
Joel Motta come�ou a vida literalmente com uma m�o na frente e outra atr�s. De casamento marcado para janeiro, foi demitido do seu primeiro emprego depois de apenas tr�s meses de contratado, em consequ�ncia da crise econ�mica do pa�s. Ele e o colega Am�rico Andr� J�nior decidiram abrir uma empresa de manuten��o de ar-condicionado, sem ter ne- nhum centavo no bolso. Conseguiram. Em janeiro, a JAM Engenharia de Ar Condicionado completa 30 anos de funda��o. O que era uma pequena empresa de manuten��o cresceu e, al�m deste nicho, tamb�m vendem e instalam maquin�rio – seu principal neg�cio –, e alugam equipamentos de grande porte. De quebra, t�m sociedade em empreendimentos imobili�rios. A empresa nasceu no dia do seu casamento, que tamb�m continua firme at� hoje. A dupla j� teve empresa nos Emirados �rabes, experi�ncia que n�o rendeu lucro, mas teve o seu status. Est�o conseguindo passar s�lidos pela pandemia, apesar do alto preju�zo, gra�as � pol�tica administrativa financeira que t�m.
"Estamos conseguindo passar pela pandemia porque n�o temos d�vida nenhuma. E n�o fazemos nenhum compromisso que a empresa ou o s�cio n�o aguentem pagar"
Fale um pouco da sua fam�lia.
Nasci em Belo Horizonte, meu pai era funcion�rio p�blico federal e minha m�e dona de casa. Tenho duas irm�s mais velhas do que eu. Uma se casou em 1977 com um paraibano e foi para a Para�ba, e a outra foi morar com ela, para estudar medicina, e hoje mora em Bras�lia. Fiquei sozinho aqui em Belo Horizonte com meus pais. Sempre fui um garoto bem-agitado e muito gordo, infelizmente. Venho de uma fam�lia de obesos. Meu pai pesava 150 quilos. Eu comia muito, minha m�e era de origem libanesa e cozinha muito bem, l� em casa era uma orgia gastron�mica.
Passou a inf�ncia e a adolesc�ncia obeso? Sofreu muito bullying?
Muito e isso me deu uma intelig�ncia emocional maravilhosa. Estudava no Col�gio S�o Tom�s de Aquino. Tinham dois gordos l�, eu e o Otac�lio (Tat�), hoje ele est� na XP. A vida toda era: “Bol�o 70, cai no ch�o e arrebenta”, era d�cada de 1970. A vida inteira eu trilhei com este tipo de goza��o.
O que voc� sentia? Porque hoje isso � bullying, mas na �poca era goza��o. Feria voc�?
Me deu uma casca. Hoje tem tanto nome para isso. Certos r�tulos. Eu sou contra bullying, mas antigamente voc� falava v�rias coisas sobre a pessoa como brincadeira, tinha uma maldade tamb�m, mas antigamente era mais dosado. Hoje, qualquer coisa que voc� fale, mesmo branda, j� o encaixam em uma caracter�stica de fazer bullying ou praticar algum tipo de preconceito ou persegui��o. Ent�o, hoje n�o podemos falar mais nada, mas acho que isso me ajudou bastante.
O que fez voc� mudar, porque est� magro, pratica esporte?
O bullying.
Com que idade voc� teve esta
mudan�a de postura?
Com 16 para 17 anos. Foi na hora em que voc� para e diz que tem que mudar a fisionomia. Tanto que meus colegas do S�o Tom�s, quando me encontram, n�o me reconhecem. Impressionante. Tenho uma amiga, a Eliane Vasconcelos, que reencontrei depois de casado, ela foi minha colega de sala e n�o me reconheceu quando me viu.
Algum dos seus filhos � obeso?
N�o, todos est�o bem, e s�o saud�veis. Tenho tr�s filhos: Marcela, de 29 anos, advogada, casada; Joel, de 27, engenheiro civil; e Isadora, de 17, que talvez resolva fazer medicina, como a m�e.
Quando crian�a, o que voc� queria ser quando crescesse?
Motorista de caminh�o.
Como assim?
Eu n�o sabia o que queria fazer. Meu pai trabalhava no DNER e eu ia �s vezes com ele vistoriar obras. Menino pequeno, perto de caminh�o, fica encantado.
O que o fez mudar de ideia?
Minha m�e morreu quando eu tinha 16 anos e meu pai, quando estava com 20. Fiquei sozinho, porque minhas irm�s moravam fora e n�o tinha parente nem por parte de m�e e nem por parte de pai. Morei sozinho. Quando fiz um teste vocacional deu desinteresse em todas as �reas. Como eu gostava muito de carro, decidi fazer engenharia mec�nica. O que me levou foi a paix�o por carros. Estudava na PUC e durante o curso pretendia fazer com �nfase em aeron�utica, e comecei a fazer a especializa��o na UFMG. Estava buscando um est�gio, e consegui na �rea t�rmica, a� abandonei a especializa��o de aeron�utica e fui para a �rea t�rmica. Foi quando comecei a mexer com ar-condicionado.
Gostou e continuou no ramo?
N�o foi bem assim, foi mais do tipo a vida me levou e eu me deixei levar. Eu gosto de arrumar solu��es, ter o relacionamento, fazer uma boa obra, entrar no cliente e sair vendo que ele ficou satisfeito. Eu falo o seguinte: “N�o fa�a do amigo um cliente, mas fa�a do cliente um amigo”. A melhor coisa � arrumar um cliente e quando terminar a obra ele estar seu amigo, porque voc� prestou um bom servi�o e vai perdurar no contrato dando manuten��o.
Quando e por que abriu a empresa?
Entrei no est�gio quando o Collor assumiu, em mar�o de 1990. Segurou o dinheiro de todo mundo, foi uma �poca dific�lima. Em julho eu me formei, e fui contratado como engenheiro na empresa onde estagiava, e em outubro fui mandado embora. Estava de casamento marcado. Namorava a Em�lia desde 23 de agosto de 1986, e nos casamos em 17 de janeiro de 1991, o mesmo dia em que assinei o contrato abrindo a empresa. O registro saiu em 22 de janeiro. Eu era amigo do meu fiscal de obras, o Am�rico Andr� J�nior, e decidimos fazer sociedade e abrir uma empresa de manuten��o de equipamentos.
Tudo come�ou ao mesmo tempo na sua vida, fam�lia e empresa?
Eu falava assim, estou casando com uma menina, desempregado, qualquer coisa vou ser gar�om de noite. Ela foi muito corajosa em se casar com um desempregado, acho que me amava muito. Estava despejado do apartamento onde morava de aluguel, mas conseguimos ficar seis meses l�, at� julho. A� fomos morar na casa da av� da Em�lia, e moramos com ela por sete anos. Nossos dois filhos mais velhos, Marcela e Joel, nasceram l�, at� eu conseguir comprar meu apartamento, em 1998. Eu trabalhava igual um louco, dava manuten��o em autoclave, eu que ia nos hospitais todos fazer manuten��o. Tinha uma serralheria para fazer m�veis tamb�m. Eu fazia qualquer coisa.
Precisou ser gar�om de noite?
N�o precisei, gra�as a Deus.
Qual era o escopo de trabalho da JAM quando voc�s come�aram?
Abrimos a empresa com capital zero, t�nhamos capital emocional. �ramos Am�rico e eu e nossa for�a de trabalho, faz�amos tudo e por isso mesmo, por n�o ter recursos para investir, nossa empresa era de manuten��o. O Luiz Ant�nio, que era diretor da Capara�, nos arrumou a primeira obra, pela amizade e confian�a.
Foi um grande desafio? E quantas obras voc�s t�m hoje?
E como. Quando sa�mos da outra empresa, era a Capara� que estava fazendo a obra. Ele nos conheceu l� e nos confiou a primeira obra, o pr�dio da Vivo, na Rua Levindo Lopes, quando alugaram para a Telemig Celular. Hoje, temos mais de duas mil obras de instala��o e mais mil de manuten��o. Atuamos mais em instala��o de equipamentos. Mantemos a empresa de manuten��o, mas vendemos parte dela em dezembro de 2018.
Voc�s deram um passo a mais e mudaram a atua��o?
Essa foi a minha estrat�gia negocial: tenho que focar onde o ar-condicionado � emerg�ncia, e n�o urg�ncia. Mas qual a diferen�a entre urg�ncia e emerg�ncia? Podemos tomar como exemplo um hospital. Se chega algu�m com um bra�o quebrado, � urg�ncia. Precisa ser atendido rapidamente para tratar e parar a dor. Se chega algu�m infartando, � emerg�ncia, porque aquela pessoa corre o risco de perder a vida. Sempre foquei na emerg�ncia, foco onde o ar-condicionado � vital. Em um shopping, se o ar-condicionado parar ele fecha; se o ar-condicionado de um hospital parar, o hospital para. Esse cliente vai dar valor ao meu trabalho, � minha engenharia e � seguran�a dele. Se o cliente de coloca um split ou um aparelho no quarto e esse aparelho estraga, ele pode abrir a janela, e pode chamar o cara quando o tempo esquentar de novo. Ele n�o vai dar valor e nem pagar o valor agregado da engenharia que n�s temos. Quando fizemos as arenas ol�mpicas para as Olimp�adas, a exig�ncia era que a empresa desse 100% de seguran�a de funcionamento, inclusive com pe�as de backup no local. A� temos a certeza de que eles v�o contratar a empresa que tem um corpo de engenharia e uma mobilidade e uma aten��o naquilo para n�o parar, do que contratar um bombeiro eletricista e refrigerista de fim de semana, que a maioria do pessoal contrata. � isso que vendemos. Desde o in�cio focamos nesse cliente, que precisa do ar-condicionado para seu neg�cio ficar de p�.
Voc� tem empresa nos Emirados �rabes?
Tivemos, n�o temos mais. Fomos l� em 2008, na �poca em que estava um “boom”, e fizemos uma parceria com o sheik Mohamed bin Sultan Sorour Al Dhaheri, de Abu Dhabi. Fizemos sociedade com ele na �poca, desenvolvemos alguns neg�cios, mas depois os chineses entraram e acabaram com todo mundo. Eles fazem tudo pela metade do pre�o. Atuamos l� por cinco anos.
Valeu a pena?
Se arrependimento matasse... L� n�o tem lei, a lei � deles. S�o eles que mandam em tudo, n�o adianta nada, n�o ganhei um tost�o. Todos os brasileiros que eu conhe�o que foram para l� sa�ram sem ganhar nada. Foi uma experi�ncia. Bacana, show. Fica s� no show. Mais nada. N�o compensa, � fria.
A JAM vai completar 30 anos em janeiro. O trabalho j� flui sem problemas?
Pelo contr�rio, a maioria dos trabalhos que fazemos, enfrentamos problemas de todas as naturezas. Antigamente, as pessoas deixavam de cumprir a palavra, hoje elas deixam de cumprir o que est� escrito e assinado. E n�o est�o nem a�. E hoje, para voc� entrar na Justi�a contra um cliente e receber, � melhor esquecer. Ent�o, al�m dos problemas t�cnicos, inerentes ao neg�cio, temos este tipo de problema, que, a princ�pio, n�o precisar�amos ter. � um neg�cio que a gente pesa muito.
E como est� o avan�o tecnol�gico na �rea t�rmica?
O ar-condicionado � respons�vel, em m�dia, por 50% da sua conta de energia. � um recurso que pesa para a empresa. Os investimentos do setor s�o para oferecer uma m�quina que gere menos consumo de energia, oferecendo maior efici�ncia t�rmica. Trata-se de uma obra cara, porque os custos s�o altos. Existe uma grande diversidade de m�quinas no mercado. O projetista prop�e as melhores solu��es para o cliente, sempre pensando no custo/benef�cio. O quanto vai encarecer a obra, mas o quanto ele vai economizar, mensalmente, na conta de energia. O problema � que muitas vezes o construtor vai vender o pr�dio, ent�o opta por uma m�quina mais em conta, para baratear a obra, porque depois, quem vai pagar a conta mensal n�o � ele, e sim quem comprar o pr�dio. Quando o construtor vai ocupar o pr�dio, o pensamento j� � bem diferente, prefere investir em um maquin�rio mais caro, porque economizar� depois, no consumo. Em termos de desempenho de conforto t�rmico tem m�quinas similares, com consumos e pre�os diferentes.
E como est� a tecnologia com rela��o � preserva��o do meio ambiente?
A Carrier, que � a f�brica com a qual n�s trabalhamos, s� usa gases que n�o afetam o meio ambiente. Essa vem sendo uma preocupa��o deles desde 1990. H� 10 anos, instalou a primeira tecnologia de refrigera��o natural do mundo em seus equipamentos, a NaturalLine, independentemente do modelo e do custo do equipamento. Todas s�o com o g�s ecol�gico. Essa conscientiza��o j� existe h� muitos anos. Da mesma forma que a corrente tem o g�s ecol�gico, mas pode ser letal, ou seja, ele n�o agride o meio ambiente, mas dependendo do n�vel de concentra��o pode matar.
Qual a durabilidade de um equipamento?
Se estiver com a manuten��o em dia, pode durar 25 a 30 anos. Temos equipamentos de 35, 40 anos rodando bem, porque s�o bem cuidados, recebem boa manuten��o, com trocas de pe�as, ret�ficas de motor, etc. M�quinas de grande porte. N�o quer dizer que eles n�o quebrem.
Como foi com a pandemia, porque as obras n�o pararam.
As obras residenciais n�o pararam, mas n�o � o nosso nicho, atuamos nas obras comerciais, esse mercado acabou. Escrit�rio, todo mundo em home office. Neste pr�dio inteiro, s� tem cinco andares funcionando, assim mesmo com capacidade m�nima. N�o tem um pr�dio comercial fazendo com ar-condicionado central, a n�o ser em S�o Paulo, l� � outra coisa, uma ilha da fantasia. Estou alugando a parte que era da empresa de manuten��o, e n�o consigo. Qual o nosso segredo: empresa rica, s�cio pobre. Se tirar mais da empresa para ter um padr�o de vida que a empresa n�o d� a voc�, n�o tem jeito. Tem dois tipos de pessoas: a rica e a pobre. A rica � aquela que gasta menos do que ganha, e a pobre a que gasta mais do que ganha. N�o interessa o quanto ela ganha, um dia ela estar� pobre ou um dia ela estar� rica. Nosso lema � a empresa em primeiro lugar. Estamos conseguindo passar pela pandemia porque n�o temos d�vida nenhuma. E n�o fazemos nenhum compromisso que a empresa ou o s�cio n�o aguentem pagar. N�o temos. Tivemos um preju�zo brutal com a pandemia. Nossa �nica vantagem � que n�o dev�amos nada. Hoje, podemos demitir todo mundo e fechar a porta. Pagar todos os direitos trabalhistas e ir embora para casa. Mas n�o estou pensando nisso. Uma vez, fui dar uma palestra no IFL e perguntaram qual era o segredo do meu sucesso, eu disse que eles iriam me bater, mas falei que era porque nunca acreditei no Brasil, porque o pa�s sempre tem uma pegadinha para n�s. “Vai aqui que est� bom, chega ali, muda. Vai l�, muda”. N�o acredito. Acredito no fazer com muito p� no ch�o e sempre tentar fazer o que ningu�m est� fazendo. Porque tudo no Brasil vira efeito manada. Todo mundo vai e o investimento cai.
Todas as percep��es e aprendizado foram com a vida?
Autodidata mesmo, aprendo, aplico e levo comigo. Experi�ncia vivida nesses 30 anos. Porque as coisas no Brasil n�o s�o nem republicanas e nem l�gicas. Que seguran�a jur�dica, econ�mica e pol�tica voc� tem neste pa�s para fazer um neg�cio? Voc� quer se enganar? Ou voc� fica na defensiva, ou o arrojado vai se dar muito bem ou muito mal. Eu prefiro ser cabe�a de formiga do que rabo de elefante.
Como se sente vendo a empresa completar 30 anos?
Sou muito realista, me considero como se tivesse 20 funcion�rios at� hoje. Quando olho para este escrit�rio e vejo todos trabalhando at� arrepio. Hoje temos 40% da empresa de manuten��o, temos a empresa de venda e instala��o de equipamentos e a JAM Rental, a empresa de aluguel de ar-condicionado. S� equipamentos de grande porte.
Compensa alugar?
V�rios j� fizeram a conta e compensa. A pessoa est� com um equipamento muito antigo, eu alugo e ela paga o aluguel com a economia de energia que tem. Ela n�o investe nada, o investimento � meu. Ou o equipamento de um shopping ou de um hospital quebra. Precisa de um com urg�ncia, n�o d� tempo de arrumar ou trocar, eles alugam um at� resolver o problema.
E a parte imobili�ria?
Isso surgiu por causa do meu relacionamento com os donos das construtoras. Ficamos s�cios em v�rios neg�cios da Capara�, da Castor, Masb, enfim, v�rios do fruto do meu relacionamento como vendedor de ar-condicionado.
Como voc� fez?
N�o sei, deve ser a veia libanesa dos meus av�s maternos. Ningu�m nunca me ensinou, fiz um curso de engenharia mec�nica. Vai mudando o patamar. S�o 30 anos.
Come�aria tudo de novo?
N�o, de jeito nenhum, cansei. N�o saio porque n�o tenho mais o que fazer. Se come�asse de novo seria m�dico. Adoro medicina. Gostava de medicina, mas n�o gostava de estudar. Minha irm� me levou em Vassouras para fazer medicina l�. Fiz inscri��o e n�o fui fazer o vestibular. Virei engenheiro mec�nico.
