostrar o seu trabalho. D�cio Noviello, Mariza Trancoso, Marcelo AB, Mario Bhering, Jarbas Juarez, entre outros. Esses foram os primeiros artistas com quem comecei a trabalhar. Muitos deles est�o comigo at� hoje. Atualmente, trabalho com 50 artistas, sempre lan�ando um novo.

Todos s�o mineiros?
A maioria, sim. Antes dessa crise, que parece que n�o vai acabar t�o rapidamente, buscava de um a dois artistas de fora por ano. Trabalhei com carioca, baiano, capixaba, paulista. Agora ficou muito dif�cil trabalhar com arte. Al�m de ser a �nica coisa que gosto, � o que sei fazer. Ent�o, levo meus artistas para v�rias cidades de Minas e fora, participando de feira em S�o Paulo, congresso em Bras�lia.

Para se tornar uma galeria reconhecida, o que voc� precisou fazer?
Um trabalho de qualidade e consistente. Al�m disso, buscar gente de valor, que tenha uma linguagem art�stica diferenciada. Agora estou expondo uma artista que n�o tinha feito ainda exposi��o em galeria comercial, a Juliane Assis. Ela trabalha elementos da natureza, mas n�o extremamente figurativos, insinua. Trabalha de forma t�nue entre natureza e abstrato, mas com uma t�cnica extremamente apurada. Achei muito v�lido mostrar este trabalho, tanto � que v�rios j� foram vendidos, apesar da crise.

Como treinar o olhar para as obras de arte?
Viajo muito para conhecer galerias e museus, j� visitei os de pelo menos 30 pa�ses. J� fiquei tr�s dias no Museu Van Gogh, em Amsterd�, outros dois dias no Museu Guggenheim Bilbao, na Espanha, olhando cada detalhe, lendo cada observa��o. Voc� s� aperfei�oa o seu olhar quando estuda, ent�o leio muito sobre artes, visito muitas exposi��es e de cada museu adquiro um livro com as obras. Converso com as pessoas tamb�m. Por exemplo, a Mariza Trancoso, que � mestra em hist�ria da arte e pintura.

Voc� nunca parou de pintar.
Tenho mais de 200 obras vendidas na It�lia, pelo menos 10 vendidas em Nova York. Sempre busquei na paisagem o espa�o, porque na minha cidade n�o tinha horizonte, e nessa busca sempre mostrei o que fizeram e est�o fazendo com a nossa terra. O meu trabalho tinha tamb�m sentido de den�ncia, sempre denunciei as eros�es, a minera��o que acaba com as montanhas, os loteamentos desordenados. Lembro que um dia cheguei em casa e vi o meu quadro na televis�o. Na verdade, era o rompimento da barragem de Mariana. Confio muito no que diz Eduardo Pe�uela, que foi meu professor: artista � a antena do mundo. No dia 5 de outubro, junto com outros artistas, vou fazer uma interfer�ncia em um desses quadros para lembrar o que andam fazendo com as paisagens mineiras. � um trabalho baseado em Mariana e Brumadinho. Por outro lado, tenho um trabalho de pintura com a vegeta��o brasileira.

O que voc� anda pintando?
N�o preciso mais fazer den�ncias, estou num tempo diferente. Pintura hoje para mim � mais desafio que den�ncia. Hoje pinto para me desafiar, meu trabalho tem que ser melhor a cada dia. Artista n�o se completa nunca, cada dia � desafiado com o tanto de tecnologia, de material, de papel que surge. N�o estou necessitando mais demarcar o espa�o do c�u com a paisagem. Estou fazendo um trabalho mais expressivo, mas que no conjunto mostra a natureza. Uso mais a cor para expressar a minha linguagem.

Por que gosta tanto de cores?
A minha inf�ncia sempre muito colorida. Na minha terra tem muita flores, frutos, �rvores. Dentro da minha casa tinha um jardim de inverno sempre florido, ent�o sempre convivi com muitas cores. Com o passar do tempo, voc� vai selecionando mais os elementos. A sua paleta n�o fica t�o colorida como antes. N�o preciso dizer que montanha � verde, posso buscar outro matiz para expressar a mesma coisa.

Obra de arte ainda � para poucos?
N�o. Primeiro pensavam que a galeria cobrava para entrar. N�o, s� museu que cobra. Depois coloquei interfone e as pessoas s� olhavam de fora, tinham receio de entrar porque a porta estava sempre fechada. Fui explicar que bastava tocar o interfone. De certa forma, vamos buscando aproxima��o do p�blico, porque tem gosto para tudo e tem valor para toda obra. Falo que � a obra de arte que busca o dono. � uma quest�o de paix�o. Al�m disso, o espa�o da galeria fica aberto e � disposi��o dos nossos artistas para encontros com o p�blico. Eles pode dar oficina de arte ou discutir a composi��o da obra.

Quem s�o seus clientes?
Temos alguns colecionadores, mas tamb�m recebemos um p�blico jovem. A �ltima escultura vendida na galeria foi para um jovem. Ele queria uma escultura de corpo para decorar a sua cl�nica de cirurgia pl�stica. Eu tinha um tronco e ele se apaixonou, nem quis ver outra coisa, e n�o foi a mais barata.

Qual � a sua miss�o com este trabalho?
S� de mostrar algo que toca a emo��o de uma pessoa j� acho demais. As pessoas chegam aqui t�o preocupadas com viol�ncia, com contas a pagar, e a minha fun��o � faz�-las esquecer o mundo de fora. Dentro da galeria, � para ver coisa bonita, feita com amor. Tamb�m gosto de levar artistas para exposi��es fora, � um prazer mostrar o trabalho deles. A melhor coisa para mim � ligar para um artista e falar que algu�m gostou do seu trabalho e quer ficar com ele.

Por que olhar para obra de arte faz bem?
Quando � verdadeira, ela leva consigo muita emo��o, intimidade, algum elemento especial. �s vezes, a pincelada na tela foi feita com tanto carinho, tanta expressividade, que se torna diferenciada. Penso que cada obra � um peda�o daquele artista. Ent�o, quem n�o se apaixona n�o compra. Comecei a minha cole��o particular em 1981, hoje j� sinto dificuldade de encontrar um lugar onde colocar. Tenho obras na casa da minha m�e, da minha irm�. Infelizmente, n�o cabe mais na minha casa.

Imaginava que a galeria chegaria aos 20 anos?
N�o, passou t�o r�pido. Sabe que tenho a vida da galeria numa pasta? Antes, durante e depois de cada exposi��o. Quando olho para tr�s, sinto que fiz muita coisa boa, mostrei muita gente boa, ressuscitei algumas, lancei outras e gra�as a Deus todos os que passaram por mim levaram alegria e felicidade.

Voc� tem algum sonho que ainda n�o realizou?
J� fui para It�lia, Estados Unidos, mas n�o queria ir mais sozinha. Quero levar artistas mineiros comigo. Sei que n�o � hora de fazer isso, o Brasil est� em crise, mas tenho o sonho de levar outros artistas comigo para mostrar o trabalho deles. Onde tenho mais obra de arte vendida � na It�lia. L� eles adoram a forma como o artista brasileiro usa as cores, com sabedoria e dom�nio t�cnico. E o artista mineiro � respeitado no Brasil e fora do Brasil, tem capacidade de s�ntese e qualidade. Ainda n�o tive tempo de construir um ateli� onde possa pintar quadro de tr�s metros. Sonho ter esse espa�o para que possa pintar livremente. Como moro num apartamento, s� posso pintar tela que cabe no elevador, n�o posso pintar maior, ainda me sinto limitada neste aspecto. Mas isso vai acontecer, brevemente.

Qual legado voc� quer deixar?
Sonho em deixar um trabalho bom na qualidade do artista e da obra. Um trabalho de fidelidade do artista com o galerista e do galerista com o artista, os ensinamentos, a troca de ideia e de conhecimento. 


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